Eram 71 voltas, começaram sem qualquer incidente na saída, só Vettel conseguiu ganhar uma posição a Ricciardo. O arranque do Grande Prémio da Áustria, a primeira prova do Mundial de 2020 de Fórmula 1, parecia ser a coisa mais normal do mundo. Mas não, nada foi normal. Mais ainda, nada é normal entre a ausência de público e todas as “bolhas” criadas para manter o circo sem números inesperados que possam colocar a competição em causa. E só o facto de nove dos 20 pilotos não terem terminado a corrida mostra como a adaptação não foi fácil.

217 dias depois, ouviram-se motores, o semáforo apagou e a bandeira voou. E foi Bottas que venceu o primeiro Grande Prémio de 2020

Max Verstappen, que seguida na segunda posição, começou a desacelerar com problemas elétricos, ainda passou pelas boxes mas acabou mesmo por desistir. Daniel Ricciardo também teve questões de sobreaquecimento e saiu. Lande Stroll começou a perder potência e não voltou a sair das boxes. E ainda houve as dificuldades nos travões dos Haas de Grosjean e Magnussen, o volante de Kimi Räikkönen, a suspensão de Daniil Kvyat, o depósito de George Russell ou a parte elétrica de Alexander Albon, neste caso condicionado por uma colisão com Lewis Hamilton. O finlandês Valtteri Bottas voltou a ganhar a primeira prova do ano, como acontecera em 2019 na Austrália, mas a grande figura voltou a ser o britânico que tem no ano de 2020 um ano fundamental na carreira.

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Na qualificação, Hamilton tinha conseguido a segunda melhor marca mas partiu da quinta posição devido a uma penalização de três lugares por não ter abrandado quando as bandeiras amarelas estavam a ser mostradas. No dia seguinte, em prova, terminou na segunda posição mas desceu para quarto, atrás de Leclerc e Lando Norris, por causa da nova penalização de cinco segundos devido a uma colisão com Alexander Albon que viria a condicionar a corrida do tailandês. Os 106 dias sem Fórmula 1 devido à pandemia foram marcados pelas várias trocas de pilotos tendo em vista e até pela venda de equipas mas o britânico, que continua com uma possível renovação com a Mercedes ou uma hipotética ida para outra equipa congeladas, foi sempre um destaque e até mesmo não indo sequer ao pódio, algo que no ano passado aconteceu quatro vezes em 21 provas, continuou a ser.

Agora, no Grande Prémio da Estíria realizado no mesmo traçado em Spielberg da semana passada, a história mudou e Hamilton conseguiu a 89.ª pole position da carreira numa sessão marcada pela chuva (que este domingo não apareceu na Áustria). “Foi um dia difícil mas estou contente com o primeiro lugar. Este última volta esteve perto da perfeição atendendo às condições que se faziam sentir, fez-me lembrar Silverstone em 2008. Foi difícil por causa da meteorologia, com a chuva não se via nada. Na penúltima volta apertei ao máximo e dei tudo para poder melhorar também na última mas foi um dos cenários mais duros que enfrentei na minha carreira com estes carros”, explicou o britânico no final da qualificação, sabendo da importância desse primeiro lugar.

A Fórmula 1 da atualidade é assim: tem dança de cadeiras, tem pilotos mais novos que prometem muito, vai ter em breve o regresso do quase quarentão Fernando Alonso à Renault mas tem sobretudo uma figura que, pelo currículo, por todo o carisma, pelo ativismo fora das pistas e pelo quase anunciado passo em falta para se colar em definitivo a Michael Schumacher nos Mundiais conquistados e nas vitórias em Grandes Prémios, recolhe quase todos os holofotes. E ainda esta manhã, na antecâmara da prova e quando se discutiam sobretudo estratégias de corrida e de pneus, foi uma mensagem de Hamilton que se destacou: “Tenho de me manter fresco. Estou a viver nesta pista há quase duas semanas, tenho saudades dos fãs aqui. Onde estão vocês todos?”. Mais tarde, o piloto voltou a liderar o protesto a favor do movimento “Black Lives Matter”, ajoelhando-se antes do início da corrida.

