O Conselho Superior da Magistratura e a Ordem dos Advogados levantaram dúvidas sobre a constitucionalidade do projeto de lei do Chega que visa o regresso à prisão dos reclusos libertados ao abrigo do regime excecional criado devido à pandemia.

O projeto de lei do Chega pretende o “regresso imediato dos reclusos libertados ao abrigo da Lei n.º 9/2020, regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença Covid-19, aos estabelecimentos prisionais onde se encontravam a cumprir pena privativa de liberdade”.

O parecer do Conselho Superior da Magistratura (CSM), datado de 29 de junho, e pedido pela Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, refere que “as modificações preconizadas, tal como redigidas em projeto, podem, na prática, acarretar maiores problemas do que aqueles a que procuram dar resposta”.

“A alteração de regulação proposta pela lei nova, ao determinar o regresso imediato dos reclusos ao estabelecimento prisional, poderá, na verdade, suscitar dúvidas de constitucionalidade, na medida em que interrompe ou modifica situações jurídicas já constituídas ao abrigo da lei em vigor, fazendo-o de forma inopinada ou ‘abrupta'”, lê-se no parecer.

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“Importa, de facto, assegurar, no quadro de sucessão de leis, que o cidadão não seja confrontado com alterações inesperadas, sobretudo quando estão em causa direitos tão sensíveis como a liberdade”, defende.

O CSM aponta igualmente que “a finalidade pretendida pela lei nunca seria alcançada pelos dispositivos firmados, na medida em que o regresso dos reclusos ao estabelecimento prisional, mantendo-se vigente a Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, não impede a concessão de novas licenças de saída administrativas extraordinárias por parte do diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais”.

Este órgão assinala ainda que o regime excecional de flexibilização de penas ainda está em vigor e irá eventualmente cessar, mas aponta que, até lá, gera “justificadas expectativas de continuidade que tornam ainda mais inesperada a alteração legislativa que ora se pretende operar”.

Para o CSM, “face à forma como o projeto se encontra redigido, sem que se preveja sequer nenhum regime transitório, não ocorrendo razões de interesse público que justifiquem a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa, a nova lei poderá colidir com os princípios constitucionais da segurança e da proteção da confiança ínsito na ideia de Estado de direito democrático e dos direitos fundamentais”, porquanto, de acordo com a Constituição, “as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias não podem ter caráter retroativo”.

Por seu turno, a Ordem dos Advogados, no parecer datado de 16 de junho, manifesta-se “frontalmente contra a aprovação do mencionado projeto de lei” e considera “absolutamente desaconselhável o regresso dos reclusos aos estabelecimentos prisionais”, por motivos de saúde.

O vice-presidente do Conselho Geral da Ordem, Rui da Silva Leal, refere que “a legislação em vigor não permite que se coloque em letra de lei a pretensão” da iniciativa do Chega, que “viola de forma incompreensível a declaração da situação de calamidade”, que vigorava à data da sua entrega.

A Ordem dos Advogados assinala igualmente que o regime excecional cessa vigência aquando da “declaração do final do período pandémico que se vive no país”.