A ministra da Saúde recusou que o caso do bebé que nasceu com graves malformações no Hospital de Setúbal, em outubro do ano passado, mostre “as fragilidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, uma vez que o médico obstreta que acompanhou a gravidez da mãe de Rodrigo “não atuou neste contexto como médico do SNS”.

“Esta infeliz circunstância mostra as fragilidades do modelo regulatório”, afirmou Marta Temido, esta quarta-feira, na Comissão de Saúde, acrescentando que há “um conjunto de entidades” que têm obrigação de o melhorar.

O médico, que tinha sido expulso da Ordem, em junho, na sequência de cinco casos que estavam a ser investigados, foi entretanto aposentado, a 1 de julho, “independentemente dos processos que sobre si suscitam num conjunto de outras entidades”.

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A audição da ministra da Saúde e respetivos secretários de Estado começou com o requerimento do PAN sobre “o caso de um bebé que nasceu no Hospital de Setúbal com graves malformações”. Esta foi a última reunião com a presença do Governo na Comissão de Saúde nesta sessão parlamentar.

Rodrigo nasceu em outubro de 2019 sem olhos, sem nariz e sem uma parte do crânio. Depois deste caso se ter tornado público, ficou a saber-se não só que o obstetra Artur de Carvalho — que acompanhou a gravidez da mãe do bebé — tinha vários processos disciplinares pendentes na Ordem dos Médicos, como também a própria clínica onde foram realizadas as ecografias obstétricas tinha sido alvo de queixas na Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Além disso, veio a saber-se que a Ecosado não tinha convenção com a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT).

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Em resposta às questões levantadas pelos deputados dos vários partidos, o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales afirmou que esta situação “trata-se de uma conformidade da prática clínica”, algo que é da competência da Ordem dos Médicos, e  que “o Estado não pode, nem deve, substituir-se às entidades com responsabilidades em matéria disciplinar“.

O governante acrescentou ainda que a atuação da Ordem dos Médicos de ter como objetivo a “prossecução do interesse público” e que, nesse sentido, “deverá ter mecanismo interno de controlo da própria ordem que funcionem como entidade de supervisão”. Para tal, será necessária uma “alteração do estatuto”, algo que é da responsabilidade da Assembleia da República.

Estamos perante delegações de competências do Estado em associações profissionais que representam os profissionais, mas também do interesse dos cidadãos numa qualidade especial do exercício da profissão”, afirmou Marta Temido.

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Relativamente à “agilização de processo disciplinares pendentes”, o secretário de Estado indicou que se trata também “de matéria exclusiva da competência da Ordem dos Médicos“.

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Quanto à atuação da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), mais uma vez, Lacerda Sales sublinhou que o Governo não deve intervir num organismo independente, mas indicou que tem havido um reforço dos recursos humanos desta entidade: em 2015 havia 58 colaboradores e atualmente há 97. A ministra da Saúde acrescentou ainda que o orçamento da ERS “depende exclusivamente de receitas próprias”, sendo que o orçamento em 2015 era de 5.2 milhões de euros e este ano é de 9.4 milhões de euros — algo que decorre do alargamento das competências desta entidade, nomeadamente em questões de fiscalização.

Uma vez que a clínica onde foram realizadas as ecografias do bebé Rodrigo não tinha convenção com o Estado, tendo os atos que praticava sido faturados por uma segunda clínica convencionada, o secretário de Estado indicou que, por despacho da ministra da Saúde em novembro do ano passado, foi extinta a respetiva convenção.

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Não tenho dúvidas que este é um caso que nos responsabiliza a todos e que nenhum de nós está isento, porque feriu-nos naquilo que é de mais profundo, naquilo que são as nossas as nossas convicções, a nossa confiança, no funcionamento normal da qualidade de determinados atos”, afirmou ainda Marta Temido.

