“Está à espera do autocarro? Olhe que hoje não passa nenhum”. Uma hora depois de estar à espera numa paragem de autocarro na Boavista, Gisela Gomes, de 70 anos, é informada por outra utente de que provavelmente não vai ter sorte ali. Apesar de saber que esta terça-feira era dia de greve da Sociedade de Transportes Coletivos do Porto (STCP), tinha a esperança de que “passasse pelo menos um autocarro de vez em quando” para regressar a casa. Mas a paralisação dos motoristas da STCP — que começou à meia noite desta terça-feira e termina às 2h de quarta-feira — deixou mesmo o Porto sem autocarros e muita gente à procura de alternativas no transporte.

O cenário de greve, sem serviços mínimos decretados, começou logo de madrugada e ao início da manhã, quando Jorge Costa, presidente do Sindicato Nacional dos Motoristas, avançava a adesão de 100% dos motoristas ao protesto, ou seja, nenhum autocarro saiu para serviço no Porto. “Tive a oportunidade de passar em alguns locais da cidade e verifiquei que existiam alguns utentes à espera de transporte, talvez por desconhecimento, mas que criou e está a criar algumas dificuldades”, referiu ao Observador. Ao final da tarde os números voltaram a repetir-se: adesão total dos motoristas.

Porto sem autocarros. “Adesão à greve foi a 100%”, admite sindicato

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Entre os utentes que iam esperando nas paragens, o descontentamento era geral. “Muito incómodo. Uma pessoa tem o passe comprado e depois fazem estas greves e quem sofre são os utentes. Não digo que não tenham razão, mas eles deviam arranjar outras formas de luta para não prejudicarem as pessoas que precisam dos transportes”, desabafa Gisela Gomes, que agora vai ter de fazer a pé o percurso que costuma percorrer de autocarro — da Boavista até ao Fluvial, perto da Foz. “Que remédio. Vou a pé, vou por aí fora para ver se chego a casa depressa”, atira, indignada com a situação.

Nas paragens de autocarro da circunvalação, junto ao Hospital de São João, também há quem tenha esperado longos minutos até perceber que não ia conseguir apanhar um autocarro da STCP. O quadro que mostra os horários dos transportes em tempo real está vazio e os únicos autocarros que passam são de operadoras privadas, outra das soluções encontradas pelos utentes, mas que resultou em autocarros quase lotados, à semelhança das composições do metro, que também tiveram maior procura esta terça-feira. “Estou à espera que venha a Resende, que é a única solução que tenho”, comenta Amélia Novo, que pretende regressar a casa, em Matosinhos, e foi apanhada de surpresa. “Não sabia da greve. Ontem fui tirar o passe e mal sabia eu que hoje não ia embora de autocarro”, acrescenta.

Ao lado, Gianni Pinto também espera por um autocarro da Resende para se deslocar até Ramalde, depois de ter conseguido boleia de uma colega de trabalho até à Circunvalação. E também traz queixas. “A minha outra opção é o metro, mas acho um absurdo por não nos terem avisado de nada com antecedência. Vimos do trabalho cansados. O meu marido levou-me de carro até ao trabalho e agora para voltar a casa é que está difícil”, explica ao Observador.

As quatro organizações sindicais que convocaram a greve — Sindicato Nacional dos Motoristas, Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes da Área Metropolitana do Porto, Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes e Associação Sindical de Trabalhadores dos Transportes Coletivos do Porto —  reivindicam melhores condições de trabalho para os motoristas. “Há aqui duas questões em causa. Uma que tem a ver com as correções salariais que deviam ter sido feitas já em janeiro de 2020 e a outra situação tem a ver com os horários de trabalho e com a regulamentação que se pretende que seja feita, uma vez que os horários em vigor são demasiado penosos”, explica Jorge Costa, lançando ainda a questão: “Como é que podemos não estar descontentes e desagradados?”. 

Os trabalhadores da STCP estão cansados de promessas e indignados com a falta de reconhecimento por parte das várias tutelas da empresa que nunca mostraram recetividade e vontade de promover uma negociação séria, indo ao encontro da mais elementar justiça social, revendo as remunerações, as carreiras profissionais e os horários, melhorando assim as condições em que trabalham os cerca de 1200 funcionários”, escreveram, em comunicado, os quatro sindicatos que convocaram a greve.

A STCP já tinha alertado para a possibilidade de perturbações no serviço das 73 linhas — e que agora é gerido pelas autarquias de Porto, Gaia, Gondomar Maia, Matosinhos e Valongo –, numa paralisação que foi agendada há algumas semanas, mas que só foi anunciada esta segunda-feira, algo que valeu muitas críticas por parte dos utentes.

Jorge Costa faz um “balanço positivo” da greve — diz ter até superado as expectativas –, apesar de ter consciência dos problemas que um dia sem qualquer autocarro a circular pode trazer. “Esta greve veio trazer alguns constrangimentos, como qualquer outra, mas temos que lutar por aquilo que são os nossos direitos”, assegura. Apesar de a paralisação durar 24 horas, os sindicatos já apresentaram um novo pré-aviso de greve, com início a partir desta quarta-feira: aos sábados, domingos e feriados, bem como os dias úteis, as duas últimas horas do serviço de cada motorista podem não ser realizadas.