A Rússia garante que a vacina que começou a ser testada no final da semana passada confere imunidade por dois anos ou mais. Mas até decorrem esses dois anos desde a vacinação dos voluntários, tudo o que se pode fazer são estimativas por aproximação, diz ao Observador Marc Veldhoen, imunologista no Instituto de Medicina Molecular (IMM), em Lisboa.

O anúncio sobre a imunidade conferida pela vacina que iniciou agora os ensaios clínicos foi feito pelo diretor do Centro Nacional de Pesquisa em Epidemiologia e Microbiologia Gamalei (Moscovo) ao Krásnaya Zvezdá, o jornal oficial do Ministério da Defesa russo, citado pelo ABC. O jornal espanhol não cita nenhum artigo científico, nem os argumentos usados por Aléxander Guíntsburg para fazer esta aproximação.

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Marc Veldhoen explica que só é possível saber qual a duração da imunidade, quando passou um número equivalente de meses desde o início dos testes. Ou seja, para podermos dizer que as pessoas se mantiveram imunes durante um ano, temos de esperar 12 meses desde a vacinação e avaliar a imunidade.

“Podemos fazer estimativas com base em vacinas muito semelhantes que tenham sido usadas antes”, diz o investigador. “Mas para sabermos mesmo, vamos ter de esperar esse tempo.”

A vacina em questão usa um adenovírus como veículo seguro (que não provoca doença) para introduzir os genes da proteína da coroa do SARS-CoV-2, que vão desencadear a resposta do sistema imune. Marc Veldhoen quer acreditar que a equipa russa se está a basear na imunidade que uma vacina semelhante, mas para outro vírus, possa ter desencadeado. Mas reforça que, em relação a esta vacina, “não podem ter a certeza”.

O que se sabe sobre outros coronavírus não é muito animador. No caso dos coronavírus que provocam constipações, os anticorpos mantêm-se apenas alguns meses e, no caso do SARS e MERS, no máximo três anos.

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Neste momento, ainda não se sabe que tipo de resposta imunitária é necessária para que um indivíduo consiga resistir à infeção em caso de exposição ao vírus. Para assegurar uma melhor resposta imunitária, o diretor do centro Gamalei diz que a vacina será dada duas vezes.

Marc Veldhoen confirma que os reforços da vacina podem melhorar a resposta imunitária, tal como já se faz com a vacina da hepatite B, por exemplo. “Mas se conseguirmos fazê-lo com uma injeção, vamos fazê-lo apenas com uma”, diz o investigador. As vacinas, tal como os restantes medicamentos, apesar de serem muito testadas e fundamentalmente seguras, podem ter efeitos secundários associados, que são reduzidos minimizando o número de doses.

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Há, no entanto, uma precaução que todas as equipas que estão a testar vacinas contra o SARS-CoV-2 têm de ter, lembra o imunologista: perceber se a resposta imunitária, em vez de eliminar o vírus, o ajuda a entrar dentro das células, potenciando a infeção. “Vão ter de testar isto. Porque a pior coisa que pode acontecer é iniciar grandes programas de vacinação e, na realidade, estarmos a ajudar o vírus.”

“É por isso, que acho que conseguir uma vacina este ano é pouco provável. Isto tem de ser testado”, diz Marc Veldhoen.

Os ensaios clínicos da vacina russa arrancaram oficialmente no dia 18 de junho, com 18 militares voluntários, embora o próprio Aléxander Guíntsburg tenha dito, anteriormente, numa conferência de imprensa, que a vacina já tinha experimentada não oficialmente em pessoas do próprio centro.

Nesta fase, que se espera concluída até ao final de julho, vão ser incluídos 50 militares voluntários. O objetivo, por agora, é testar a segurança da vacina e ver se provoca a produção de anticorpos no organismos, como anunciou o Ministério da Defesa russo no início do mês. Para testar a eficácia da vacina é preciso envolver mais pessoas e expo-las ao vírus (ou esperar que isso aconteça naturalmente, o que pode levar muito tempo). Só depois dá para perceber se ficaram imunes com a vacina ou não.

A Rússia é, neste momento, o terceiro país com mais infetados em todo o mundo, com quase 585 mil casos. O Governo quer vacinar a população em massa, mas para isso vai precisar de 70 milhões de doses. A produção deverá iniciar-se em setembro.