“O Paraíso, Provavelmente”

Dez anos depois de “O Tempo que Resta”, Elia Suleiman volta a filmar uma longa-metragem onde continua a meditar de forma melancolicamente cómica, mudamente imperturbável e postado algures entre um Buster Keaton politizado e um Jacques Tati menos ativo, sobre a sua condição de palestiniano em Israel e os absurdos, ridículos, violências e constrangimentos desta situação, e a ausência de uma pátria a que possa chamar sua. Só que em “O Paraíso, Provavelmente” (o título é obviamente irónico), Suleiman vai até ao estrangeiro, mais precisamente a França e aos EUA, em busca de financiamento para um filme (aquele que estamos a ver), passeando por Paris e Nova Iorque o seu olhar discretamente divertido e satírico e a sua câmara de vocação geométrica, com incursões pelo “nonsense” e pela fantasia, e privilegiando como sempre o “gag” visual (embora aqui nem todos resultem e alguns pareçam só decifráveis por árabes). No final, regressa a Nazaré, a casa possível, que apesar de todos os defeitos ainda é melhor do que um mundo globalizado e cada vez mais estranho, absurdo e perigoso.

“A Verdade”

No seu primeiro filme fora do Japão, Hirokazu Kore-eda foi a França rodar mais uma história de família com um elenco que inclui Catherine Deneuve, Juliette Binoche ou Ethan Hawke. Deneuve e Binoche são mãe e filha, aquela uma famosa atriz que acaba de publicar as memórias, onde mente muito sobre o passado, tem um feitio desagradável e um par de esqueletos no armário, esta uma argumentista que vive nos EUA com o marido, um ator (Hawke) e a filha pequena, que voltaram a Paris para assistir ao lançamento do livro. A personagem de Deneuve está também a fazer um filme de FC onde interpreta uma mulher que envelheceu, enquanto que a filha ficou eternamente jovem. Kore-eda parece aqui pouco à vontade, seja por razões culturais, seja por ter que filmar num país que não conhece, dirigir atores estrangeiros que falam francês e inglês e metido num sistema de produção que não o habitual, pelo que falta a “A Verdade” o sentido do inesperado, a complexidade, o calor e a densidade emocional, narrativa e dramática dos seus filmes japoneses. Uma relativa deceção.

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“Faz-me Companhia”

Sílvia, uma executiva (Cleia Almeida) aluga uma casa no campo para poder passar um fim-de-semana íntimo com a sua namorada secreta, Clara (Filipa Areosa), que é atriz. Sílvia está grávida de um homem pelo qual não nutre sentimentos fortes e quer consolidar a sua relação com Clara, mas esta revela-lhe que se envolveu com uma colega durante os ensaios de uma nova peça. O seu comportamento começa também a ser muito estranho. Sangra do nariz a todo o pé de passada e diz ouvir ruídos estranhos vindos da caseta onde se encontra o motor da piscina, e uma voz de mulher quando está debaixo de água. Estará a enlouquecer, ou será obra de uma presença sobrenatural (na piscina? Na respetiva canalização?). “Faz-me Companhia” é a primeira longa-metragem de Gonçalo Almeida, e embora tenha duas atrizes competentes, um cenário adequado e alguma atmosfera, falta-lhe uma história que dê consistência e nexo à ideia de terror que o filme contempla, e que justifique aquele final apressado e em grande ponto de interrogação.