O problema da falta de oferta de casas para arrendar, em especial na cidade de Lisboa, não pode ser atribuído à pandemia de Covid-19. No entanto, é certo que o surto agravou a situação, obrigando o Governo a avançar com um pacote de medidas excecionais e temporárias, como seja a suspensão dos despejos ou da denúncia dos contratos de arrendamento até 30 de setembro de 2020 — de forma a evitar que a uma crise económica se sobrepusesse uma “crise na habitação”, como indica o deputado socialista, Hugo Costa, durante o debate online sobre o “Arrendamento em tempos de pandemia”, promovido pela Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL).

Sem que se consiga prever o fim da pandemia, as medidas implementadas de carácter temporário só vão “adiar o problema” para o mês de outubro, explica Romão Lavadinho, presidente da AIL, dando como exemplo o apoio às rendas disponibilizado pelo Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), em resposta ao impacto da Covid-19. Na prática, esse apoio funciona como um empréstimo sem juros e com prazo de carência de, pelo menos, meio ano, destinado às famílias com quebras comprovadas de rendimentos — mas que só chegou, até agora, a 500 famílias, tendo o IHRU recebido dois mil pedidos.

Números que “não traduzem” a realidade do mercado de arrendamento, que conta com mais de 800 mil contratos em todo o país. A essa informação, aponta Romão Lavadinho, acrescentam-se os 850 mil portugueses em layoff e os cerca de 100 mil que perderam o emprego.

“Muitas famílias vão entrar em incumprimento devido ao corte nos seus rendimentos. Nessa altura, além de não conseguirem pagar o valor da renda, ainda vão ter de liquidar as prestações do empréstimo ao IHRU. E como os proprietários já vão poder denunciar os contratos em outubro, os inquilinos em incumprimento correm o risco de ser despejados. Ou de verem os seus contratos não renovados. É preocupante”, admite o presidente da AIL, defendendo, por isso, que se mantenha a suspensão da denúncia dos contratos de arrendamento até ao final do ano.

Já Bruno Dias, deputado do PCP, sugere uma redução do valor das rendas habitacionais e não habitacionais proporcional ao corte nos rendimentos, cabendo ao Estado, depois, a responsabilidade de “assegurar o remanescente”, ou seja, subsidiando diretamente o inquilino. Exceção feita, frisa, para as “rendas especuladoras”. Na proposta, que espelha o que a AIL também pretende, pode ler-se que “em caso de desemprego ou redução comprovada de rendimentos face ao período homólogo do ano anterior, seja aplicado ao inquilino uma redução em igual percentagem nas respetivas rendas”.

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A medida é uma das 53 alterações ao Orçamento Suplementar (aprovado na generalidade e que está na fase do debate na especialidade) apresentadas pelo PCP. “Não se pode responder ao problema da habitação com a solução de acumulação de dívida para o inquilino pagar mais tarde”, salienta Bruno Dias no debate, referindo-se à opção do Governo de ter optado por conceder empréstimos, através do IHRU, em vez atribuir subsídios.

Críticas, no entanto, que podem não ser suficientes para alterar a estratégia até aqui seguida pelo Governo, como assume o deputado Hugo Costa, salientando o “reforço de verbas” que poderão ser transferidas a título extraordinário para o IHRU, que constam do Orçamento de Estado Suplementar, no valor de 55 milhões de euros – e que se juntam aos 85 milhões de euros já previsto no OE 2020. Valores que poderão contribuir para “converter” alguns dos empréstimos em “subsídios não reembolsáveis”.

Apesar de se tratar do principal instrumento do Governo para as políticas de habitação, a deputada do Bloco de Esquerda, Maria Manuel Rola, fez questão de apontar a “incapacidade” do IHRU responder ao aumento de solicitações, decorrentes da pandemia, por falta de “recursos humanos e técnicos”. O que explica, em parte, só estarem processados apoios a 500 famílias – estando os mais de 1500 pedidos ainda a ser analisados. Um processo que a deputada acusa de “burocrático“. Maria Manuel Rola acrescenta, ainda, que também há uma crónica falta de fiscalização por parte do Estado. Isto porque, “apesar dos despejos estarem proibidos”, o partido tem conhecimento de “várias tentativas” de contornar a lei.

Para Filipa Roseta, deputada do PSD, o mais difícil de ultrapassar, neste momento, é a questão da “confiança”, determinante para o equilíbrio do mercado de arrendamento, e que não depende só da legislação. Nesse sentido, defende um regime que “evite a penalização” dos proprietários de alojamento local que pretendam mudar os seus imóveis para o arrendamento de longa duração — medida que consta no pacote de quinze propostas de alteração na especialidade ao Orçamento Suplementar para 2020, apresentadas, quarta-feira, pelo grupo parlamentar do PSD.
O que permitiria, indica a deputada, ir ajustando a oferta à procura, visto a maioria dos empresários do alojamento local (AL), em especial os que têm imóveis em zonas de contenção, colocar reticências à migração para o arrendamento tradicional por serem obrigados a abdicar do registo de AL — e em zonas de contenção, isso é “irrecuperável”.

Mas é o “falhanço” do Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, lançado em 2016 —  com a “promessa” de reabilitar o património público devoluto ou disponível para posterior arrendamento e, em especial, para o “arrendamento habitacional a custos acessíveis” — que leva a deputada a acusar o Governo de “nada ter feito” nos últimos quatro anos e de “empurrar para os proprietários”, agora, a responsabilidade de resolver os problemas que teriam de ser assegurados pela “políticas públicas de habitação”.