O virologista belga, Peter Piot, com 71 anos e mais de 40 anos de experiência no rastreio e combate de doenças como o VIH ou o Ébola, estudava o comportamento do vírus SARS-CoV-2 quando adoeceu. O diagnóstico? Covid-19. Levou três meses a recuperar. Em entrevista ao jornal espanhol, El País, revela que só agora se sente “normal”. A experiência, no entanto, fê-lo perceber que esta infeção “é mais do que apenas uma gripe”, afirma.

O famoso virologista antecipa mesmo uma segunda vaga de Covid-19 “diferente da primeira”, acrescentando a fase de atual ainda é a primeira — e que esta ainda está no “início”.

Para Peter Piot, nem os números atuais — que dão conta de mais de 10 milhões de infetados e 500 mil óbitos — batem certo. “Ficam aquém das expetativas, porque só dizem respeito aos casos confirmados. Provavelmente, já estamos perto dos 20 milhões de infetados. Juntamente com o VIH, que por ano faz 600 mil vítimas, o novo coronavírus é certamente a maior epidemia e, ao mesmo tempo, a maior crise social em tempo de paz”.

Para o cientista, diretor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, no Reino Unido, e consultor da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a estratégia mundial de combate à Covid-19 passa, agora, pela definição de medidas capazes de lidar com a segunda vaga. “Espero que não seja um tsunami, mas algo mais parecido com os surtos que já temos assistido, por exemplo, em locais de diversão noturna na Coreia do Sul. Ou em lares, como aconteceu no Reino Unido. Temos é de estar preparados para isso. Enquanto houver pessoas propensas à infeção, o vírus não vai abrandar porque precisa das nossas células para sobreviver”.

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Um cenário “dramático” mas onde há lugar para as boas notícias — e que, segundo Peter Piot, dizem respeito a uma colaboração científica, sem precedentes, ao contrário do que acontecia. Anteriormente, as informações obtidas pela comunidade científica no estudo de outros vírus ou doenças “não eram partilhadas”. A curto e médio prazo, diz, essa colaboração terá de dar frutos: “Eu diria que uma vacina faria uma enorme diferença, embora duvido que seja 100% eficaz. Apesar das promessas que uma vacina estará disponível em outubro, o mais provável é apontar para 2021“.

No entanto, mesmo que surja uma vacina ou um fármaco eficaz, isso que não significa relaxar as medidas de distanciamento social, segundo explica o virologista. Piot dá como exemplo o Japão, onde a utilização de máscara é a “melhor forma” das pessoas se protegerem, e de protegerem os outros, mesmo quando só se trata de uma constipação.

Ainda sobre a questão das vacinas, Peter Piot, ao El País, antecipa uma série de desafios que a comunidade científica, assim como as farmacêuticas, vão ter pela frente, tendo em conta que serão entre 4 a 5 mil milhões de pessoas a querer ter acesso à primeira vacina. E isso, diz, também significa mil milhões de frascos de vidro para a embalar. “Todas essas coisas básicas precisam ser abordadas. Empresas e governos precisam de apostar e investir na fabricação das vacinas, mesmo sem saber se vai funcionar ou não. É um grande desafio, é um facto, mas sem isso, será extremamente difícil recuperar uma sociedade normal”.