Dois deputados do campo pró-democracia da Assembleia Legislativa (AL) de Macau ouvidos pela agência Lusa defenderam que a lei da segurança nacional imposta por Pequim em Hong Kong não deve ser replicada no território.

Ambos admitiramm que a obediência e lealdade política em Macau, bem como o facto de as ações de Pequim terem a tendência de se refletirem no antigo território administrado por Portugal podem ter como resultado a adoção do mesmo texto da polémica legislação que prevê a prisão perpétua e a punição para quatro tipos de crimes: atividades subversivas, secessão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras que ponham em risco a segurança nacional.

Mas tanto José Pereira Coutinho, como Sulu Sou, respetivamente o único deputado português e o mais jovem parlamentar na AL, salientaram a diferença entre as regiões administrativas especiais chinesas, com um histórico nesta matéria que nunca trouxe inquietações de maior no território ou ao regime em Pequim.

“As duas [regiões] são muito diferentes. A mesma realidade não ocorre em Macau, que adotou sem quaisquer sobressaltos e sem qualquer problema essa legislação [em 2009]”, apontou José Pereira Coutinho.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“O bom senso vai imperar. Adotar essa lei [imposta a Hong Kong] para uma realidade distinta é pouco provável e não há necessidade”, salientou.

A acontecer, “será mais amena e não será uma cópia fiel”, mostrou-se convicto.

“De acordo com a ideia de segurança nacional de Pequim, é possível que Macau siga Hong Kong, especialmente se algumas pessoas advogam cegamente fazê-lo para expressarem lealdade política”, admitiu Sulu Sou.

“Mas enfatizei muitas vezes que isso não é necessário, porque Hong Kong e Macau são duas cidades completamente diferentes, caso contrário não haveria necessidade de estabelecer duas regiões administrativas especiais chinesas”, sublinhou.

Por outro lado, o deputado frisou o facto de “a versão da lei em Macau, desde o processo legislativo até à sua implementação, ter tido lugar sempre dentro da região administrativa especial”.

O que não aconteceu com Hong Kong e que resultou “num processo misterioso, mais estrito do que era imaginável”, com “alguns casos a poderem ser julgados na China continental” e no estabelecimento no território vizinho de um Gabinete de Salvaguarda da Segurança Nacional, concluiu.

As declarações dos deputados da AL surgem após o Governo de Macau, o ex-chefe do executivo e vice-presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, Edmund Ho, e o diretor do Gabinete de Estudos Políticos do Comissariado dos Negócios Estrangeiros chinês no território defenderem que é preciso melhorar a legislação sobre esta matéria.

Posições tomadas na sequência da legislação aprovada em 30 de junho por Pequim para a vizinha região administrativa especial chinesa de Hong Kong e que prevê a prisão perpétua (o que não sucede em Macau) e a punição para quatro tipos de crimes: atividades subversivas, secessão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras que ponham em risco a segurança nacional.

Em 2009, Macau aprovou a lei relativa à defesa da segurança do Estado, estabelecida no artigo 23.º da Lei Básica (‘miniconstituição’), mas as autoridades de Hong Kong nunca conseguiram fazer passar a legislação, apesar de tal estar prevista na Lei Básica do território.

O Governo chinês já inaugurou, na passada semana, o Gabinete de Salvaguarda da Segurança Nacional em Hong Kong, oito dias após a entrada em vigor de nova legislação imposta à região por Pequim.

A polícia de Hong Kong passou também a ter poderes reforçados, para garantir o cumprimento da nova legislação, criticada pela comunidade internacional, advogados, ativistas e jornalistas.

O documento surgiu após repetidas advertências do poder comunista chinês contra a dissidência em Hong Kong, abalada em 2019 por sete meses de manifestações em defesa de reformas democráticas e quase sempre marcadas por confrontos com a polícia, que levaram à detenção de mais de nove mil pessoas.

Hong Kong regressou à soberania da China em 1997, com um acordo que garante ao território 50 anos de autonomia a nível executivo, legislativo e judicial, bem como liberdades desconhecidas no resto do país, ao abrigo do princípio “Um país, dois sistemas”, também aplicado em Macau, sob administração chinesa desde 1999.

Conselheiro do Governo diz que soberania chinesa pode justificar mexidas na lei da segurança em Macau

Já o advogado e conselheiro do Governo de Macau Leonel Alves tem uma visão diferente dos dois deputados José Pereira Coutinho e Sulu Sou. Leonel Alves afirmou à Lusa que “as novas necessidades de proteção da soberania nacional” chinesa podem justificar alterações à lei da segurança no território.

