O estado norte-americano da Flórida é neste momento um dos maiores e mais preocupantes epicentros de Covid-19 em todo o mundo, depois de mais de uma semana a registar perto de 10 mil novos casos por dia.

O pior dia foi este domingo, 12 de julho, quando a Flórida deu conta de 15.300 novos casos — o dia mais alto de qualquer estado dos EUA, incluindo Nova Iorque, outrora epicentro da pandemia naquele país.

Tanto a Flórida como a sua segunda maior cidade, Miami, já estão a ser apelidadas pela imprensa norte-americana e especialistas de “a nova Wuhan”, em alusão à cidade chinesa onde a pandemia terá tido origem. “Estamos a ver aqui aquilo que vimos em Wuhan há cinco meses”, sublinhou Lilian M. Abbo, especialista em doenças infecciosas da University of Miami Health System.

A situação chega a permitir que um texto escrito na primeira pessoa tenha um título tão irónico como verdadeiro como “Sou de Wuhan. Apanhei Covid-19 — depois de ter viajado para a Flórida”. O testemunho em causa é da jornalista e produtora da BBC em Washingon D.C., Xinyan Yu.

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Depois de uma viagem à Flórida com o marido, ambos testaram positivo com o vírus. “Quando disse à minha família em Wuhan, eles não queriam acreditar. Em seis meses, é como se a China e os EUA tivessem trocado de lugares: Wuhan, onde tudo começou, começou a anunciar zero casos e encontrou apenas 30 assintomáticos desde o final de maio, enquanto alguns estados dos EUA estão a ver milhares de novos casos ao dia”, escreveu Xinyan Yu no Washington Post.

Maus números, a caminho de piorar ainda mais

Até à altura, a Flórida conta com um total de 263.070 casos, dos quais 4.521 resultaram em morte. Comparativamente com o anterior epicentro da pandemia nos EUA, Nova Iorque, estes números são favoráveis — já que, ali, dá-se conta de 430.277 casos e 32.495. Ou seja, enquanto Nova Iorque regista uma taxa de letalidade até aqui de 7,55%, na Flórida esta ainda não passou dos 1,72%.

Ainda assim, há outros dados que fazem aumentar a preocupação em torno do caso da Flórida. À cabeça de todos estes, está a taxa de testes positivos entre todos os que são realizados. Se no início de maio essa taxa era de 3,6%, os dados mais recentes apontam para 11% — ao passo que a de Nova Iorque está nos 2%, também de acordo com números oficiais. Pelas contas da Johns Hopkins University, que considera apenas os últimos 7 dias e todos os que se seguem ao primeiro diagnóstico, os valores são ainda mais díspares: 1,25% em Nova Iorque e 18.71% na Flórida.

“Se a taxa de testes positivos for muito alta, pode querer dizer que o estado só está a testar os pacientes mais doentes, que procuram cuidados médicos, e não está a alargar a rede ao ponto de saber com precisão o quão disseminado o vírus está nas suas comunidades”, explica aquela universidade.

O que aconteceu na Flórida? Desconfinamento antecipado e o ativismo anti-máscara

Esta quarta-feira, o governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis, falou em “determinação” para combater o vírus no seu estado.

“Temos de abordar o vírus com firme determinação. Não nos podemos deixar levar pelo medo, temos de compreender o que é que se está a passar, compreender que temos um longo caminho pela frente, mas também temos de compreender tudo isso no contexto do momento”, disse.

Porém, duas das possíveis razões para o atual pico pandémico na Flórida terão diretamente a ver com a atuação do governador Ron DeSantis.

A Flórida foi um dos primeiros estados a reabrir portas, depois de ter aplicado, à semelhança de todos os outros do país, uma quarentena obrigatória para a generalidade da população — excetuando trabalhadores de setores essenciais. Quando a maior parte do país ainda não arriscava abrir portas, Ron DeSantis decidiu não renovar a ordem de confinamento geral, que expirou assim a 4 de maio. No final desse mês, os bares e restaurantes foram abertos. Tanto numa altura como na outra, os números de casos estavam a aumentar.

Ao mesmo tempo que reabriu portas, o estado da Flórida demorou a recomendar e a decretar a obrigatoriedade do uso de máscara em ocasiões públicas — uma medida que só foi anunciada a 22 de junho, naquele estado.

O tema das máscaras tem sido de particular debate nos EUA, acabando por também ele seguir as linhas da divisão política vivida na sociedade norte-americana. De acordo com uma sondagem da Gallup, ao passo que 61% de democratas dizem usar “sempre” máscara em público, apenas 24% de republicanos disseram o mesmo. São, aliás, mais os republicanos que dizem que “nunca” usam máscara (27%), resposta que apenas 1% de democratas deram.

Este ambiente tem sido particularmente registado na Flórida, onde um membro da Câmara dos Representantes estadual, o republicano Anthony Sabatini, já chegou a chamar “nazis das máscaras” aos defensores do uso daqueles equipamentos de proteção individual.

No sábado, 11 de julho, véspera do dia em que se registaram 15.300 casos, um restaurante em Orlando (a quarta maior cidade da Flórida) deu refeições grátis a todos os clientes que aparecessem sem máscara.