Quarto classificado na Premier League, quarta eliminatória da Taça de Inglaterra, meias-finais da Taça da Liga. A última temporada do Tottenham em termos internos não foi muito diferente da anterior mas houve um upgrade que permitiu que os adeptos esquecessem a falta de títulos – nos últimos 30 anos, depois da Taça de Inglaterra e da Supertaça em 1991, ganhou apenas uma Taça da Liga em 2008. Os spurs perderam em Madrid a final da Liga dos Campeões diante do Liverpool mas chegaram a uma impensável posição onde deviam andar outro como o Real, o Barcelona, o Atl. Madrid, o Bayern ou a Juventus. Por isso, o plantel não teve assim tantas mexidas: saiu Trippier, saiu Janssen, saiu Llorente, entraram Ndombélé, Ryan Sessegnon, Lo Celso. Pouco, quase nada.

No entanto, os mesmos jogadores não conseguiram a mesma história. Com o mesmo treinador (Pochettino), com a mesma tática, com a mesma ideia de jogo. O Tottenham foi somando desilusões atrás de desilusões, o treinador argentino foi mesmo dispensado e chegou José Mourinho. O início de aventura do português no segundo clube em Londres e no terceiro na Premier League depois de Chelsea e Manchester United até deixou sinais positivos mas a equipa voltou a quebrar, com apenas uma vitória em seis jogos até ao último triunfo em casa com o Everton. Qual será então o problema? Aquele que há 14 anos chegou a Stamford Bridge a pedir desculpa mas a considerar-se o Special One fala numa questão de mensagem para justificar a irregularidade. E explicou porquê.

“Comparando com a época em que era adjunto no Barcelona ou treinador do FC Porto, há cerca de 25 anos, os jogadores passavam mais tempo juntos. Não havia PlayStation, nem redes sociais. Os telemóveis estavam a aparecer. Quando íamos para o hotel, estávamos sempre juntos e era muito mais fácil criar intimidade, confiança e construir uma dinâmica de grupo. Agora, os jogadores estão no hotel, cada um no seu quarto, mas não estão sozinhos. Estão no Zoom ou no FaceTime, nas redes sociais, a jogar videojogos, e não precisam de estar no mesmo espaço. É a sociedade de agora, a interação é diferente”, refletiu o treinador antes do jogo com o Bournemouth, outra “final” numa corrida com vários candidatos aos lugares europeus da próxima temporada.

Isso é algo que temos de estar constantemente a estimular para que os jogadores não se fechem nas suas conchas. É um esforço de equipa, de grupo, um desporto de equipa – ninguém joga sozinho. Uma equipa deve ser mais que uma soma de indivíduos. É preciso interação, comunicação, partilha de ideias. É preciso discutir o que aconteceu no jogo, é preciso que os jogadores se motivem uns aos outros. Odeio o silêncio no balneário, os monólogos, não gosto de estar 20 minutos a falar para os jogadores sem qualquer interação. Faço simulações sobre a minha forma de ser e de liderar. A equipa mostrou-me que precisa de melhorar nesse aspeto”, acrescentou, tendo ainda presente a altercação entre Lloris e Son ao intervalo do último encontro com o Everton.

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“Posso falar sobre equipas vencedoras porque estive em algumas e disse aos jogadores que, para ter uma equipa vencedora, há certas coisas que são inegociáveis – atitude, alma e caráter. Há jogos imprevisíveis, é assim. Por vezes mereces vencer, outras vezes não, mas esses aspetos são inegociáveis. Ser exigente consigo próprio e com os outros, ser uma fonte de motivação para o teu colega de equipa. Isso às vezes leva a desentendimentos, discussões, mas isso é importante. Fiquei feliz com a atitude dos jogadores nesse jogo. Claro que preferia que discutissem no balneário porque as pessoas podem interpretar as coisas de modo errado. Mas acho que foi algo novo que aconteceu na equipa, algo que os jogadores fazem mais internamente, serem exigentes uns com os outros para que possam crescer juntos”, salientou, “esvaziando” qualquer situação negativa entre os jogadores.

Para este encontro, Eric Dier já era ausência certa depois de ter sido castigado com quatro jogos no seguimento da altercação no final de um jogo da Taça de Inglaterra que o fez galgar as bancadas. “Não tenho reação. Se responder, vou arranjar problemas e não os quero arranjar, por isso não tenho comentários. Recuso? Não me parece. Se pedirmos recurso, há outros riscos. Mais vale entrar na próxima época sem suspensões. Todos sabemos como funcionam as decisões da Federação”, disse Mourinho. Vertonghen foi o substituto do internacional inglês, ficando mais uma vez Davidson Sánchez no banco (aquele jogo com o Sheffield United não foi esquecido). Mas esse não foi a única mexida, com troca nos principais apoios de Kane na frente: Lucas Moura e Son começaram no banco, Bergwijn e Lamela foram titulares. No entanto, e à exceção de um remate do argentino, o ataque dos londrinos mostrou-se quase nulo até ao intervalo, num jogo que chegou 0-0 ao descanso de forma natural.

Mourinho não perdeu tempo e lançou logo para a segunda parte Ndombélé e Son, tentando ganhar argumentos mais fortes na saída em posse, na construção e na exploração da profundidade, mas nem o Tottenham melhorou muito nem o jogo se tornou mais interessante, com Ramsdale e Lloris a terem pouco ou nenhum trabalho perante a clara superioridade das defesas contra os ataques ainda antes da longa interrupção para assistência a Adam Smith, que caiu desamparado no relvado após choque com Ben Davies gerando grande preocupação entre companheiros e adversários. Com a entrada de Lucas Moura no lugar de Sissoko, os londrinos conseguiram fazer uma maior pressão, criaram algumas situações mas acabaram por ver o Bournemouth marcar duas vezes em lances bem anulados, antes da entrada em campo de Gedson Fernandes no primeiro de 12 minutos de descontos onde foram os visitados mais uma vez a conseguirem criar perigo, desta vez com Lloris a travar a oportunidade.

Numa altura em que se começa a anunciar o documentário “All or Nothing” na Amazon, onde serão contados os bastidores do Tottenham nos últimos tempos (com Pochettino e Mourinho), os londrinos continuam a cair em termos desportivos. E se a mensagem do treinador português não passa, talvez através do trabalho que chegou a ser contestado pelo argentino por retirar demasiada privacidade ao plantel possa dar respostas às muitas perguntas que se levantam quando os spurs entram em campo e grandes jogadores fazem tudo menos uma grande equipa.