A saída era aguardada com expetativa, para se perceber a capacidade que Verstappen podia ter para ultrapassar Hamilton nas primeiras três curvas, mas a curiosidade acabou por entroncar mais no ataque do McLaren de Carlos Sainz ao Red Bull do holandês do que propriamente possíveis alterações na liderança de uma corrida dominada do início ao fim pelo campeão mundial. O espanhol apertou, teve de alargar a trajetória no momento chave, ficou na terceira posição antes de entrar o safety car e foi perdendo posições nas voltas seguintes, chegando à 15.ª já no quinto posto ultrapassado por Bottas, com um bom ritmo de corrida, e Alexander Albon. No entanto, era lá atrás que se escrevia o resto da história deste Grande Prémio, com a Ferrari e pelas piores razões.

Depois de um início de Mundial positivo com Leclerc a terminar o Grande Prémio da Áustria na segunda posição beneficiado por safety car e penalizações, os Ferrari estiveram muito abaixo da concorrência na qualificação e o monegasco falhou mesmo a entrada na luta pelos dez melhores lugares. Por isso, o grande objetivo passava por ganhar posições logo no arranque, fugindo a uma posição que lhe condicionasse por completo o resto da corrida. Foi pior a emenda que o soneto e a escuderia italiana provou que um mal nunca vem só: Leclerc forçou, colidiu com Vettel, deixou o carro do alemão demasiado danificado para prosseguir, veio às boxes trocar a asa dianteira que tinha ficado partida mas acabou também por desistir. A corrida da Ferrari acabou antes de começar.

“Fui surpreendido ali porque não tinha espaço, estava por dentro e não estava à espera que o Charles [Leclerc] tentasse algo. Temos de evitar este tipo de situações mas agora não há muito mais que possamos fazer. Percebi logo que tinha danos significativos. Penso que não havia o andamento certo, daí termos colidido”, disse Vettel logo na primeira reação, à Sky Sports. “Peço desculpa [ao Vettel] mas desculpas não são suficientes numa altura destas. Estou muito desapontado comigo mesmo, fui uma desilusão para a equipa. É uma altura complicada para a Ferrari e a equipa não precisava disto. Peço muitas desculpas mas sei que não é suficiente”, assumiu Leclerc, numa reação que teve continuidade no Twitter, onde assumiu também em termos públicos o erro cometido.

Sem tantas desistências como na semana passada e com Hamilton a dominar por completo mesmo deixando a ideia através das comunicações com a equipa que nem tudo eram facilidades com o carro e com os pneus, a corrida entrou num ritmo cruzeiro e com dois grandes focos de atenção: por um lado, a discussão entre Verstappen e Bottas pelo segundo lugar, com o finlandês a mostrar até determinada fase capacidade para poder ainda alcançar o holandês; por outro, o espetáculo do mexicano Sergio Pérez, a sair com o seu Racing Point da 17.ª posição, a chegar rapidamente ao 11.º lugar e a ter mais tarde duas ultrapassagens fantásticas a Carlos Sainz e Daniel Ricciardo, perguntando numa delas “Gostaram desta?” à equipa, o que motivou muitas gargalhadas.

No final, o sorriso de Pérez acabou por tornar-se amarelo: quando arriscou a ultrapassagem a Alexander Albon, que lhe valeria a conclusão perfeita com o quarto lugar, houve um ligeiro toque que danificou a asa e acabou a tentar defender a melhor posição possível, sendo ainda ultrapassado por Lando Norris. Na frente, entre o passeio de Hamilton, que conseguiu o 85.º triunfo da carreira e ficou assim apenas a seis do recorde de Michael Schumacher, Bottas ainda conseguiu ficar à frente de Verstappen, que se tentou defender de todas as formas mas acabou por ceder nas últimas voltas, mantendo assim uma maior vantagem na liderança do Mundial (seis pontos, 43-37, seguidos pelo surpreendente Lando Norris que soma agora um total de 26 pontos).