Conhecida como uma das zonas da noite de Lisboa, as ruas do típico Bairro Alto estão agora desertas. Faltam os turistas e os portugueses que, de copo na mão, alegravam as ruas e enchiam as esplanadas dos restaurantes.
Desde os anos 80 que o Bairro Alto era sinónimo de movida noturna, pelos inúmeros bares existentes porta-sim porta-sim, restaurantes, casas de fado e algumas discotecas. Hoje, as ruas encontram-se vazias, nem moradores há pela zona, já que muitos saíram devido ao ‘boom’ do alojamento local. No Bairro, que também é conhecido como o local de concentração habitual de jovens estrangeiros que se encontram em Lisboa a estudar ao abrigo do programa Erasmus, faltam estudantes e os turistas.
As esplanadas são uma opção defendida pelos proprietários de alguns bares ouvidos pela Lusa. Consideram que tem de haver uma solução enquanto o Governo não decide quando podem abrir portas, que estão fechadas desde março devido à pandemia da covid-19.
O presidente da Associação de Comerciantes do Bairro Alto, Hilário Castro, começou por explicar à Lusa que, no geral, têm-se vivido “anos mais dramáticos”, não foi só no país e na cidade de Lisboa, mas no próprio bairro.
Frisando que o Bairro Alto tem uma grande “diversidade comercial” porque partilha “o comércio diurno e a noite feita pelos bares e restaurantes”, o presidente da associação disse que os restaurantes que já abriram portas estão “ligeiramente melhores” porque já estão a trabalhar, mas “não há público ou clientes, o que afeta todos”.
Hilário Castro reconheceu que há “muito receio de entrar nos restaurantes”, pelo que defendeu que “as esplanadas são uma possibilidade que funciona”. O responsável adiantou que a Associação tem feito “um esforço” junto de variadas entidades para sensibilizar para a questão”, reconhecendo que “resta esperar e ter esperança” para serem ouvidos.
“Os bares são uma questão muito sensível (…) Não sendo possível abrir, pedimos apoios para viabilizar estas empresas, pequenos comerciantes familiares que estão há três meses fechados sem qualquer tipo de rendimento”, frisou. É também deste setor que a Associação reconhece ter mais queixas.
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Afirmando que no setor dos bares e das discotecas a “incerteza é grande”, Hilário Castro lamentou não haver informação “que permita ter esperança” e gerir expectativas.
Essa angustia já foi sentida na pele por Ricardo Tavares, proprietário de cinco bares no Bairro Alto e que se viu obrigado a fechar um bar e um restaurante por não conseguir manter as rendas elevadas.
“É catastrófico. Temos todos os nossos espaços fechados antes de o Governo nos mandar encerrar, encerrámos por uma questão de saúde pública. Desde aí nada sabemos, tivemos algumas promessas, nomeadamente do secretário de Estado da Economia que íamos ser discriminados pela positiva, mas nada saiu ainda em Conselho de Ministros”, afirmou.
No Bairro diz que tudo mudou: “hoje em dia é uma tristeza”, reconheceu, exemplificando que as poucas pessoas que há na rua “são sem-abrigo ou pessoas de outros bairros”, lamentando também que a violência tenha regressado 20 anos depois.
Também para Ricardo Tavares as esplanadas são uma opção, sugerindo que todos os estabelecimentos da zona pudessem ser contemplados e, se o bairro fosse efetivamente pedonal, estaria garantido o distanciamento social “e todos conseguiam viver” com os seus negócios. “Nada é que não é solução”, desabafou.
Paulo Cassiano gere o restaurante Bota Alta, fundado pelo seu pai em 1976 e que pertence ao programa Comércio com História. Apesar de ter as portas abertas, reconheceu à Lusa não ter clientela: “dou mais refeições do que aquilo que vendo pois tenho quatro pessoas a trabalhar comigo”.
“Está a ser muito complicado aqui na nossa zona. Faz falta toda a gente, sobretudo agora os portugueses mais do que nunca e os turistas que são sempre uma mais valia, não temos essa massa de pessoas que vinha para Lisboa e animar o Bairro Alto”, desabafou.
Paulo Cassiano defendeu uma revitalização do bairro. Revelou que não é de agora que é essencial operar-se uma mudança. “Este bairro é único, mas tem esta questão de ser um bairro pedonal, mas que de pedonal tem pouco. Era importante a revitalização do bairro, temos essa necessidade para termos esplanadas. Com esplanadas evitam-se aglomerados”, defendeu.
Bruno Ferreira, que gere o Bar Arroz Doce, admitiu que, por ser um negócio familiar, “está mais resguardado”, lembrando casos mais complicados de vizinhos paredes meias. “Pedir para abrir não vai chegar, vamos ter de pedir regalias em termos de dinheiro, IVA, não chega só abrir”, frisou, sublinhando que, com a atual situação, muitos estabelecimentos vão ter de fechar e só conseguem manter as portas abertas com ajudas monetárias.
“Isto mexe com muita coisa à nossa volta, artistas, ‘dj’s’, um vasto leque de coisas que não funcionam porque estamos fechados”, salientou o jovem.
Entre as 14:30 e as 16:00 eram as horas em que se descarregavam marcadorias para os bares e restaurantes no Bairro Alto. Agora, enquanto a reportagem da Lusa esteve no local, passaram os carros de recolha do lixo e um ou outro carro comercial.
Do nada surge um grupo de jovens turistas em trotinetes. “É o primeiro grupo que vejo aqui desde o início da pandemia”, avançou Ricardo Tavares, “isto antigamente era habitual: deve ser uma despedida de solteiro”, atirou.
A Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) defendeu na sexta-feira que os estabelecimentos de animação noturna têm “todas as condições” para reabrir em segurança, com medidas específicas, inclusive nas pistas de dança.
Nesse sentido, a AHRESP lançou um guia de boas práticas, que inclui regras sobre a capacidade dos espaços, o controlo de entrada de clientes, o uso de equipamentos de proteção individual, a limpeza e desinfeção do espaço e o serviço de alimentação e bebidas.
Na quinta-feira, cerca de 130 trabalhadores do setor de animação noturna protestaram em Lisboa, numa manifestação silenciosa pela reabertura de espaços como bares e discotecas.