O momento estava agendado para o dia 27 de março, Dia Mundial do Teatro, mas devido à pandemia provocada pela Covid-19, a assinatura da escritura da compra do teatro Sá da Bandeira pela Livraria Lello, foi celebrada esta terça-feira, véspera de S. João. A compra do imóvel histórico, recentemente classificado como monumento de interesse público, foi efetuada por 3,5 milhões de euros  em março de 2019, cabendo ao novo proprietário a manutenção do uso exclusivo do Sá da Bandeira como teatro. “Vimos uma oportunidade onde muitos encontraram uma ameaça. Temos de respeitar a alma do Teatro Sá da Bandeira e dedicar aquele monumento à cultura”, começa por dizer Presidente do Conselho de Administração da Livraria Lello, Aurora Pedro Pinto, sublinhando que “manter um ícone faz parte de aceitar a sua vocação primeira”.

A responsável afirma ter ficado agora com dois ícones da cidade, “a livraria mais bonita do mundo e a mais antiga casa de espetáculos da cidade”, e ambiciona tornar o Porto num destino cultural e patrimonial. “Como somos um pouco loucos temos um sonho muito grande para a cidade e um sonho para o país. Esse sonho passará criar um conjunto de patrimónios ligados à cultural e que permitam que a cidade do Porto seja visitada e eleita como ponto de visitação pelo lado cultural e patrimonial. Esse é o nosso desejo, o nosso sonho, este foi  mais um passo, um passo grande, para o alcançar.”

Aurora Pedro Pinto pretende que a cidade “recupere o seu fulgor através da cultura” e que cresça em “pelo menos um terço na procura nacional e internacional e que se eleja como destino cultural e patrimonial de referência”. “Podemos aqui e agora afirmar que ambos, a Livraria Lello e o Teatro Sá da Bandeira, a cidade e a cultura, e outros que se juntarão, estão na raiz de um novo projeto que estamos a estrutura para enriquecer ainda mais a atividade cultural e patrimonial do porto para os seus cidadãos e visitantes.”

Para a presidente da livraria, esta é “uma aposta da Lello num sucesso patrimonial, cultural e comercial e numa qualificação material e imaterial de valorização do património e da cultura da cidade”, defendendo que a cultura “é agora mais do que antes verdadeiramente essencial para a recuperação coletiva como cidade e como espaço aberto a quem nela vive e quem a visita”.

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Realizar obras de restauro e conservação, mantendo a traça original do edifico, tal como fez com a Livraria, faz parte das intenções da Presidente do Conselho de Administração, que, sem levantar muito o véu do que poderá ser o futuro do teatro, admite que o projeto passará “pelos espetáculos”. “Não vou definir aqui em concreto situações e tipologias de espetáculos porque é um projeto grande, que ainda está a ser estruturado. A seu tempo daremos conta com o pormenor necessário. É ligado à cultura, isso é que é importante”, acrescentando que será “um espaço multicultural”.

“Num São João triste, este é o momento mais importante desta festividade”, diz Moreira

Presente na cerimónia esteve Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, que confessou não estar programado que falasse, mas acabou por acontecer. Começou o discurso garantindo que o Sá da Bandeira “fica em boas mãos” com esta aquisição, sendo esta compra “um sinal de otimismo” para a cidade. “Isto não surgiu por uma escolha do presidente da câmara, surgiu através de um ato livre, público, através de uma hasta pública em que tivemos a sorte de haver empresários da cidade que quiseram apostar na cultura. Isto tem para nós um significado muito especial.”

O autarca do Porto recorda o “enorme consenso das forças políticas” em vésperas das eleições autárquicas, quando em 2017 o município foi “confrontado com a necessidade de tomar, em três dias apenas, de comprar o teatro que estava à venda e que a Câmara do Porto tinha a possibilidade de exercer o direito de preferência”, o que acabou por fazer.  O processo de classificação do teatro avançou, estado concluído em janeiro de 2020, mas Rui Moreira refere que foi um caminho “moroso”, devido aos entraves do Tribunal de Contas, dizendo mesmo ter-se tratado de “uma via-sacra”.

Acreditando que a cultura “é importante e um bom negócio”, o independente lembra que o Sá da Bandeira sempre foi um teatro de revista e que no futuro terá “um papel diferente do que tem o Teatro Nacional de S. João ou o Rivoli”. “Tenho a tenho a certeza que com estes novos proprietários ele vai continuar a desempenhar essa diferença.” Moreira não teme que esta nova aposta da Livraria Lello torne a cidade mais gentrificada no futuro. “Uma cidade não é ‘gentrificável’ se a cidade tiver cultura, se tiver ícones como este, porque quando os estrangeiros cá vêm sentem-se portuenses. Grave é quando uma cidade que, mesmo sem irem lá estrangeiros, é gentrificada por uma qualquer loja de conveniência. Nós não somos gentrificáveis.”

Em véspera de S. João, o autarca não tem dúvidas “num São João triste, este é o momento mais importante desta festividade”.