O encontro aconteceu no dia 24 de janeiro de 2019, de forma discreta, numa sala de acesso restrito no hotel Sheraton, em Estocolmo, e juntou à mesma mesa Angela Gui, filha do editor e escritor sueco de origem chinesa Gui Minhai — que em 2015 desapareceu de Hong Kong para dois anos depois ressurgir na China continental, onde ainda permanece preso, depois de ter sido libertado em outubro de 2017 e novamente detido três meses depois —, e dois empresários chineses.

Organizada por Anna Lindstedt, então embaixadora sueca em Pequim, a reunião deveria servir para concertar “uma nova abordagem” ao mediático caso de Gui Minhai, escreveu Angela num texto publicado na plataforma Medium, a 13 de fevereiro desse mesmo ano, garantindo terem sido essas as palavras exatas utilizadas pela diplomata.

O que acabou por acontecer, denunciou, foi ter sido pressionada, ao longo de dois dias e sempre sob o olhar de Lindstedt, a calar a luta pela libertação do pai — que lhe valeria nesse mesmo mês de fevereiro a indicação ao Nobel da Paz por um deputado sueco. Pelo meio, revelou também Angela Gui, um dos empresários ainda lhe terá oferecido trabalho e um visto para a China.

“O homem que me ofereceu o visto disse-me que tinham ‘ligações no seio do Partido Comunista Chinês’. Disse-me que o embaixador chinês estava ‘ao telefone com Pequim’, e que era possível que o meu pai fosse libertado. No entanto, primeiro teria de haver um julgamento — no qual o meu pai poderia ser condenado a ‘alguns anos’ antes de lhe ser permitido regressar a casa. Para que isto acontecesse, foi-me dito que tinha de ficar calada”, escreveu Angela Gui, que acusa a então embaixadora de participar ativamente na reunião e de a encorajar a aceitar o acordo.

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São estas as alegações que estão na base do crime de “arbitrariedade durante negociações com uma potência estrangeira” por que Anna Lindstedt está agora, um ano e meio depois, a ser julgada — depois de conseguir finalmente sair do hotel, Angela Gui contactou o ministério dos Negócios Estrangeiros sueco, onde soaram imediatamente os alarmes: ninguém estava ao corrente do assunto, a embaixadora tinha claramente excedido as suas competências.

Assim que Angela Gui começou a dar entrevistas e a escrever sobre o sucedido confirmou-se o incidente diplomático em curso.

“Ela excedeu o seu mandato e, por conseguinte, tornou-se criminalmente responsável”, disse o procurador Hans Ihrman quando, meses mais tarde, em dezembro, o ministério público sueco decidiu acusar a então já ex-embaixadora, sob o pretexto de ter colocado as relações diplomáticas entre os dois países em risco.

A sentença de Anna Lindstedt, que pode no limite vir a ser condenada a dois anos de prisão, deverá ser conhecida esta sexta-feira, dia 10 de julho. É a primeira vez desde 1794 que um diplomata sueco é acusado por este tipo de crime. Em junho, em tribunal, a ex-embaixadora classificou o processo de “irreal e kafkiano”.