As declarações do ex-deputado da Assembleia Legislativa (AL) e atual presidente do Conselho Geral do Conselho das Comunidades Portuguesas surgem após o Governo de Macau, o antigo chefe do Executivo e vice-presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, Edmund Ho, e o diretor do Gabinete de Estudos Políticos do Comissariado dos Negócios Estrangeiros chinês no território defenderem que é preciso melhorar a legislação sobre a matéria.

Posições tomadas na sequência da legislação aprovada em 30 de junho por Pequim para a vizinha região administrativa especial chinesa de Hong Kong e que prevê a prisão perpétua (o que não sucede em Macau) e a punição para quatro tipos de crimes: atividades subversivas, secessão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras que ponham em risco a segurança nacional.

Em 2009, Macau aprovou a lei relativa à defesa da segurança do Estado, estabelecida no artigo 23.º da Lei Básica (‘miniconstituição’), mas Leonel Alves sustentou que há margem para melhorar o texto.

“A lei de Macau foi muito inspirada da matriz portuguesa, tendo em conta as balizas do atual Código Penal. Como nada é imutável, e tendo em conta as novas necessidades de proteção da soberania nacional, não vejo que não possa haver iniciativas visando a atualização da lei”.

“Afigura-se-me que, após cerca de dez anos de vigência da lei e apesar dela não ter tido aplicação contra nenhuma pessoa em concreto, não seria de todo despiciendo um esforço de análise comparativa de vários textos legais sobre a matéria de segurança nacional”, explicou o advogado, que esteve na Assembleia Legislativa de Macau entre 1996 e 2009 e que em 2008 se tornou membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês.

A lei da segurança nacional foi aprovada em Macau logo em 2009, mas as autoridades de Hong Kong nunca conseguiram fazer passar a legislação, apesar de tal estar prevista na Lei Básica do território.

O Governo chinês já inaugurou, na passada semana, o Gabinete de Salvaguarda da Segurança Nacional em Hong Kong, oito dias após a entrada em vigor de nova legislação aprovada pela Assembleia Popular Nacional para a região.

O novo organismo, que fica sob tutela do Governo chinês e não sujeito às instâncias judiciais de Hong Kong, vai “supervisionar, guiar, coordenar e apoiar” o executivo do território em questões de segurança nacional, enquanto “faz propostas sobre estratégias e políticas a seguir”.

A polícia de Hong Kong passou também a ter poderes reforçados, para garantir o cumprimento da nova legislação, criticada pela comunidade internacional, advogados, ativistas e jornalistas.

O documento surgiu após repetidas advertências do poder comunista chinês contra a dissidência em Hong Kong, abalado em 2019 por sete meses de manifestações em defesa de reformas democráticas e quase sempre marcadas por confrontos com a polícia, que levaram à detenção de mais de nove mil pessoas.

Hong Kong regressou à soberania da China em 1997, com um acordo que garante ao território 50 anos de autonomia a nível executivo, legislativo e judicial, bem como liberdades desconhecidas no resto do país, ao abrigo do princípio “Um país, dois sistemas”, também aplicado em Macau, sob administração chinesa desde 1999.

Constitucionalista diz que há diferenças nas leis da segurança de Hong Kong e Macau

O constitucionalista António Katchi disse à Lusa que as diferenças na lei da segurança aprovada em Macau e a imposta por Pequim a Hong Kong começam desde logo na violação da autonomia da antiga colónia britânica.

O constitucionalista elencou, contudo, uma série de distinções que evidenciam que a legislação para Hong Kong Hong Kong foi muito mais longe na moldura penal, na definição da tipologia de crimes, na criminalização do conluio com forças externas, na aplicação pessoal e territorial da lei, bem como nas medidas de coação e de garantia patrimonial.

“Desde logo, a lei imposta a Hong Kong viola cumulativamente a autonomia legislativa, executiva e judicial da região” administrativa especial chinesa, sustentou.

Afinal, salientou, não foi aprovada pelo órgão legislativo local, mas sim pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional da China; permite a participação de um organismo hierarquicamente dependente do Governo central na investigação de crimes contra a segurança do Estado; subtrai esse organismo, e respetivos agentes, ao ordenamento jurídico local; permite que suspeitos detidos em Hong Kong por alegada prática de crimes cometidos dentro do território sejam extraditados para o Interior da China, aplicando-se, após a extradição, a legislação vigente na China continental.

