Clermont-Ferrand, a segunda cidade com mais portugueses em França, é um reduto socialista desde 1995, mas este ano o centro e a direita uniram-se para uma segunda volta que promete ser concorrida com lusodescendentes dos dois lados das barricadas.

“Conseguimos unir-nos pelo bem de todos. Clermont-Ferrand precisa mesmo de mudar. Há demasiada construção, poucas árvores e espaços verdes. E temos um problema de atratividade e turismo”, defendeu Céline Pires, lusodescendente e candidata na lista que reúne o candidato do partido La Republique En Marche (centro) e Les Republicains (direita) em declarações à agência Lusa.

O socialista Olivier Bianchi, atual autarca, conseguiu 38% dos votos na primeira volta, um resultado que não lhe permitiu a reeleição, e tem de defrontar no domingo uma aliança entre Jean-Pierre Brenas (candidatado de direita) e Eric Faidy (candidato do centro). Há também uma terceira lista da extrema-esquerda.

Mas esta união inesperada não assusta os socialistas para a segunda volta.

“O nosso trabalho tem credibilidade e acredito que as pessoas hoje em dia votem pela pessoa que o nosso presidente da Câmara é. Desde há 10 anos, a cidade transformou-se e é por isso que as pessoas votam no nosso trabalho que está feito”, afirmou Manuela Ferreira de Sousa, lusodescendente e candidata na lista de Bianchi.

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Manuela Ferreira de Sousa é a 4.ª vice-presidente da autarquia para o bairro de Montferrand e, caso ganhe, este será o seu terceiro mandato na autarquia. Se, no início, o facto de ser integrada nas listas teve a ver com as suas origens e o seu envolvimento na comunidade, esta portuguesa considera que o convite para voltar a fazer parte do executivo vai para além disso.

“Já fiz dois mandatos e se o presidente da Câmara me pediu para continuar é claro que quer ter alguém da comunidade e que defenda os direitos dos portugueses. Mas já vou para o terceiro mandato, portanto para além de ser portuguesa, é o trabalho do dia a dia”, defendeu.

Este é também o argumento de Céline Pires, que há 19 anos começou a integrar listas do centro na cidade, primeiro no MoDem e agora no Republique en Marche, partido que elegeu o Presidente Emmanuel Macron.

“Uma coisa não vai sem a outra. Os meus amigos dizem sempre que eu faço política, mas tenho a particularidade de ser portuguesa. Eu não sou só uma coisa e acho que é bom ter estes dois lados”, indicou.

Se estas duas portuguesas participam ativamente na vida política da cidade, este não é o caso de toda a comunidade portuguesa. Estima-se que a aglomeração de Clermont-Ferrand, com 400 mil habitantes, tenha entre 10 e 12% de cidadãos portugueses, sendo uma estimativa por baixo, mas ainda votam pouco nas eleições municipais.

“É verdade que há muitos portugueses que pensam que não têm o direito de votar nas eleições municipais e muitos escolhem não ir votar. Claro que este ano foi especial, por causa da covid-19 e muitas pessoas até foram antecipadamente para Portugal para não passarem aqui o confinamento”, indicou Manuela Ferreira de Sousa.

No entanto, há esforços na comunidade para que haja uma mudança de comportamento.

“Mesmo com publicidade na rádio e nas associações, há sempre pessoas que parece que não sabem. E é verdade que muitos não se foram inscrever”, lamentou Céline Pires.

Se, por um lado, muitos não sabem que a cidadania europeia lhes dá acesso ao voto nas eleições municipais, uma grande parte da comunidade também parece desconhecer a hipótese de inscrever os filhos nas aulas de português disponíveis nas escolas o que faz emagrecer anualmente o número de estudantes de português.

Para travar este movimento, estas duas listas apresentam soluções.

“[O desaparecimento do ensino da língua portuguesa] É o perigo que temos hoje. Estamos a pensar criar uma parceria com os alunos do departamento de português da universidade no quadro da sexta-feira de descoberta nas escolas para divulgar a língua portuguesa”, propôs Manuela Ferreira de Sousa.

Já a lista de centro-direito quer abrir os alunos às possibilidades de aprendizagem de diferentes línguas.

“Será interessante ter uma Casa das Línguas e Civilizações que será um espaço de aprendizagem, troca de informações sobre a mobilidade linguística e também estágios de verão. As línguas são uma vantagem profissional, mas também sinónimo de abertura ao mundo”, indicou Céline Pires.

As duas lusodescendentes consideram há falta de cultura portuguesa na cidade, como exposições ou literatura, apesar de o novo teatro municipal ter sido projetado por Eduardo de Souto Moura, considerando que para isso também tem de haver mais esforço das autoridades portuguesas em trazerem diferentes expressões dessa cultura até Clermont-Ferrand.

“A participação do Governo fora do país é importante e sentimo-nos, às vezes, um pouco abandonados. Claro que há os deputados e a secretária de Estado, mas temos falta de livros para as crianças, uma biblioteca, exposições, teatro”, enumerou Manuela Ferreira de Sousa.

Ao mesmo tempo, Portugal é um país que interessa cada vez mais aos jovens da comunidade.

“Falta-nos cultura e língua portuguesa. E até trocas entre os dois países. Aqui somos geminados com Braga e não vejo nada. Isto é importante para não perdermos as nossas raízes porque os mais jovens acabam por falar mal português, mas gostam do país”, concluiu Céline Pires.