À entrada para a antepenúltima jornada da Premier League, e apesar de toda a incerteza em torno dos lugares para as competições europeias da próxima temporada, houve um pouco mais de luz sobre quem lutava pelo quê numa edição que se resumiu a tudo menos aos Big Six. Nesse contexto, e como castigo para os pecados cometidos com equipas teoricamente mais acessíveis, o Tottenham estava resumido à corrida por uma vaga na Liga Europa a não ser que acontecesse uma conjugação cósmica a envolver pelo menos quatro equipas. Ainda assim, e mesmo estando a sete pontos de um quinto lugar que poderia valer entrada na Champions com o castigo aplicado pela UEFA ao Manchester City, José Mourinho não perdeu a oportunidade que comentar a inversão da medida pelo Tribunal Arbitral do Desporto, o que permitirá à equipa de Pep Guardiola jogar a próxima Liga dos Campeões.

Os 140 segundos que mudaram o filme do dérbi para Mourinho e os 22 segundos de um filme que Mourinho não quer ver

“Se o City não é culpado, ser punido em alguns milhões é uma vergonha. Se não és culpado, não és punido. Por outro lado, se fores culpado, tens de ser banido. Em todo o caso, é um desastre. O que estou a dizer? Estou a dizer isso mesmo, que se não és culpado não pagas. Nem uma libra!”, atirou, numa reação que foi acompanhada pelo técnico do Liverpool, Jürgen Klopp, que se mostrou satisfeito por temer que esses jogos a menos “ajudassem” na Premier League mas que considerou em paralelo “não ter sido um bom dia para o futebol.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O que tem a ver isto com o Newcastle-Tottenham? Mais do que possa parecer. Desde que chegou aos londrinos, aí com uma postura bem mais calma e tranquila do que aquele feitio truculento que ficou para muitos como imagem de marca no Chelsea e no Manchester United, Mourinho não se costuma meter a foice em seara alheia a não ser quando sente confiança no que está a ser feito dentro de casa e a vitória frente ao Arsenal num dérbi do Norte de Londres que podia ter caído para qualquer lado mas que permitiu que os spurs ultrapassassem os gunners encheu o balão de um Tottenham com campanha irregular mas apostado em acabar da melhor forma. “Sei que os adeptos ficaram satisfeitos, as pessoas mais antigas no clube sentiram de forma especial mas tenho de ser mais ambicioso. Se a Liga tivesse começado quando cheguei, e apesar de todos os problemas, estaríamos em quarto ou quinto lugar. Liga Europa? Se não formos à Champions adorava jogar, só joguei duas vezes e ganhei ambas, pelo que não seria mau jogar uma terceira vez e ganhar novamente”, disse após o encontro.

O técnico relativiza o triunfo mas o triunfo foi tudo menos relativizado em termos de perceção no interior e no exterior, entre elogios de comentadores, figuras do clube e até do capitão Harry Kane, que voltou a não marcar com o Arsenal. “A relação com Mourinho tem sido excelente. Estive parado muito tempo devido a lesão e tive de ver a equipa de fora. Atualmente construímos uma boa relação e falamos muitas vezes. Mourinho quer vencer e ele está aqui para vencer. Obviamente que esta temporada não temos troféus para lutar mas na próxima esse é o objetivo. Ele quer vencer tudo e disse isso de forma clara. Mourinho está a pensar no dia seguinte, na próxima época e em ter mais tempo para trabalhar com a equipa na pré-epoca. Gosto muito trabalhar para Mourinho e tem sido uma oportunidade para aprender com um dos melhores treinadores do mundo. Estou a tentar absorver tudo o mais rápido que posso», destacou o internacional inglês, em declarações à BT Sports.