Um dado preocupante para António Katchi, porque “já se sabe que, no interior da China, as procuradorias e os tribunais estão subordinados à casta dirigente do Partido Comunista Chinês” e que muitos advogados “têm tentado exercer a sua profissão de modo sério e independente, mas esses, precisamente, são afastados e presos logo que procurem defender uma pessoa ou uma causa politicamente ‘melindrosa’”.

“A lei de Macau [em vigor desde 2009] não prevê nada daquilo (…). Todas as fases processuais decorrem em Macau e com a intervenção exclusiva de órgãos e agentes da RAEM [Região Administrativa Especial de Macau]”, frisou o jurista.

Isto porque “não há aqui [em Macau] qualquer organismo de investigação criminal dependente do Governo central nem possibilidade de extradição para o interior da China por crime perpetrado em Macau. Se houver aqui agentes secretos da RPC [República Popular da China], como por vezes se suspeita, estarão a atuar à margem da lei”, considerou.

A tipologia dos crimes é outra das diferenças: se lei em Macau “inclui na definição de quase todos eles a referência ao uso de violência ou de outro meio ilícito grave”, já em Hong Kong “há tipos cuja definição contém uma expressão próxima, embora sem o adjetivo ‘grave’ (caso do crime de subversão contra o poder político do Estado), mas há outros cuja enunciação abarca potencialmente o uso de qualquer meio (violento ou pacífico, legal ou ilegal)”, precisou.

Por outro lado, apontou, “a lei de Macau criminaliza apenas a prática, por associações políticas estrangeiras ou por associações políticas locais em ligação com aquelas, dos factos constitutivos dos restantes tipos de crime previstos na mesma lei (traição à Pátria, secessão do Estado, subversão contra o Governo Popular Central, sedição e subtração de segredos de Estado)”, enquanto a de Hong Kong (…) vai muito mais longe, visando um leque incomensuravelmente mais alargado de entidades, de ações e de objetivos”.

A moldura penal definida no caso de Hong Kong é uma das grandes diferenças. Isto porque a lei de Macau estabelece, como sanções principais, penas de prisão que oscilam entre um e 25 anos de prisão, mas na região vizinha “a moldura penal é invariavelmente fixada entre uma pena mínima de dez anos de prisão e uma pena máxima de prisão perpétua, e isto para um conjunto incomparavelmente mais vasto e heterogéneo (e menos claramente definido) de factos”, observou o constitucionalista.

Diferente é também o âmbito de aplicação pessoal e territorial da lei: em Macau não se aplica a factos praticados fora de Macau por pessoas que não residam em Macau, enquanto em Hong Kong considera-se que a lei “é aplicável a qualquer pessoa do mundo, independentemente da sua nacionalidade ou local de residência e, mais significativo ainda, independentemente do lugar onde tenha praticado o alegado crime, o que significa que, se pisar solo de Hong Kong, do interior da China ou de qualquer lugar do mundo donde possa ser extraditada para Hong Kong ou para o interior da China para ser julgada por aquele crime, poderá ser efetivamente julgada e condenada ao abrigo desta lei”.

As medidas de coação e de garantia patrimonial separam igualmente as duas legislações, na análise do constitucionalista: “a lei de Hong Kong erige a prisão preventiva em medida-regra, que só excecionalmente poderá ser afastada, sendo substituída, nesse caso, por caução; a lei de Macau não contém qualquer regime especial sobre esta matéria, permitindo assim a aplicação da legislação geral”.

“Refira-se ainda que a lei de Macau se situa exclusivamente no domínio do Direito Penal, ao passo que a lei de Hong Kong vai mais além: entra no domínio do Direito Processual Penal (onde aumenta consideravelmente os poderes das autoridades policiais, diminuindo correlativamente a necessidade de intervenção judicial) e aflora ainda matérias relacionadas com a educação, com a comunicação social e com a relação administrativa entre o Governo e as organizações estrangeiras presentes em Hong Kong”, concluiu.

Pequim aprovou a legislação sobre segurança nacional para Hong Kong, em 30 de junho.

A lei da segurança nacional foi aprovada em Macau logo em 2009, mas as autoridades de Hong Kong nunca conseguiram fazer passar a legislação, apesar de tal estar prevista na Lei Básica [mini-constituição] do território.

Hong Kong regressou à soberania da China em 1997 sob um acordo que garantia ao território 50 anos de autonomia a nível executivo, legislativo e judicial e liberdades desconhecidas no resto do país, ao abrigo do princípio “Um país, dois sistemas”, também aplicado em Macau, sob administração chinesa desde 1999.