Um líder da esquerda radical russa considerou esta sexta-feira que o país caminha para uma ditadura após a aprovação do referendo constitucional, e considerou que a única saída consiste na intensificação dos protestos antigovernamentais.

“Caminhamos para uma ditadura na qual apenas governará uma pessoa, um czar, e não haverá liberdades. Um pouco mais e já não haverá nenhuma democracia para defender”, assinalou Serguei Udaltsov, dirigente da Vanguarda da Juventude Vermelha (AKM), em declarações à agência noticiosa Efe.

Udaltsov, também dirigente da Frente de Esquerda, uma coligação de partidos de extrema-esquerda, definiu a reforma constitucional que permitirá ao Presidente russo Vladimir Putin manter-se no poder até 2036 como uma “violação ao eleitor russo”.

“Caso prossigamos assim, será o fim das eleições democráticas na Rússia. Em 2011 manifestámo-nos contra a fraude nas parlamentares, mas ainda existia um mínimo controlo. O plebiscito [de 01 de julho] foi uma manipulação das massas ao mais elevado estilo da máquina de propaganda de Goebbels”, sublinhou.

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O dirigente da AKM revelou que no sábado vai dirigir-se com apoiantes à administração presidencial para entregar uma declaração em que afirmam que não reconhecem os resultados da votação e solicitam que nunca mais seja utilizado o voto antecipado, que segundo a oposição é propício à fraude eleitoral.

Arriscaremos a que nos detenham, já que estão proibidos os atos públicos devido à pandemia, mas devemos dizer a verdade. Necessitamos de uma autêntica reforma constitucional. Espero que venha muita gente”, assinalou.

Udaltsov, que já cumpriu mais de quatro anos de prisão por envolvimento em violentos distúrbios em maio de 2012, reconhece que o recuo democrático se iniciou há muitos anos, quando Putin regresso ao Kremlin após quatro anos como primeiro-ministro.

“Nesses cinco anos a situação política degradou-se. Isso ficou demonstrado porque, após o encerramento das assembleias de voto na quarta-feira, apenas os mais corajosos saíram à rua para protestar. E agora aplicam pesadas multas de 30 dias por nada, ou inclusivamente processos judiciais”, disse.

No atual contexto, considerou que a oposição tem de ultrapassar as suas divergências e unir-se, sair à rua para protestar contra a situação, e coordenar-se para enfrentar o partido do Kremlin nas municipais de setembro.

Estamos numa encruzilhada. Ou nos convertemos numa ditadura e então exilamo-nos, ou lutamos, protestamos, e travamos os seus passos. É como a batalha por Moscovo em 1941-42. O inimigo está à porta. Já não temos para onde retirar. Ou a prisão ou o exílio”, frisou.

O ativista insistiu que a oposição não pode permanecer afastada do combate político, apesar de as autoridades aproveitarem a pandemia para proibir os protestos antigovernamentais desde há quatro meses.

“Esta é a última chamada aos homens livres deste país. Negociar com as autoridades é impossível. Devemos criar uma frente contra a arbitrariedade. O Kremlin apenas teme das manifestações de rua. São uns simuladores. Na próxima vez votaremos na casa de banho”, afirmou.

Udaltsov admitiu que o primeiro Presidente da Rússia, Boris Ieltsin, “não era ideal”, mas considera que Putin “é dez vezes pior”.

As autoridades deixaram cair as máscaras e querem usurpar o poder eternamente. E o povo parece que se encontra num estado de letargia devido ao coronavírus. Incluindo em Moscovo. Não posso crer que os russos ainda acreditem num bom czar”, lamentou.

Apesar de a oposição denunciar numerosas irregularidades, a Comissão eleitoral central, o Kremlin e o Ministério do Interior insistem que as infrações foram menores e não influirão no resultado do referendo.

Segundo os dados definitivos apresentados hoje pela Comissão eleitoral, 77,92% dos eleitores votaram a favor das reformas constitucionais, e 21,27% pronunciaram-se contra.

Anunciada em janeiro por Putin, 67 anos, esta primeira revisão da Constituição desde a sua adoção em 1993 é considerada uma forma de preparar o pós-2024, a data em que termina o seu quarto mandato presidencial.

As alterações abrangem em simultâneo o sistema político – com uma série de modificações aos equilíbrios de poderes na Rússia, incluindo o reforço dos poderes do Conselho de Estado –, as garantias socioeconómicas e os valores societários conservadores defendidos por Putin.

Assim, a nova lei fundamental inclui a figura de Deus, o casamento como a união de um homem com uma mulher e a proibição de ceder territórios a outros países.

As emendas também incorporam o conceito de “povo fundador do Estado”, ao assinalar que o seu idioma, o russo, é a língua oficial do país e enfatizam a prioridade da lei russa face às normas internacionais.

O conjunto de alterações anunciadas por Putin não exige a aprovação dos cidadãos através de referendo, por não abranger os capítulos fundamentais da Constituição, mas o Presidente russo decidiu convocar uma votação nacional como forma de legitimação deste projeto político.

Na perspetiva de diversos analistas, esta reforma permitirá a Putin preservar a sua influência e perenizar o sistema que ergueu durante os seus 20 anos no poder, mesmo que opte por não se candidatar a um novo mandato presidencial dentro de quatro anos.

Putin cumpriu dois mandatos presidenciais entre 2000 e 2008, antes de ocupar o posto de primeiro-ministro durante quatro anos. Depois, o seu ex-primeiro-ministro Dmitri Medvedev optou por apenas cumprir um mandato presidencial de quatro anos.

Quando estava em funções no Kremlin, Medvedev prolongou o mandato presidencial de quatro para seis anos através de uma emenda constitucional, permitindo a Putin, quando assumiu o seu terceiro mandato presidencial em 2012, beneficiar desta medida, que se mantém após ter assumido o seu quarto termo, em 2018.

Desta forma, e caso pretenda, as alterações constitucionais submetidas ao referendo desta semana podem permitir a manutenção de Putin no poder até 2036.