Em outubro, quando o FC Porto visitou o Feyenoord na fase de grupos da Liga Europa, Pinto da Costa lembrou a recordação mais feliz que os portugueses têm do De Kuip, o estádio do clube holandês conhecido como a Banheira de Roterdão. “Tive a oportunidade e felicidade de ver aqui o nosso atual treinador, Sérgio Conceição, marcar os célebres três golos à Alemanha. Este estádio tem dado sorte aos nossos e ao FC Porto, espero que amanhã seja mais um dia para ficarmos com boas recordações”, disse o presidente dos dragões. Pinto da Costa falhou a profecia, o FC Porto perdeu, mas a memória estava no sítio certo.

Há 20 anos, no dia 20 de junho de 2000, Portugal disputava em Roterdão o último jogo da fase de grupos do Campeonato da Europa. O adversário era a poderosa Alemanha de Oliver Kahn e Lothar Matthäus, campeã europeia em título, mas o apuramento para os quartos de final, assim como o primeiro lugar do grupo, estavam garantidos. Depois da histórica vitória contra a Inglaterra no jogo de estreia — numa reviravolta com golos de Figo, João Vieira Pinto e Nuno Gomes que é ainda uma das partidas mais memoráveis da história da Seleção Nacional –, a equipa orientada por Humberto Coelho tinha derrotado a Roménia três dias antes de defrontar a Alemanha. Um golo solitário de Costinha ao quarto minuto de descontos, que em 2000 estava ainda no Mónaco e nunca tinha feito um único jogo na Primeira Liga portuguesa, foi o suficiente para ultrapassar a seleção liderada por Gheorghe Hagi e enfrentar os alemães já com a garantia da qualificação.

A fé de Humberto Coelho, o golo de Nuno Gomes e o “jogo histórico”. O Portugal-Inglaterra do Euro 2000 faz 20 anos

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Por isso mesmo, Humberto Coelho decidiu mudar quase toda a equipa. Saíram Vítor Baía, Secretário, Dimas, Vidigal, Paulo Bento, Figo, Rui Costa, João Vieira Pinto e Nuno Gomes; entraram Pedro Espinha, Beto, Rui Jorge, Paulo Sousa, Costinha, Capucho, Sá Pinto, Sérgio Conceição e Pauleta. Em comparação com os dois jogos anteriores, só Jorge Costa e Fernando Couto mantinham o lugar e Portugal entrava em campo para defrontar a seleção que defendia o título com nove jogadores que ainda não tinham sido titulares até aí. Do outro lado, para além de Kahn e Matthäus, o selecionador Erich Ribbeck lançava um jovem Ballack e ainda Scholl, Deisler e Jancker. A Alemanha tinha empatado com a Roménia e perdido com a Inglaterra e precisava de ganhar a Portugal e esperar por uma escorregadela dos romenos para sonhar com o apuramento. Mas naquele fim de tarde e início da noite em Roterdão, Sérgio Conceição tinha outras ideias.

Com 25 anos e a jogar na Lazio, chegava ao Campeonato da Europa com 20 internacionalizações e depois de passagens pelo Penafiel, pelo Leça e pelo Felgueiras, para além do FC Porto, onde regressou três anos de completar a formação e de onde voou para Itália. Na Lazio, nos dois anos anteriores e com Couto, Nedved e Mancini, tinha conquistado praticamente tudo: uma Serie A, uma Taça de Itália, uma Supertaça de Itália, uma Taça das Taças e uma Supertaça Europeia. O que, apesar de tudo, não lhe garantia a titularidade na Seleção. Figo, Rui Costa e João Vieira Pinto eram os criativos e os responsáveis pelo apoio ao avançado e Sérgio Conceição tinha no encontro com a Alemanha uma oportunidade para mostrar aquilo que valia.

