Se a ameaça do racismo por várias vezes tem batido à porta da moda, neste caso já tinha mais que um pé dentro de um dos seus quartéis-generais. O cenário é a entrada dos escritórios da revista Vogue britânica, onde um segurança provavelmente ainda fresco em funções, e alheio ao organigrama da empresa, convidou o recém-chegado a dar meia volta e a optar pela entrada das traseiras — talvez assumindo que o lugar de um negro não é no interior do elevador principal muito menos no último piso. É possível que com outro protagonista o episódio desbotasse e não fosse além daquele rés do chão. Acontece que esse negro é Edward Enninful, nada mais nada menos que o diretor do histórico título, detido pela Condé Nast, que esta quarta-feira, através da sua conta de Instagram, partilhou o incidente com o seu milhão de seguidores.

“Hoje fui discriminado pela minha raça por um segurança quando entrei no lugar onde trabalho”, conta Enninful, no cargo de diretor da edição britânica da Vogue desde 2017 e um dos rostos mais respeitados do setor, agraciado em 2016 com a Ordem do Império Britânico pelos serviços prestados à diversidade na área da moda. “Mal entrei, indicou-me o caminho da zona de cargas e descargas”, continuou. “Lá porque os nossos horários e fins de semanas estão a voltar ao normal, não podemos permitir que o mundo volte ao que era”, apelou o responsável, que num post posterior voltou ao tema para mais um desabafo: “Isto apenas mostra como por mais que se consiga na vida, a primeira coisa que vão avaliar é a cor da tua pele”.

Enninful, que insistiu numa mudança que “tem que acontecer já”, adiantou ainda que a Condé Nast “agiu rapidamente” e entretanto afastou o segurança em causa.

Foi com a diversidade na mira, das formas dos corpos ao género, sem esquecer as classes e as raças, que Enninful garante ter assumindo as rédeas da revista de moda há cerca de três anos. “A minha Vogue é sobre inclusão”, defendeu à data, para anos mais tarde, já no começo deste mês, retomar o assunto, que ganhou força na agenda com o fôlego conferido pelo movimento Black Lives Matter.

Ao aceitar um prémio da indústria, Edward Enninful referiu que seria “desonesto da minha parte não assinalar que sou o primeiro negro a recebê-lo — o primeiro negro em 40 anos”. O diretor reconheceu ainda que a “diversidade vai fazendo o seu caminho nas páginas da revista” mas interrogou-se sobre outros desafios do dia a dia. “Como estão as coisas no trabalho? Quem estamos a contratar? Quem estamos a promover? Como é que os escritórios tratam as pessoas? Quem tem hipóteses de ascender?”.

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