O dia era dedicado à votação final global do orçamento suplementar, mas o tema do reforço da participação do Estado no capital da TAP, de 50% para 72,5%, foi inevitável. E nos Passos Perdidos, António Costa defendeu a solução adotada em vez de uma nacionalização – “é sempre melhor um acordo do que um contencioso” com os parceiros privados, considera. Sobre o futuro, diz que é “prematuro” avaliar já o que vai o Estado fazer com a participação que adquiriu – e se a venda é uma opção a médio ou longo prazo. “O trabalho que agora importa”, acrescenta, é a renovação do conselho de administração e o desenho do programa de reestruturação.

Rui Rio, presidente do PSD, já sabe, porém, que o caminho da venda deve ser seguido “à primeira oportunidade” e “na totalidade” — isto, se for “bem vendida”, porque “não é para perder dinheiro”, avisa. “A não ser que se viesse a verificar que, com esta composição acionista, a TAP começasse a dar lucro e ser altamente pujante”, ressalva Rui Rio, que diz, no entanto, não acreditar nessa possibilidade. Ainda assim, considera “necessária” a intervenção estatal nesta fase.

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Para o social-democrata, o mal vem de trás. A privatização da TAP “nunca deveria ter sido revertida, devia ter ficado como estava”, salientou. “Estarmos a meter dinheiro hoje para amanhã meter mais, e depois mais, e depois mais, e a TAP ficar uma espécie de Novo Banco” não será solução, avisa o líder social-democrata.

Despedimentos à vista? Plano de reestruturação “terá consequências” sobre o emprego da TAP

Quando foi anunciado o reforço da presença acionista do Estado na TAP, Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas, disse que “não assumiria já qualquer tipo de inevitabilidades”. O governante respondia, assim, a um jornalista que o questionou sobre se o plano de reestruturação implicará despedimentos.

Esta sexta-feira, António Costa foi mais concreto e apontou que não podemos ter “ilusões”, até porque o programa de reestruturação da TAP “vai implicar seguramente uma diminuição do número de rotas, de aviões”, o que terá “consequência sobre o emprego da TAP”. “Não vale a pena estarmos aqui com ilusões.” Ou seja, Costa já está a calibrar o discurso para os despedimentos que virão com o plano. Costa até comparou a intervenção na TAP a uma cirurgia. “Em qualquer operação há dor, mas a operação tem o objetivo de recuperar as pessoas”.

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Agora, a prioridade é, defende, o programa de reestruturação, que passará por uma negociação com a Comissão Europeia, com a comissão dos trabalhadores, sindicatos e Humberto Pedrosa (o acionista privado), mas António Costa não adiantou prazos. “Cada decisão é tomada no seu momento. Este é o momento de assegurar as condições de financiamento”.

Em entrevista à Antena 1, Miguel Frasquilho, presidente do Conselho de Administração da TAP, mostrou uma visão diferente sobre a manutenção de postos de trabalho na empresa e defendeu que “os despedimentos não são inevitáveis”. Ainda assim, o processo de reestruturação “não vai ser isento de dor, de sacrifícios”, que já existem “desde abril”, com “larga parte dos colaboradores [80%] em layoff”. Mas depois revelou a conta: desde o início da pandemia, a TAP já dispensou mais de 1.000 trabalhadores a termo. Algo que, na terça-feira, Pedro Nuno Santos descreveu perante os deputados como o processo de reestruturação que já está em curso.

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Costa garante alinhamento com Humberto Pedrosa

Humberto Pedrosa, acionista privado da TAP que vai passar a deter 22,5%, foi diversas vezes evocado por António Costa, que garantiu um alinhamento de posição com o empresário.

“Felizmente houve acordo que leva à saída de um dos sócios [David Neeleman], mas permite a manutenção do sócio nacional, com quem tivemos sempre uma relação muito construtiva e que tem dado uma contribuição muito positiva à empresa. Agora, na relação societária que manteremos com o senhor Humberto Pedrosa e com o seu grupo, a TAP tem condições não só para estabilizar, mas também para recuperar e relançar-se”, adiantou.

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Na quinta-feira, o Governo anunciou que o Estado vai reforçar a participação para 72,5% do capital — pagando, para isso, 55 milhões de euros. Foi a forma que encontrou para “evitar a falência de uma empresa essencial ao país”, disse o ministro das Finanças, João Leão. Os trabalhadores mantêm os 5% que já detinham da empresa e o consórcio privado Atlantic Gateway (que tinha 45% e era detido pelos empresários Humberto Pedrosa e David Neeleman) sai da estrutura acionista. No entanto, Humberto Pedrosa permanece no capital da empresa, com 22,5%, ao comprar a posição do sócio, David Neeleman (que aceita sair com 55 milhões de euros).

O Estado vai injetar 1,2 mil milhões na transportadora aérea, depois de a Comissão Europeia ter autorizado o apoio estatal, a 10 de junho.

Bloco vê com “preocupação” a solução adotada e “incógnita” sobre futuro dos postos de trabalho

Para o Bloco de Esquerda, uma nacionalização teria sido a melhor opção para a TAP. Como isso não aconteceu, a coordenadora dos bloquistas, Catarina Martins, vê com “alguma preocupação a solução encontrada”, sobretudo devido à “incógnita” do plano de reestruturação e do futuro dos postos de trabalho. Catarina Martins defendeu mesmo uma auditoria privada à gestão da TAP.

A mesma ideia tinha sido defendida, horas antes, pela deputada do Bloco Isabel Pires. “É importante que o país perceba exatamente o que se passou durante a gestão privada e também para salvaguardar parte do erário público com essa mesma auditoria”, referiu.

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Bruno Dias, do PCP, considerou que o Estado tem de ir além da participação de 72,5% na transportadora aérea. “Este acordo que foi anunciado é uma peça de um processo que nós temos todos de assumir que não pode ficar por aqui”, disse. E pede também que se apurem as responsabilidades da gestão privada — aliás, os comunistas dizem-se disponíveis para discutir a proposta do Bloco de que seja feita uma auditoria.

André Ventura também quis falar, aos jornalistas, sobre o dossier da TAP, por considerar “inacreditável que se possa planear o que quer que seja sem o parlamento saber” e “sem se saber quanto dinheiro vai ser aplicado”. Ventura criticou ainda a estratégia de oposição de Rui Rio por viabilizar o orçamento, mas, simultaneamente, criticar o Governo na gestão da TAP.

No âmbito da discussão na especialidade do orçamento suplementar, PAN, Chega e Iniciativa Liberal apresentaram propostas que implicavam a aprovação prévia no Parlamento de uma injeção de capital da TAP, enquanto que o PCP, Bloco e Verdes pediam a nacionalização da empresa.

Uma outra proposta, do PSD, previa que o Governo “envie, previamente, informação fundamentando qualquer injeção de capital na TAP”, assegurando também que a empresa tenha “uma visão integrada do território nacional, incluindo as regiões autónomas e as comunidades de língua portuguesa”. As propostas foram rejeitadas.