As polícias europeias mostraram um “padrão perturbador de preconceito racial” nas tentativas de fazer cumprir as regras de confinamento no âmbito da Covid-19, aplicando violência desproporcional a minorias étnicas e marginalizados, denuncia esta quarta-feira a Amnistia Internacional.

A atuação da polícia teve um impacto desproporcional em áreas mais pobres, que costumam ter maior proporção de moradores de grupos étnicos minoritários, acusa a organização num relatório denominado “Policiar a Pandemia” e que foi esta quarta-feira divulgado.

Segundo a Amnistia Internacional, o documento, que abrange 12 países (Bélgica, Bulgária, Chipre, Eslováquia, Espanha, França, Grécia, Hungria, Itália, Sérvia, Reino Unido e Roménia), expõe “um padrão perturbador de preconceito racial, que está ligado a preocupações com o racismo institucional dentro das forças de segurança e outras questões mais amplas levantadas nos recentes protestos do movimento ‘Black Lives Matter'”.

“A violência policial e as preocupações com o racismo institucional não são novas, mas a pandemia de Covid-19 e a aplicação coerciva das regras de confinamento demonstram o quão prevalentes são”, afirmou o investigador da Amnistia Internacional para a Europa Ocidental, Marco Perolini. “As triplas ameaças de discriminação, uso ilegal da força e impunidade policial devem ser enfrentadas com urgência na Europa”, defendeu.

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Como exemplo, a organização humanitária aponta o caso de Seine-Saint-Denis, a zona mais pobre da França continental, onde a maioria dos habitantes é negra ou de origem norte-africana. Nesta zona, “o número de multas por violação do confinamento foi três vezes superior ao resto do país, apesar de as autoridades locais afirmarem que o cumprimento das regras foi semelhante”, refere o relatório, acrescentando que Nice, um bairro francês predominantemente da classe trabalhadora e com minorias étnicas, “foi submetido a ordens de recolher mais longas face ao que acontecia no resto da cidade”.

Também a polícia de Londres registou um aumento de 22% nas operações de controlo, entre março e abril, sendo que, durante esse período, a proporção de negros revistados aumentou quase um terço.

De acordo com o relatório, o Laboratório de Provas da Amnistia Internacional observou 34 vídeos de toda a Europa que mostram a polícia a usar força desnecessária e ilegal.

Num dos vídeos recolhidos pela organização humanitária, depois de ter sido publicado online em 29 de março, vê-se, segundo a Amnistia Internacional, dois polícias a mandarem parar um jovem descendente do norte da África, nas ruas de Bilbao, em Espanha. Apesar de o jovem não apresentar nenhuma ameaça aparente, um polícia empurrou-o violentamente e bateu-lhe com um bastão, enquanto dois outros o mantinham encostado à parede com as mãos atrás das costas. Nesse momento, a mãe do jovem apareceu e disse aos polícias que o seu filho sofria de problemas de saúde mental, mas os agentes bateram na mulher e derrubaram-na, mantendo-a no chão. Alguns dos vizinhos que estavam a filmar a cena foram multados por “recolha não autorizada de imagens de agentes da autoridade”.

Mais para leste, a discriminação começou logo com decisões governamentais, quando foram impostas quarentenas obrigatórias a todos os acampamentos de ciganos da Bulgária e da Eslováquia, sublinhou a organização humanitária. No caso da Eslováquia, o exército foi mobilizado para cumprir essa ordem, o que a Amnistia Internacional considera uma medida desproporcional. Na Bulgária, as quarentenas obrigatórias levaram a que mais de 50 mil ciganos ficassem isolados do resto do país, tendo a situação chegado “à escassez de alimentos”. Neste país, as autoridades da cidade de Burgas usaram mesmo drones com sensores térmicos para medir remotamente a temperatura dos residentes e monitorizar os seus movimentos.

No caso dos refugiados, requerentes de asilo e migrantes que vivem em campos e alojamentos partilhados, as pessoas também foram alvo, segundo a Amnistia Internacional, de quarentenas seletivas, como foi o caso em países como a Alemanha, o Chipre e a Sérvia, além de terem sido registados “desalojamentos forçados” em França e na Grécia.

Na Sérvia, as autoridades impuseram um regime especial que visava seletivamente centros de refugiados, migrantes e requerentes de asilo, colocando-os “sob uma quarentena obrigatória de 24 horas e mobilizando os militares para vigiar o toque de recolher”, denuncia a organização.

“O Estado tem de parar de impor quarentenas discriminatórias e expulsar à força ciganos, refugiados e migrantes de acampamentos. Em vez disso, devem salvaguardar o direito dessas pessoas a terem alojamento e cuidados de saúde”, defendeu a investigadora da Amnistia Internacional para a União Europeia, Barbora Cernusáková.

Outra discriminação apontada pela Amnistia Internacional foi feita aos sem-abrigo.

Em Itália, a organização não-governamental Avvocato di Strada apurou pelo menos 17 casos em que pessoas sem-abrigo receberam multas por não conseguirem cumprir as medidas de isolamento e restrição de movimentos, situação que também terá acontecido em França, Espanha e no Reino Unido.