A juíza já tinha avisado, portanto à terceira foi mesmo de vez: no dia 15 de maio, em plena crise pandémica nos Estados Unidos e no mundo, uma adolescente de 15 anos, aluna do 2º. ano num liceu público de Beverly Hills, povoação a 30 quilómetros de Detroit, foi detida e enviada para um centro de detenção juvenil por ter faltado sistematicamente às aulas online.
O delito foi considerado pela magistrada uma violação da liberdade condicional em que a aluna estava há meses — primeiro por ter agredido a mãe, depois por ter sido apanhada pelo sistema de vídeo da escola a roubar um telemóvel do cacifo de uma colega. E de nada serviram as desculpas da estudante nem o seu historial clínico — está diagnosticada com transtorno de défice de atenção com hiperatividade e, por isso mesmo, tem necessidades educativas especiais, tendo perdido todos os apoios assim que o ensino passou a ser feito à distância.
Ela não cumpriu a expectativa em relação ao desempenho escolar”, disse Mary Ellen Brennan, juíza do condado de Oakland, na leitura da sentença, em que se referiu à adolescente como uma “ameaça para a comunidade”. “Eu disse-lhe que ela estava sobre gelo fino e disse-lhe que ia manter à letra, à ordem, a liberdade condicional”, concluiu.
Mais de três meses depois, a ordem, que tem sido contestada por várias centenas de pessoas, tanto à porta do tribunal como da Children’s Village (o estabelecimento em que a adolescente está detida), mantém-se. Esta segunda-feira, dia 20 de julho, Mary Ellen Brennan recusou a moção para a libertação da estudante, que já está presa e longe da família há mais de três meses.
“Acho que estás exatamente onde devias estar. Ali estás a florescer, mas ainda há mais trabalho a fazer”, disse desta vez a juíza, revelando ainda que, antes de a estudante ter sido detida, a polícia tinha sido chamada por três vezes a sua casa, para resolver altercações entre ela e a mãe.
Ela não foi detida porque não fez os trabalhos de casa, foi detida porque era uma ameaça para a mãe”, fez questão de frisar a magistrada, numa altura em que o caso captou atenções nacionais e internacionais e foi colado ao movimento “Black Lives Matter”.
Vários advogados contactados pela plataforma de jornalismo de investigação ProPublica garantiram desconhecer qualquer outro caso idêntico em todo o país — apesar de existirem registos de dezenas de milhares de alunos que, nesta fase de ensino via Zoom, não cumpriram as metas estabelecidas: 15 mil nos liceus de Los Angeles, um terço dos alunos das escolas públicas de Minneapolis e um quarto dos estudantes das de Chicago, contabilizam a título de exemplo.
Como se não bastasse (e tal como aconteceu em Portugal, com as prisões de adultos), enquanto a estudante começava a cumprir pena, grande parte dos adolescentes detidos em centros de detenção nos Estados Unidos, por delitos leves, era autorizada a regressar a casa, como medida de prevenção para a pandemia.
Ao The New York Times, Rai LaNier, diretor regional do Michigan Liberation, uma organização que tem como objetivo “acabar com a criminalização das famílias e comunidades negras”, realçou as disparidades no condado de Oakland, maioritariamente branco, nomeadamente no que diz respeito ao acesso das crianças negras a respostas de ensino especial.
“Muitas crianças negras estão a ser introduzidas no sistema jurídico penal através da escola, através da detenção, através do envolvimento da polícia, porque não têm outro lugar para onde ir”, apontou o ativista, garantindo que para muitos pais negros da zona a regra já será essa: ou arranjam apoio para os filhos, ou já sabem que eles vão acabar por ter registo criminal, antes de atingirem a maioridade.
Para a mãe da adolescente há três meses detida — e que em tribunal confessou só querer ir para casa, para perto da mãe: “Não estou bem emocionalmente” —, mais do que uma provação, aquilo por que a família está a passar pode até vir a ser uma oportunidade.
“Esta situação é um desafio emocional, mas também é uma janela que se abre para um problema que precisa e merece atenção e solução, para que possamos evitar que outras crianças e famílias sejam negativamente impactadas por um sistema que supostamente lhes deveria oferecer apoio e proteção”, disse, numa declaração enviada à imprensa.