A direção dos Jardins Escolas João de Deus manifestou-se esta sexta-feira perplexa com o pedido de destituição dos órgãos de gestão da associação apresentado pelo Instituto de Segurança Social (ISS), por suspeitas de ilícitos penais. Em março de 2019, o Observador denunciou uma série de irregularidades relacionadas com a gestão das escolas, incluindo nos acordos de cooperação das creches.

“Durante todo o processo de inspeção levado a cabo pela Segurança Social, os Jardins Escolas João de Deus tiveram uma conduta totalmente colaborante e transparente para com as equipas ligadas às diferentes entidades reguladoras”, escreve o presidente da direção, António Ponces de Carvalho, em comunicado.

Na quinta-feira, o Instituto de Segurança Social confirmou que solicitou ao Ministério Público para que fossem destituídos os órgãos de gestão da Associação Jardins Escolas João de Deus — ou seja, António Ponces de Carvalho, bisneto do pedagogo João de Deus, e a sua equipa — apontando “irregularidades no âmbito dos acordos de cooperação celebrados com a Segurança Social”.

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Numa nota enviada às redações, António Ponces de Carvalho acrescenta que a direção sempre disponibilizou para esclarecer dúvidas em relação ao normal funcionamento dos Jardins Escolas, acusando o ISS de divulgar suspeitas sem antes questionar a associação.

“Há ainda a lamentar que alguma situação menos adequada deva ser devidamente apurada antes de ser noticiada pelos danos óbvios e evidentes que essa publicação gera designadamente pela não oportunidade de defesa para esclarecimento cabal de toda a verdade e prova da inexistência de quaisquer ilícitos”, afirma.

Segundo o ISS, as irregularidades identificadas deram origem à elaboração de auto de notícia, tendo em vista a instauração de processos de contraordenação por parte dos serviços da Segurança Social aquela Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS).

Além das infrações administrativas foram apurados indícios suscetíveis de serem ilícitos penais, pelo que “o processo foi remetido ao Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, encontrando-se o inquérito em curso”.

Acordos de cooperação nas creches, uma situação confusa

Em março de 2019, o Observador denunciou uma série de irregularidades com os aumentos de preços nos colégios João de Deus, incluindo subidas nas tabelas do pré-escolar. Ponces de Carvalho, em declarações feitas na altura ao Observador, argumentava que os novos preços da creche e do pré-escolar eram uma imposição da Segurança Social, que a associação tentou combater até ao limite.

Ponces de Carvalho, numa nota enviada então aos encarregados de educação, fazia referência a uma carta enviada ao então ministro do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social, José Vieira da Silva, datada de novembro de 2016, onde era pedido um regime de exceção para as creches João de Deus. A questão prende-se com a fórmula utilizada para calcular o custo por aluno, já que a que os colégios usavam nos últimos anos viola as regras das IPSS.

Segundo Ponces de Carvalho, o antecessor do ministro da Segurança Social, Pedro Mota Soares (governo de coligação PSD/CDS), introduziu uma pequena novidade nas comparticipações familiares — a parte que as famílias pagam por terem os seus filhos numa creche que seja de uma IPSS. O restante é pago pela Segurança Social, um montante fixo por criança que nas creches é de 264,61 euros, como explicou ao Observador em março de 2019 o Instituto de Segurança Social.

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“Tirada do contexto, até tem toda a lógica. O que se dizia é que o escalão mais alto pago pelos pais não podia ser superior ao custo real por criança nessa valência. Isto veio alterar tudo. Nos primeiros quatro escalões, o que as famílias pagam somado às comparticipação da Segurança Social não chega para pagar o custo real por criança. A única hipótese de sustentabilidade que a instituição tem é que as famílias que podem pagar mais o façam para compensar as que pagam menos”, defendia então o diretor da associação.

Na sua opinião, ao fazer-se o preço por valência (que passou a chamar-se resposta social), o custo real de uma criança numa creche é muito superior ao de uma no pré-escolar, daí que muitas IPSS optem por ter as duas ofertas. “No berçário, o número máximo de crianças é oito e temos de ter uma educadora e uma auxiliar. Só para pagar dois ordenados, o custo por criança dispara”, argumentava em março Ponces de Carvalho.

Até à alteração introduzida por Mota Soares, que governou de 2011 a 2015, o que a associação fazia era calcular o custo real médio por criança a nível nacional. Assim, defendia Ponces de Carvalho, conseguiam que os colégios em zonas mais privilegiadas suportassem o défice das escolas de zonas rurais e carenciadas. Apesar da alteração legislativa, mantiveram o procedimento, conscientemente violando a lei, ao mesmo tempo que enviavam um pedido de exceção ao atual ministro, em 2016.

Embora essa possibilidade esteja prevista na lei, a resposta do Governo nunca chegou e a Segurança Social ameaçou cortar os apoios à IPSS se as tabelas não passassem a ser feitas com base no custo real por escola. Assim, no ano letivo passado, os valores da creche e pré-escolar foram também aumentados.

No entanto, no jardim de infância da Estrela, foram as famílias mais carenciadas com filhos no pré-escolar que sofreram maiores aumentos. Uma família no 1.º escalão que pagava até 25,07 euros mensais passou para 42,63. Quem pagava o máximo, até 338 euros, desceu para 270,76.

Este foi um dos principais motivos para que um parecer jurídico pedido pelos pais considerasse haver violação do estatuto das IPSS, já que “decorre daqueles princípios previstos na lei, o princípio de preferência ou prioridade no apoio para as pessoas ou grupos mais carenciados e desfavorecidos”. E isso não se verifica, uma vez que são esses grupos os que sofrem maiores aumentos.

O Instituto de Segurança Social referia, em março, que “não estando legalmente estabelecido um referencial mínimo para frequência de utentes de famílias com rendimentos inferiores, podendo a instituição selecionar utentes inseridos em agregados familiares de vários escalões de rendimentos, de acordo com a alínea e) do art.º 12.º da Portaria n.º 196-A/2015, de 1 de julho, as ‘Instituições devem privilegiar as pessoas e os grupos social e economicamente mais desfavorecidos‘”.