“Penso que aquilo que eles fizeram é o que se tem de fazer. Quando confias num manager, confias no manager. E não interessa como acabas na primeira temporada, não interessa como acabas na segunda temporada – continuas a trabalhar porque acreditas nele, continuas a trabalhar em conjunto. É um grande exemplo para as pessoas que pensam que no futebol todas as coisas são feitas numa semana, num mês ou num ano e é por isso que dobro os meus cumprimentos a eles, parabéns”. José Mourinho explicou em 45 segundos as razões que levaram o Liverpool ao título na Premier League a sete jornadas do final. Mas esses 45 segundos foram muito mais do que isso.

Feito o elogio para fora aos responsáveis do Liverpool e a Jürgen Klopp, que acabou também por ser uma antítese das experiências com maior sucesso que o português teve na carreira e que chegaram à conquista da Champions (no FC Porto esteve seis meses a preparar a época de 2002/03 e em duas épocas “limpou” tudo, no Inter além dos títulos nacionais ganhou a principal prova europeia duas temporadas depois), Mourinho deixou nas entrelinhas a mensagem em termos internos de onde está, o que quer e o que deve fazer o Tottenham, até tendo como contexto as maiores ou menores possibilidades de investimento mediante a classificação no final do Campeonato. Mais do que reforços ou melhorias na equipa, existe um pedido percetível do que os técnicos menos têm: tempo.

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“É fácil perceber e aceitar que o presidente diga isso [que os fundos disponíveis serão diferentes havendo ou não Liga dos Campeões]. Mas há duas coisas boas. A primeira é que o senhor Levy quer o mesmo do que eu e do que os adeptos, que é ganhar jogos e tentar vencer troféus. A segunda é que não precisamos de muitos jogadores ou de muito investimento. Não é esse o nosso perfil enquanto clube, com ou sem Covid-19, com ou sem Champions. Não interessa o que vai acontecer na tabela, acho que vamos conseguir melhorar a nossa equipa”, destacou o técnico português no lançamento do encontro com o Sheffield United, marcado também por um alegado desagrado de Mourinho ao ver Meunier apresentado pelo B. Dortmund a custo zero quando teria falado em abril com o jogador e ficado com a sensação que a contratação estava bem encaminhada, o que não se confirmou.

Assim, e num contexto onde não deixou de fazer uma crítica pela forma como se fazem “casos ou dramas” sempre que um jogador de topo fica no banco “ao contrário do que acontece noutros sítios”, o Special One agarrou-se ao que pode contar realmente: os jogadores. Sobretudo a dois mais da zona do meio-campo, que mereceram rasgados elogios. “Não sei o que se passou no Verão com Bruno Fernandes e o Tottenham mas se conseguimos o Lo Celso em vez do Bruno Fernandes, diria que não troco o Lo Celso seja pelo Bruno Fernandes ou por qualquer outro jogador”, referiu a propósito do argentino emprestado pelo Betis. “Nada acontece quando os jogadores não têm talento mas muito pode mudar quando se tem esse talento. Não sei o que aconteceu antes com o Ndombelé, quando cheguei encontrei problemas com pequenas lesões e condição física. Agora estão todos adaptados ao meu trabalho. Quero que seja assim, que estejam adaptados ao treinador e ao clube”, acrescentou sobre o médio francês contratado no último verão ao Lyon e que se tornou o jogador mais caro de sempre da história dos londrinos.

Veio o jogo. Lo Celso voltou a fazer uma exibição longe do que já mostrou, muitas vezes perdido até algures no meio-campo. Ndombelé foi lançado do banco apenas com a equipa em desvantagem. Mas o pior ainda foi (mais uma vez) o comportamento da defesa, que com grande passividade permitiu que o Sheffield United marcasse nos três únicos lances em que conseguiu criar oportunidades na área. Se a Champions é cada vez mais uma miragem, nesta altura, com o Tottenham em nono lugar (foi ultrapassado pelo adversário desta quinta-feira), até a presença na Liga Europa está em risco. E a forma como Aurier falhou no segundo golo dos visitados mostra que, com mais ou menos dinheiro, os londrinos precisam reforçar a sua defesa. E Meunier era uma das melhores opções.

Apesar de ter mantido a mesma estrutura tática dos últimos encontros, um 4x2x3x1 com Sissoko e Lo Celso no meio-campo, Mourinho chegou a Sheffield com algumas nuances a nível de movimentações e posicionamentos para tentar surpreender aquela que está a ser uma das grandes revelações da Premier League. Uma delas, a mais visível, não resultou: Bergwijn, reforço de inverno que foi um dos destaques da equipa após o último mercado de transferências, teve pouco ou nenhum peso pelo corredor central, ao passo que o próprio Lucas Moura teve de ir muitas vezes para o corredor central para desequilibrar como não conseguia à direita. Oportunidades de golo nem uma, para qualquer das equipas, apesar de algumas aproximações interessantes que não passaram disso mesmo. De livre também nada mudou e a tentativa de Harry Kane passou muito, muito por cima.

A meia hora inicial passou sem um único remate perigoso mas na primeira vez que o Sheffield United foi mais a sério à frente marcou numa jogada coletiva muito interessante a passar pelos três corredores: Stevens, na esquerda, viu Berge no meio, o norueguês abriu na direita para a combinação lateral/ala pelas costas antes do cruzamento atrasado e foi depois receber na área para rematar rasteiro sem hipóteses para Lloris (31′). Estava inaugurado o marcador que se iria manter até ao intervalo mas com o árbitro e o VAR a assumirem o protagonismo perante os protestos de Mourinho, incrédulo no banco com o que se estava a passar: Harry Kane marcou num lance que foi anulado porque Lucas Moura, rasteirado quando avançava para a área, terá levado com a bola no braço de costas e no chão no início do lance (e nem é claro que tenha mesmo batido no braço), e Norwood fugiu ao segundo amarelo num lance em que atingiu com o braço Son na cara em mais uma jogada que passou ao lado.

Sem grandes alterações na forma como o jogo decorria, Mourinho lançou Lamela em campo, o argentino ainda teve o condão de agitar um pouco mais as ações ofensivas do Tottenham mas mais um lance onde a defesa dos londrinos falhou por completo acabou por estender a passadeira para o Sheffield United aumentar a vantagem: com Aurier a passo e Davidson Sánchez sem referências de posicionamento, Stevens aproveitou os espaços para avançar, cruzar atrasado e Lys Mousset, na pequena área, sem marcação, só teve de encostar para o 2-0 (69′). Harry Kane, num lance em que foi assistido por Ndombelé mas estava claramente em posição irregular, ainda viu um golo anulado antes de Oli McBurnie fazer o 3-0 em mais uma jogada em que a defesa dos londrinos ficou a ver Berge jogar (84′). Em cima do minuto 90, após assistência de Son e jogada de Lamela, Kane fez o 3-1 final.