O bispo de Setúbal, recém-eleito presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), afirmou este domingo – em entrevista à Agência Lusa – que o país não pode continuar confinado e sublinhou a importância da ajuda institucional e das comunidades às famílias mais afetadas pela pandemia de Covid-19.

“Não podemos passar a vida inteira confinados. E há uma questão fundamental que é a solidariedade. Aquilo que se dá em termos de ajuda concreta é fundamental para a emergência. A primeira coisa de que as pessoas precisam é de comer. Mas depois há muito mais. Há uma solidariedade institucional, que é não deixar ninguém sem esses apoios”, disse o novo presidente da CEP, eleito na terça-feira, José Ornelas.

“Não é simplesmente uma questão de alimentação. Há gente que não está, por exemplo, a pagar as suas rendas e as suas casas. E isso é fundamental para a dignidade das pessoas. Há que encontrar esquemas criativos para permitir que essas pessoas não percam agora o barco e que amanhã possam ser autónomas”, acrescentou.

Para José Ornelas, a par da solidariedade institucional também deve haver solidariedade local e uma preocupação em “cuidar da sociedade civil”, envolvendo-a na aplicação de medidas concretas.

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“É muito mais enriquecedor que as nossas instituições possam funcionar a todos os níveis, que se possa contar com a sociedade civil, para encontrar soluções de proximidade, que, não só saem mais baratas, mas são muito mais próximas, integradoras de todo um tecido social que se quer refazer e não, simplesmente, refazer o tecido económico”, defendeu o presidente da CEP.

“Com esta crise, estamos todos à espera de uma vacina, estamos todos à espera de meios de contenção. Mas agora outros valores vão surgir a seguir. O que interessa saber é que tipo de relação e que tipo de sociedade nós temos. E se a gente conseguir despertar o sentido de solidariedade de respeito e de cidadania, que de uma forma dramática experimentamos neste tempo, isto pode mudar”, disse.

A mudança, na opinião do presidente da CEP, pode ser construída a partir dos laços dos solidariedade reforçados pela vivência conjunta da pandemia.

“Há um provérbio moçambicano, uma expressão moçambicana – `o meu companheiro de sofrimento, aquele que sofreu comigo, nunca mais se esquece´. O atravessar crises juntos e atravessá-las solidariamente – não é o salve-se quem puder, mas é vamos integrar todos – dá-nos um país diferente, que eu espero que possa ser um país diferente porque um país mais fraterno e solidário”, acrescentou.

Para José Ornelas, a mudança deveria também passar pela defesa do ambiente e por um desenvolvimento económico sustentável, preocupação que também foi expressa pelo Papa Francisco, na encíclica Laudato Si” e com a introdução do novo conceito de “pecado ecológico”.

“O sistema económico que se pretenda sustentável, palavra a que fomos dando cada vez maior importância, não pode ser um sistema simplesmente consumista, ou consumidor do ambiente. Se nós não cuidarmos dele, nós acabamos com ele”, disse José Ornelas.

“Nós pusemos tantas vezes o grande assento no défice, na dívida, no PIB – não ponho em dúvida a importância e a necessidade de conter tudo isso -, agora tantas vezes isso se faz à custa da economia que os devia sustentar”, concluiu o novo presidente da CEP.

Na entrevista à agência Lusa, confrontado com a reflexão “Recomeçar e Reconstruir”, que saiu da Assembleia Plenária da CEP desta semana, em que se diz que “uma lição prioritária que da tragédia desta pandemia podemos colher é a do que ela representa como redescoberta do valor inestimável de cada vida humana”, José Ornelas considerou que não se trata de um recado ao parlamento – onde se discutem, na especialidade, vários projetos de lei sobre a eutanásia aprovados em fevereiro -, mas de reafirmar a posição da Igreja.

“Mais do que um recado é dizer a posição que nós temos, muito clara, sobre isto. Com todo o respeito por quem pensa diferente – e isto não significa desprezo pelo sofrimento de quem realmente vive com tanta dificuldade tantas vezes uma doença sem sentido da vida -, o que nós dizemos é que a vida tem sempre a possibilidade de refazer-se até que termine na morte”, disse o novo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa.

Futuro da Europa depende de ter ou não políticas centradas nas pessoas

Na mesma entrevista, José Ornelas diz que sempre foi um admirador da União Europeia, mas advertiu que o futuro da união depende da capacidade de empreender políticas centradas nas pessoas e manifestou preocupação com os populismos.

“De certo modo, assusta-me, preocupa-me, ver os populismos que entre nós também se foram manifestando, que aliás, naufragaram com a pandemia”, disse José Ornelas, defendendo a ideia de que a União Europeia tem se seguir os ideais dos seus fundadores.

“Eu sempre admirei a União Europeia porque, desde o seu início, não foi uma coisa levada simplesmente por sentimentos. Foi levada por ideais e por atitudes, que foram sempre muito discutidas. Não foi de uma forma pouco pensada que se fez isto. Era gente que tinha ideais, mas, ao mesmo tempo, fez caminhos concretos para realizá-los”, acrescentou o novo presidente da CEP.

José Ornelas lembrou, no entanto que, muitas vezes, esses ideais, que considera essenciais para o futuro comum da Europa, não têm sido observados.

“Estamos numa Europa mais alargada, por isso mesmo também diversificada e também com histórias diferentes, mas é fundamental [observar esses ideais]. E estou convencido que, de facto, neste momento se decide muito do futuro e da viabilidade da Europa”, disse.

“E é sempre a mesma questão: ou as pessoas estão no centro, ou então não dá”, acrescentou o novo presidente da Conferência Episcopal Portugueses.

Mas se, por um lado, confessa admiração pelos ideais europeus, José Ornelas também critica o grupo de países, onde se incluem alguns europeus, que atraem os melhores cérebros de países mais pobres.

“São países que dizem: ‘nós não aceitamos imigrantes, mas engenheiros sim’. Isto é vampirismo. É vampirismo intelectual, é privar os pobres daqueles que os poderiam salvar. Nós trazemos de lá aqueles que poderiam ajudar a desenvolver esses países. E depois o resto é lixo, que fiquem lá com ele”, disse.