O embaixador do Irão em Lisboa disse à Lusa que o acordo internacional sobre o programa nuclear pode ser aplicado mesmo com a retirada dos EUA, mas admitiu o regresso da cooperação caso Washington recue na sua decisão.

“Consideramos que o acordo pode ser aplicado, mesmo com a retirada dos Estados Unidos. As outras partes não saíram. E se os EUA regressarem ao acordo e pretenderem a sua aplicação, estamos prontos a trabalhar com eles“, indicou o embaixador Morteza Damanpak Jami em declarações à Lusa, e quando se assinalam os cinco anos da assinatura deste documento entre o Irão e as grandes potências.

O Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, na sigla em inglês), a designação oficial do acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, foi assinado em 14 de julho de 2015 entre a República Islâmica do Irão e o designado P5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, China, Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e ainda a Alemanha), com a participação da União Europeia.

A 8 de maio de 2018, a administração do Presidente norte-americano Donald Trump decidiu retirar-se do acordo e reimpôs um duro pacote de sanções internacionais à República islâmica.

O representante diplomático de Teerão assegura que o seu país “nunca fechou as portas à diplomacia”, considera o JCPOA uma “vitória da negociação” e assegura que o Governo do Presidente iraniano, Hassan Rohani, acredita numa “interação construtiva” a nível mundial. “É o pilar da atual diplomacia externa do Irão. Acreditamos que necessitamos de uma interação muito positiva com a comunidade internacional, e o JCPOA foi uma prova disso”, afirmou.

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No entanto, e após recordar que os três países europeus ocidentais (Alemanha, França, Reino Unido) ainda não renunciaram ao acordo nuclear, Morteza Damanpak Jami assinala que não devem “submeter-se às ordens norte-americanas” e manter a sua independência.

“Se o JCPOA é importante para a União Europeia, numa perspetiva política, económica e de segurança, se é importante para a promoção do multilateralismo na UE, então deve regressar-se à aplicação do acordo”, frisou.

No atual contexto, reconhece, “não existe espaço para negociações” com a administração Trump, que continua a “colocar a máxima pressão sobre o Irão, a tentar fechar todas as portas ao Irão”, uma estratégia que relaciona com a aproximação das eleições presidenciais nos EUA em novembro.

“Mas o Irão recusa-se a ser parte de um figurino eleitoral para o Presidente dos Estados Unidos”, assinalou.

O representante diplomático de Teerão também aludiu às recentes declarações do Presidente Rohani, que exortou a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) a “manter a sua independência” após a adoção por esta instância de uma resolução que censura o Irão pela sua recusa em autorizar a inspeção de dois locais suspeitos.

A AIEA, o organismo sob a égide da ONU com sede em Viena, tenta promover o uso pacífico da energia nuclear e limitar o desenvolvimento das suas aplicações militares. Recentemente, e numa reunião do conselho de governadores da Agência, foi aprovada uma resolução que não foi consensual, com a Rússia, China e outros países a oporem-se.

“O que esperamos da AIEA é neutralidade. Se a AIEA for neutral e a sua agenda não se tornar política, se abordar as questões nucleares de um país numa perspetiva técnica, então ninguém terá problemas”, assegurou o embaixador.

Na perspetiva iraniana, o diretor-geral da AIEA emitiu um relatório em dezembro de 2015 onde se referia que não existiam questões ou alegações relacionadas com a designada componente militar do programa nuclear iraniano, sendo “assunto encerrado”. Mas nos últimos meses, em particular após a retirada dos EUA do acordo, têm surgido alegações sobre uma nova aceleração do programa nuclear iraniano em desrespeito pelos patamares previstos no JCPOA.

“Desde então e até agora, o Irão tem permanecido sob intensas inspeções das equipas da AIEA. Numa recente carta do nosso ministro dos Negócios Estrangeiros [Mohammad Javad Zarif] ao secretário-geral da ONU [António Guterres] foi mencionado que nos últimos cinco, seis anos, mais de 90% das inspeções da AIEA estiveram focalizadas no Irão”, justificou Morteza Damanpak Jami.

E precisou: “Infelizmente, e recentemente, a AIEA tentou apresentar um relatório para o qual não estava mandatada. E esse relatório ao conselho de governadores, por pressão dos EUA, e do regime de Israel, referiam-se a dois locais onde Israel alegava existirem atividades nucleares”.

O diplomata assegura que um desses locais já está incluído num primeiro relatório, e está encerrado. “Os membros da AIEA não devem considerar alegações falsas, antes trabalhar na base de documentos técnicos. O Irão continua a cooperar totalmente com a AIEA, mas não pode cooperar com alegações emitidas por inimigos do Irão”, defendeu.

O regresso de pesadas sanções económicas, impostas pelos EUA desde meados de 2018, uma situação agravada pela pandemia de Covid-19 – o Irão permanece o país mais atingido em toda a região do Médio Oriente – está a colocar novos e complexos desafios à sociedade iraniana. “As sanções são um fardo suplementar para a economia, e que foi agravada pela Covid-19”, reconheceu.

“São tempos difíceis para o nosso povo, o nosso Governo, a nossa economia. O Irão demonstrou estar disposto a trabalhar com a comunidade internacional para ser um parceiro de confiança, mas quando existe uma administração que pretende impor os seus desejos aos outros, o que devemos fazer?” interrogou-se.

Mas na qualidade de representante do seu país, o embaixador assumiu uma atitude perentória: “O Irão não pretende ajoelhar-se perante os EUA. Todos seguiram o que se passou nos EUA, o joelho no pescoço de um negro, mas isso não significa que os americanos também ponham o seu joelho no nosso pescoço”.

O embaixador iraniano recorda a tradição de um povo e um país “antigos”, onde em outras épocas se situava o centro do Império persa, recorre à Revolução de 1979 que derrubou o Xá e que determinou a aplicação das primeiras sanções internacionais. “Mas face à política dos EUA de máxima pressão também seguimos a política de máxima resistência”, disse.

Uma resistência que também pode ser favorecida pela situação geográfica. “Somos um grande país, temos 15 vizinhos, fazemos negócios com eles, com o Ocidente, com o Leste, e pretendemos manter a cooperação com os nossos parceiros ocidentais, em particular com a UE”, sustentou. E voltou a frisar: “Mas a UE também deve distinguir entre cooperar numa base igualitária com os seus parceiros como o Irão, ou obedecer e seguir as ordens dos EUA”.