Mais uma vez, nada como uma vitória num dérbi londrino para o ambiente aliviar. No entanto, e para o treinador português, a próxima deslocação era tudo menos fácil – o St. James’ Park, para onde chegou a ser falado no projeto do xeque Khaled Bin Zayed Al Nehayan em 2019 (sendo que na segunda metade de 2020 a proposta de compra da maioria do capital da sociedade ainda não foi aprovado pela Premier League), é um dos raríssimos estádios onde nunca ganhou num jogo a contar para o Campeonato contando com visitas pelo Chelsea e pelo Manchester United (contra Graeme Souness, Glenn Roeder, Alan Pardew, Steve McClaren e Rafa Benitez). Mas, ao mesmo tempo, foi um dos primeiros estádios ingleses que ouviu falar mais no início da sua carreira, por influência do seu “mestre” no mundo do futebol com quem esteve no Sporting, no FC Porto e no Barcelona, Bobby Robson.

“Lembro-me de quando conhecemos o José [Mourinho], a Matilde e a filha, era uma pessoa muito amiga. Mais tarde fui ver algumas sessões de treino do Barcelona com o meu filho, Alex, e ele estava sempre de olho em mim, a meter-me debaixo da asa dele. Penso que o meu pai [Bobby Robson] e o José se inspiravam um ao outro e ficaram com uma grande amizade. O pai via Mourinho como alguém apaixonado, trabalhadores, leal e determinado, que são todas as características que necessitas. Cimentaram a relação entre eles”, recordou num documentário Mark Robson, filho do antigo técnico inglês, recordando também o gosto mútuo que ambos tinham em ver filmes do Anthony Hopkins e a boa relação que Matilde tinha também com a sua mãe, Lady Elsie Robson.

Sem qualquer alteração no conjunto inicial que defrontou o Arsenal no passado domingo, incluindo Aurier que esteve em dúvida para a deslocação depois da morte do irmão mas que dar o seu contributo à equipa apesar de Mourinho ter referido que teria todo o tempo que necessitasse depois da tragédia que viveu, o Tottenham não teve uma entrada tão forte no encontro e viu nos 15 minutos iniciais Miguel Almirón, paraguaio em quem o Newcastle apostava muito, que não tem correspondido às expetativas criadas mas que teve um início de jogo interessante e a desequilibrar, e Shelvey terem remates perigosos à baliza de Lloris, ambos numa zona do corredor central à saída da área onde não havia marcação ou entrando de trás na área. Chegou a paragem, chegou a viragem.

Depois de ter trocado algumas palavras com os jogadores na pausa para hidratação, os londrinos saíram de outra forma para o campo, inauguraram o marcador e ficaram perto do segundo. Razões? Lucas Moura mais solto a ir mais vezes para o corredor central enquanto Aurier subia das costas, Lo Celso mais à frente no apoio ao ataque e Son a receber bola para ir no 1×1 e fazer a diferença. Foram estes os interveniente do primeiro golo (26′), com o sul-coreano que parece ter vindo ainda mais forte após ter cumprido o serviço militar obrigatório depois da paragem no futebol devido à pandemia com direito a prémio Pilsung que distingue os melhores desempenhos a ter também um grande remate de fora da área apenas quatro minutos depois para grande defesa de Dúbravka.

Até ao intervalo, Gayle ainda acertou no poste da baliza do Tottenham mas os londrinos chegariam em vantagem e surgiriam melhor para o segundo tempo, com maior capacidade para chegar à baliza do Newcastle e melhores movimentos nas transições ainda que sem a melhor definição no último terço. Os visitados equilibraram, voltaram a conseguir ter mais bola e chegaram mesmo ao empate com um grande remate de pé esquerdo de Matt Ritchie, aproveitando um corte mal feito de Aurier na área. No entanto, e naquele que foi o grande momento de força que escreveu a história final do encontro e do resultado, o Tottenham não acusou o golo sofrido, balanceou-se na frente e fez o 2-1 quatro minutos depois, com Kane a desviar de cabeça um cruzamento do recém entrado para apontar o 200.º golo pelo clube antes de bisar aos 89′, carimbando não só o triunfo por 3-1 mas também a primeira vitória de Mourinho no St. James’ Park num importante passo para carimbar um lugar na próxima Liga Europa.