A Comissão Europeia esclareceu esta quinta-feira que aprovou a 10 de junho uma proposta do Governo português de ajuda estatal à TAP – apresentada um dia antes, 9 de junho – que passava por um empréstimo de emergência de 1.200 milhões de euros. Esse empréstimo seria concedido “ao abrigo das Orientações da Comissão relativo aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação” – como foi pedido por Portugal – e não ao abrigo do Quadro Temporário por causa da Covid-19, indica uma nota enviada às redações por uma porta-voz do executivo comunitário.

A posição da Comissão Europeia surge horas depois de o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, ter adiantado – em entrevista ao podcast do Partido Socialista – que o plano de auxílio à TAP foi uma imposição da Comissão Europeia (CE) e que o Governo português defendeu o “recurso ao Quadro Temporário” da pandemia de covid-19.

“[Este plano] foi o único que foi aceite [pela Comissão Europeia]. Não fomos nós que o propusemos, foi a CE que o impôs, sublinhou o ministro das Infraestruturas e da Habitação, em entrevista ao ‘podcast’ “Política com Palavra”, do Partido Socialista.

Na nota de esclarecimento enviada após a entrevista, o executivo europeu considera que “cabe aos Estados-Membros notificar à Comissão medidas que envolvam auxílios estatais”, mas também “determinar a base jurídica ao abrigo da qual uma medida pode ser e é notificada”.

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E neste caso, diz a Comissão, Portugal notificou Bruxelas a 9 de junho “da sua intenção de conceder um empréstimo de emergência (…) ao abrigo das Orientações da Comissão relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação”, e não do Quadro Temporário.

O modelo da ajuda proposto por Portugal resultou de semanas da contactos informais com Bruxelas

Formalmente foi assim que aconteceu, mas os responsáveis portugueses que lideraram o processo negocial já revelaram que esta notificação foi precedida de semanas, cerca de um mês, de contactos informais com os serviços da poderosa DG Comp, e no qual foram remetidos documentos e informação de suporte. Foi nesse processo preparatório que os representantes do Estado português — as negociações são realizadas entre os estados e a Comissão e não as empresas destinatárias da ajuda — foram informados pelos serviços técnicos que a TAP não encaixava nos critérios de eleição para o programa de ajuda temporária. E que em tese, pode ser menos penalizador para a empresa.

E foi da análise do histórico financeiro recente do grupo TAP, e não apenas da empresa de transporte que terá direito ao empréstimo — a TAP SA — que Bruxelas concluiu que a transportadora já estava em dificuldades e que a ajuda em causa não seria apenas para compensar dos efeitos do Covid. Entre os indicadores analisados estão os resultados líquidos, que no caso da TAP SGPS só foram positivos duas vezes em 18 anos, os prejuízos apurados pela TAP nos últimos dois anos, mas também os rácios contabilísticos de capital próprio negativo que colocam a holding em situação de falência técnica, um quadro que não foi invertido com a privatização, apesar da melhoria dos indicadores operacionais e dos rácios de alavancagem.

Aliás, recorda esta quinta-feira o executivo comunitário, a TAP “enfrentava dificuldades já antes do surto do coronavírus (ou seja, em 31 de dezembro de 2019)” pelo que “não era elegível para receber apoio ao abrigo do Quadro Temporário relativo aos auxílios estatais da Comissão”.

O presidente do conselho de administração, Miguel Frasquilho, assegurou no Parlamento que o Governo defendeu os interesses da TAP em Bruxelas. Mas a Comissão Europeia classificou logo a TAP como uma empresa em dificuldade, o que impedia o acesso ao quadro temporário de apoio ao setor da aviação. A dimensão da ajuda pedida também conduziu o processo da TAP para um auxílio de emergência que envolve uma reestruturação. “Não se oferecia alternativa”, afirmou.

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Quando a notificação seguiu, foi já dentro dos contornos previamente discutidos com os serviços, ao abrigo das ajudas de Estado de emergência que implica uma reestruturação. O que explica aliás que Bruxelas tenha dado luz verde ao pedido no dia seguinte.

Por isso mesmo é que a Comissão salienta que avaliou a medida em linha com o que pedia a notificação apresentada por Portugal. Ao considerar que a medida que Portugal propunha estava de acordo com as condições relativas aos “auxílios estatais de emergência e à reestruturação” – mas não com as condições ao abrigo do Quadro Temporário por causa da Covid-19 – “a Comissão aprovou as medidas portuguesas em 10 de junho de 2020, em tempo recorde”, tendo em conta a situação urgente.

O que fica por esclarecer é que se o Governo poderia ter se esforçado mais para evitar esta classificação penalizadora para empresa, como deixou no ar o presidente da comissão executiva, Antonoaldo Neves, esta terça-feira no Parlamento. É que pouco antes das conversações com Bruxelas, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos alertou publicamente para as dificuldades económicas que a empresa já atravessava antes do impacto Covid, atribuindo-as à gestão privada, e apontou para o incumprimento das metas do plano estratégico.

Estas declarações feitas dentro de portas, terão porventura tirado força ao argumento lá fora de que a TAP só precisava de ajuda para cobrir as perdas do Covid, ainda que Miguel Frasquilho tenha assegurado também que no quadro antes da pandemia não estava prevista a realização de um aumento de capital.