Começou aos 35 minutos. Pauleta e Rui Jorge combinaram na esquerda do ataque, o então avançado do Deportivo entrou na grande área e cruzou para o segundo poste, onde Sérgio Conceição apareceu antes de Kahn para empurrar de cabeça e inaugurar o marcador. O número 11 português quase perdeu os sentidos depois do choque com o guarda-redes alemão e foi transportado para fora de campo de maca, sem festejar o golo, mas regressou à partida apenas dois minutos depois. O capítulo seguinte surgiu já na segunda parte: Capucho recebeu de Sá Pinto na zona central e abriu tudo na direita, à procura de Conceição; o ala direito dominou, avançou sozinho em direção à baliza, puxou para dentro e rematou de pé esquerdo ainda fora da grande área. Kahn não chegou lá, Conceição bisou e a Alemanha estava praticamente fora do Campeonato da Europa.

O último golo surgiu a cerca de 20 minutos do apito final. Capucho voltou a abrir da faixa central para a direita, Sérgio Conceição surgiu em velocidade na grande área e atirou na diagonal para voltar a bater Kahn: 3-0, um hat-trick perfeito do jovem ala português — cabeça, pé direito e pé esquerdo –, e a certeza de que o nome do jogador natural de Coimbra iria ficar para sempre na memória dos adeptos portugueses. No final do jogo, com a Alemanha eliminada, Sérgio Conceição conquistou algo mais do que a vitória. Nas duas partidas seguintes — contra a Turquia, nos quartos de final, e a eliminação com França, nas meias-finais –, foi titular e cumpriu todos os minutos, roubando primeiro o lugar a Vidigal e depois a João Pinto. Acabou por assistir Nuno Gomes para o único golo português na polémica meia-final contra os franceses, em que Henry e Zidane carimbaram o passaporte para a final de Roterdão, onde conquistaram o título europeu ao derrotar a Itália.

Euro 2000: Portugal vs. Germany

Humberto Coelho lançou nove jogadores que não tinham sido titulares nos dois jogos anteriores: incluindo Capucho, que assinou duas assistências para Conceição

No mês seguinte, em julho de 2000, Sérgio Conceição foi envolvido no negócio que levou Hernán Crespo do Parma para a Lazio — a contratação mais cara de sempre à altura — e fez o caminho inverso, juntando-se a uma equipa que tinha os jovens Thuram, Buffon e Cannavaro. Ficou apenas um ano, passou mais dois no Inter Milão, regressou à Lazio e ao FC Porto em aventuras de apenas uma temporada e ainda esteve no Standard Liège da Bélgica e no Al-Qadsia do Kuwait antes de terminar a carreira com três épocas ao serviços dos gregos do PAOK (onde foi treinado por Fernando Santos). Quanto a Portugal, em quatro ocasiões desde há 20 anos para cá, não mais voltou a derrotar a Alemanha: leva até quatro derrotas, entre Mundial 2006, Euro 2008, Euro 2012 e Mundial 2014. Sérgio Conceição orquestrou a última vitória portuguesa contra os alemães, com um hat-trick perfeito que ainda faz parte da história da Banheira de Roterdão e da Seleção Nacional.

Em entrevista ao Observador, em 2018, Sá Pinto recordou a vitória histórica frente à Alemanha. “Demos três secos à Alemanha, campeã europeia em título. Lembro do guarda-redes, o Kahn. E lembro-me de um alemão querer trocar comigo de camisola, e trocou. Estes estavam de cabeça perdida, 3-0 de Portugal. Foi um momento ótimo, sobretudo do Sérgio. Três golos à Alemanha é uma proeza rara, diria única. Ainda por cima, o hat-trick perfeito, cabeça, pé direito e pé esquerdo. Que noite sensacional”, disse o antigo internacional português. Já Sérgio, sobre aquela noite de junho de 2000, nunca disse grande coisa. Só há um ano, quando a UEFA assinalou o aniversário dos três golos aos alemães, é que o atual treinador do FC Porto pegou na publicação do organismo nas redes sociais para agradecer a memória. “Um dos dias mais felizes da minha carreira de jogador”, escreveu.