A manifestação convocada por diversos movimentos sociais e políticos contra o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, reuniu este domingo em Lisboa várias dezenas de pessoas, numa ação de protesto que se repetiu em pelo menos 50 cidades de 23 países.

Na Praça do Rossio, um grande pano preto com a mensagem “Fora Bolsonaro” dava o mote para os discursos unanimemente críticos do chefe de Estado brasileiro, por entre alguma música que convidava a uns passos de dança de manifestantes menos tímidos e cânticos de protesto: “Doutor, eu não me engano/O Bolsonaro é miliciano”.

Além de cartazes a recordar a ativista Marielle Franco, morta a tiro em 2018, ou as cerca de 58 mil vítimas da pandemia de covid-19 no Brasil, notava-se também a preocupação com a doença, presente nas máscaras em praticamente todos os rostos ou nas marcas na calçada que assinalavam o necessário distanciamento social. À distância, do outro lado da estrada, alguns polícias controlavam a pequena e pacífica manifestação.

Um dos rostos do denominado “Ato Mundial Stop Bolsonaro” em Lisboa foi Raphael Reis, membro da delegação lisboeta do Partido dos Trabalhadores (PT). Com 35 anos e a viver em Portugal há cerca de ano e meio, o economista alertou para a “naturalização do absurdo” em curso no Brasil e salientou o impacto que este protesto internacional pode ter em solo brasileiro.

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“Acreditamos que o impacto da solidariedade internacional possa ser muito grande, porque sabemos que as forças democráticas e a imprensa responsável fora do Brasil conseguem contribuir e interferir positivamente no Brasil. Hoje, o país passa por um momento muito difícil, com 58 mil mortos e um grande número de infetados [por covid-19]. Acreditamos que este grande ato possa trazer uma maior clareza para as pessoas que vivem no Brasil”, afirmou.

Considerando “natural” uma mobilização algo aquém das expectativas, por causa da pandemia, o ativista contou ainda assim com o apoio de vários grupos e partidos portugueses, nomeadamente o PCP e os Verdes, e realçou a ligação que une os dois países.

“Portugal, pelos laços que tem com o Brasil, mostra-se solidário. Temos aqui vários coletivos portugueses e partidos que estão preocupados. Achamos que é [uma presença] importante não só por causa da língua, mas também porque esta voz que ecoa aqui, ecoa também na Europa”, notou.

Munida com um cartaz com a inscrição “Fora Bozo”, Márcia Coimbra foi das primeiras a acorrer à ação de protesto no Rossio. Com 63 anos, esta antiga professora brasileira a viver em Portugal há cerca de 16 anos admitiu à Lusa não ter hesitado na decisão de vir até à manifestação contra Jair Bolsonaro.

“Saí hoje da minha quarentena para vir aqui juntar o meu protesto ao protesto de todos os brasileiros que estão no Brasil sofrendo, sem trabalho, pelos povos indígenas, pela floresta amazónica, pelas instituições democráticas. Não podemos continuar mais com esse governo”, vincou, confessando estar ainda a torcer pela criação de um processo de destituição contra o líder brasileiro.

Menos ativo, mas igualmente presente desde a primeira hora, Valter Vilar, de 50 anos, considerou que o Brasil tem atualmente “um genocida no poder”, indiferente aos “quase 60 mil brasileiros que morreram” devido ao novo coronavírus.

Salientando que a principal mais-valia da manifestação passa pela “consciencialização das pessoas”, Valter Vilar defendeu já haver “matéria” para avançar com a destituição de Bolsonaro, mas manifestou dúvidas sobre a viabilidade de um processo dessa natureza.

“O problema é que não existe tanto apoio na câmara e no senado. Se tentarem um ‘impeachment’ agora, talvez não passe e aí vai ser pior para quem está lá. O que se fala é na cassação da ‘chapa’ dele e talvez seja por aí o caminho. É, sem dúvida, um governo nocivo. O Brasil tem uma história de ‘impeachments’. Temos uma democracia jovem e tantos ‘impeachments’ que já aconteceram… Não sei se é esse o caminho”, frisou.

Acompanhada por alguns amigos, Lúcia Bessa, brasileira de 28 anos, explicou a importância de mostrar às pessoas o que está em causa com a presidência de Jair Bolsonaro e a atual situação do Brasil, mesmo para quem não conheça a realidade política brasileira.

“É importante envolver-se no movimento, mesmo que não entenda de política. Foi justamente por não se envolver ou achar que não era necessário que [Donald] Trump foi eleito e a esquerda brasileira baixou a guarda e elegeram Bolsonaro. A política é uma coisa possível para todo o mundo fazer a diferença”, declarou, acreditando que, “de certa forma, o Brasil já está a viver numa ditadura”.