Não tem data certa mas vai chegar o dia em que o vírus SARS-CoV-2 atinge um ponto de equilíbrio com a população e torna-se endémico, como acontece com o da gripe. Essa é a mensagem que o virologista Pedro Simas quis deixar clara no Encontro de Urbanismo 2020, promovido pela Câmara de Lisboa, e transmitido online esta segunda-feira. “Vamos voltar a uma vida normal, a dar beijos e abraços”, frisou o investigador do Instituto de Medicina Molecular, convicto de que a situação epidemiológica em Lisboa não está descontrolada. “Eu, como virologista, não vejo nada descontrolado. Pelo contrário”.

No debate, com o lema “Um manual de utilizador da cidade em tempo de Covid-19”, o investigador salientou que a capital não pode ficar parada, com “pânico de haver infeções”, à espera de uma vacina que pode só chegar dentro de 12 ou 18 meses. “É preciso incutir na sociedade que um elevado número de infeções não significa risco de doença e morte. É essa perceção que é preciso mudar”, indica o virologista, acrescentando que os mais de 300 casos diários, em média, registados na área da Grande Lisboa, não justificam tanto “alvoroço“.

“Continuamos a ser excelentes alunos. Quantos mais casos de Covid-19 houver, desde que não impliquem o internamento hospitalar ou a morte, melhor. É sinal que estamos a construir a nossa imunidade de grupo“, explicou Pedro Simas, para quem estes vírus respiratórios provocam uma “infeção local e superficial”, provocando, na maior parte das vezes, doenças assintomáticas, e uma “imunidade de grupo muito dinâmica”. A questão fundamental, frisou o virologista, é “proteger os grupos de risco”.

Ao longo do debate, sugeriu, ainda, três regras para aprender a viver com o vírus, todas relacionadas com o distanciamento físico, o evitar espaços fechados ou espaços ao ar livre com grande afluência de pessoas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Neste contexto, em que a pandemia molda as cidades e o espaço público ganha relevo, o vereador da Economia e Mobilidade da CML, Miguel Gaspar, antecipa algumas mudanças no tecido económico da cidade. Através da monitorização das transações multibanco na capital, já não há como esconder o impacto do turismo nas contas. “Se em todo o país, atingiu-se 85% das transações antes da pandemia, em Lisboa esse valor não ultrapassa os 60%“. Um número que reflete, também, o facto do teletrabalho ainda ser uma realidade para quem, antes da pandemia, se deslocava todos os dias à cidade.

Por um lado, isso também significa, como explicou Miguel Gaspar no debate, que se “ganhou tempo”. E isso, diz, é algo “transformador”. Na capital, por exemplo, isso tem-se traduzido em formas diferentes de viver Lisboa. “Foi na pandemia que se atingiu o número recorde de bicicletas na Av. da República”, frisa Miguel Gaspar, acrescentando que todas estas alterações vão ter um impacto direto no “comércio, no trabalho e até na forma como organizamos o território”. Recorda que, antes da Covid-19, um dos pontos fracos de Lisboa era a falta de área para escritórios. No período pós-Covid-19, esse problema ainda fará sentido?

A pergunta, por agora, fica sem resposta. Só o tempo o dirá. É como a questão da “confiança”. Não se pode apressar. Para Miguel Gaspar, é a base onde se constrói uma “nova normalidade”, acrescentando que a restauração e o comércio estão prontos para receber os munícipes. “É verdade que estávamos com uma carga demasiado forte de alguns setores económicos, como o turismo, mas faz-nos muita falta, e era o garante de muitos empregos e de boa parte do rendimento da cidade de Lisboa, mas há aqui uma oportunidade para os lisboetas reencontrarem Lisboa com segurança”.

E dá como exemplo o programa “A Rua é Sua”, onde se propõe a ocupação do espaço público, como seja fechar uma rua ao fim de semana, dando a oportunidade das pessoas passearem em segurança, com o devido distanciamento, como já chegou a ser feito na Avenida da Liberdade. No dia 15 de julho, será a vez da Avenida da Igreja, em Alvalade, de substituir o movimento de automóveis pelo passeio público. “É uma medida de apoio ao comércio local. E também é uma forma de aproximar a cidade às pessoas que, este ano, vão passar as férias em Lisboa”.

No campo da mobilidade, é já no passado que o vereador fala do transporte público enquanto “componente chave” na organização da estrutura da cidade – por agora, enquanto se mantém a insegurança entre os utentes relacionada com a sobrelotação e os possíveis focos de infeção. Mas, como assegura Miguel Gaspar, a rede de transportes será sempre um fator “estratégico” na área metropolitana de Lisboa.

Em alta está a Rede Lisboa Ciclável, que tem como meta 200 quilómetros de ciclovias até ao próximo ano, e que vai dar uma nova mobilidade aos estudantes que, em setembro, terão de se deslocar às aulas presenciais, admite o vereador. Associado a este projeto, e de forma a dar um “incentivo e confiança” às pessoas que estão à procura de formas alternativas para se deslocarem, foi anunciado o Fundo de Mobilidade, que terá 1,5 milhões de euros para financiar a compra de bicicletas convencionais e outros 1,5 milhões para bicicletas elétricas e de carga. Esta quinta-feira, a medida deverá ser aprovada em reunião de Câmara.