Numa altura em que o número de casos de Covid-19 dispara nos EUA e o presidente norte-americano faz declarações dizendo que é preciso diminuir a produção de testes, a equipa de peritos norte-americana liderada pelo epidemiologista Anthony Fauci é ouvida numa comissão da Câmara dos Representantes, no congresso norte-americano. Para Fauci, as próximas duas semanas vão ser “críticas” e decisivas na forma como o país lida com o surto, sobretudo em estados como a Flórida, o Texas e o Arizona, onde a pandemia está mais descontrolada.

Na audição, que decorre há várias horas, Fauci afirmou que o surto está longe de estar controlado, e que em “partes dos EUA” está-se a assistir a uma “onda perturbadora de novas infeções”. Não se arrepende de não ter pedido aos norte-americanos para usarem máscara mais cedo, mas agora aconselha toda a gente a fazê-lo (apesar de admitir que nunca recomendou “diretamente” Trump a fazê-lo). Garante que os testes estão a aumentar apesar de Donald Trump dizer o contrário, e que as autoridades de saúde dos EUA continuam em contacto com a Organização Mundial de Saúde apesar de Trump ter rompido os laços.

“Nos últimos dias, reduzimos de 30.000 para 25 a 20 mil. E agora estamos a subir outra vez. Há alguns dias havia 30.000 novas infeções diárias, isso é muito problemático”, disse, afirmando que as próximas duas semanas “vão ser críticas na nossa habilidade para lidar com os surtos que têm surgido na Flórida, no Texas, no Arizona e noutros estados”. É que, segundo o epidemiologista de topo dos EUA, a forma como o país tem lutado contra o vírus tem sido “mista”. Nuns estados a resposta tem sido correta, e noutros não. E são esses que agora mais causam preocupação.

Nova Iorque, por exemplo, que foi bastante atingida pelo surto no início, “tem feito um bom trabalho para reduzir o número de casos enquanto começa a reabrir com cautela a cidade”, disse, dando depois o exemplo contrário. “Noutras áreas do país estamos a ver agora o surgimento de uma onda perturbadora de infeções devido ao aumento da disseminação do vírus na comunidade”, disse. Flórida, Texas e Arizona são alguns desses exemplos. No Texas, aliás, que registou esta segunda-feira um número recorde de 5 mil novas infeções, um hospital pediátrico começou a receber adultos com o novo coronavírus devido a um surto na área de Houston.

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Testes estão a aumentar. Peritos contrariam Trump

Tanto Anthony Fauci como Robert Redfield, ambos membros da equipa da Casa Branca especializada na Covid-19, garantiram aos congressistas que a capacidade de testagem dos EUA está a aumentar e não a diminuir, tal como Donald Trump tem afirmado. Ainda esta terça-feira, depois de ter estado debaixo de fogo por causa dessas afirmações, Trump veio insistir que quando disse que os testes deviam diminuir não era “brincadeira”.

Questionado sobre o estado dos testes no país, Fauci garantiu que não lhe foi pedido para diminuir a produção. “Na verdade, até estamos a fazer mais”, disse, garantindo que a ideia é sempre testar mais, não menos. Também Redfield, diretor do Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças, disse a mesma coisa: “Todos nós temos estado e vamos continuar a estar empenhados em aumentar a capacidade de testar e de testar rápido”.

Outra questão onde os peritos contrariam Trump foi na relação com a Organização Mundial de Saúde. Fauci garantiu aos congressistas que não foi consultado por Donald Trump na decisão de parar o financiamento à OMS, e garantiu que as autoridades de saúde norte-americanas continuam a trabalhar em estreita colaboração com aquela organização mundial de saúde. A relação continua a ser “diária” e “muito produtiva”, não obstante as “questões políticas que venham da Casa Branca”.

Recomendação para uso de máscara não foi feita mais cedo porque não havia para toda a gente

Sobre o uso de máscara, Anthony Fauci diz que não se arrepende de não ter pedido aos americanos para usar máscara mais cedo, porque na altura as circunstâncias eram diferentes e quem precisava de máscaras eram os médicos. “Não me arrependo porque, na altura, havia uma escassez de equipamentos de proteção individual para os prestadores de cuidados de saúde e não queríamos desviar máscaras e outros equipamentos para serem usados genericamente pelo povo”, disse.

Agora, a música é outra. Havendo máscaras para todos, todos devem usar. O apelo é sobretudo para os mais novos. “Tenho lidado com surtos virais há 40 anos e nunca vi um único vírus com uma percentagem de 20 a 40% de assintomáticos”, disse, afirmando que esse é um dos dados mais “perplexos” do novo coronavírus e que leva muita gente a “relaxar” e a “não se preocupar” por não ter sintomas. Foi aí que o diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infeciosas se dirigiu à geração mais nova, pedindo que evitem multidões e que, se o fizerem, pelo menos usem máscara. “Vocês são parte do processo e da dinâmica do surto e podem estar a propagar o vírus inadvertidamente”, disse.

Outro tema abordado na audição foi a questão da vacina. Para Anthony Fauci é uma questão de saber “quando e não se” vai haver vacina. Segundo o especialista em doenças infecciosas do governo norte-americano, que admitiu estar “cautelosamente otimista”, a vacina poderá mesmo chegar no final deste ano ou começo de 2021. Fauci avisou, no entanto, que a vacina pode levar um ano ou um ano e meio a ser desenvolvida.