Número de utentes sem médico de família aumentou em 2019

Em 2018 havia 690 mil utentes sem médicos de família e esse número aumentou em 2019. De acordo com a ministra da Saúde, que respondia às questões dos deputados no âmbito do requerimento do PSD sobre o Relatório Anual de Acesso a Cuidados de Saúde nos Estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas relativamente ao ano de 2018, esta situação deveu-se ao aumento do número da população inscrita e à não retenção de médicos família no SNS.

Marta Temido indicou que, no primeiro semestre de 2020, aposentaram-se 127 médicos de família e, este ano, estão em condições de se reformarem 700 especialistas. Ainda assim, a governante afirmou que, tendo em conta a média de aposentações, o Governo estima que se possam reformar este ano 300 médicos de família, acrescentando que foram contratados 66 especialistas ao abrigo de mecanismo excecionais. A responsável pela pasta da Saúde referiu ainda que será aberto um concurso com 430 vagas.

Algumas das conclusões deste relatório, conhecido em setembro do ano passado, dão conta do aumento do número de cirurgias, graças aos hospitais privados e do setor social, e dos mais de 500 mil utentes que optaram por ter consultas em hospitais fora da sua área de residência, nomeadamente nas unidades da região de Lisboa e Vale do Tejo.

A ministra sublinhou que,em 2018, houve um aumento da emissão dos vales-cirurgia, que permitem ao utente recorrer a outras unidades hospitalares para realizar a sua intervenção cirúrgica, caso tenha sido ultrapassado 75% dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos (TMRG) sem que esta tenha sido marcada.

Para Marta Temido, esta situação mostra que se procurou “responder às necessidades dos utentes”, tendo em conta a diminuição dos TMRG. No caso de uma consulta cuja prioridade é considerada normal, o tempo máximo de resposta diminuiu de 180 para 150 dias e no caso das cirurgias com prioridade normal, passou de 270 para 180 dias.

Os vales-cirurgias e as notas de transferência que andavam na casa dos 127 mil em 2017 passaram para 250 mil em 2018″, indicou a ministra, acrescentando que em 2019 “se mantiveram nessa quantidade.”

A ministra indicou também que em 2018 houve um aumento da percentagem das consultas hospitalares fora dos TMRG — passou de 28% para 29% — e que, por isso, no ano seguinte, foi implementado um programa de recuperação das listas de espera.

Em 2019, continuou Marta Temido, houve um “esforço na redução na atividade assistencial com mais de um ano de espera”: no início do ano havia cerca de 99 mil utentes com mais de uma ano de espera e no final de 2019 “metade do problema” tinha sido ultrapassado. Algo que não foi conseguido com a cirurgia, uma vez que se geraram mais sete mil utentes à espera — em parte derivado ao aumento do número de consultas — , apesar de 2019 ter sido o ano com mais cirurgias realizadas, sublinhou a ministra da Saúde.

Relativamente a 2020, a governante referiu que foi afetada uma verba de cerca de 138 milhões de euros para recuperar a atividade assistencial e recordou que o programa para esta recuperação prevê, no que toca às consultas, um pagamento adicional aos profissionais de saúde até 95% do que é pago ao hospital no que toca às consultas — o valor para uma primeira consulta ronda os 34 euros — e, relativamente às cirurgias, um aumento até 75%.

Marta Temido afirmou também que já foram recuperadas algumas consultas no mês de junho: em maio, havia 900 mil consultas hospitalares por recuperar e no mês seguinte, esse número foi reduzido para 896 mil.

A responsável pela pasta da Saúde indicou ainda que pretende entregar o Relatório Anual de Acesso a Cuidados de Saúde nos Estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas relativamente ao ano de 2019 até ao final do mês de julho.

Cuidados paliativos: há 387 camas, mas deveriam ser 491

A ministra da Saúde abordou a questão dos cuidados paliativos, a propósito de um requerimento do CDS sobre “o acesso aos cuidados paliativos em Portugal”.

Atualmente, segundo Marta Temido, existem 387 camas de cuidados paliativos, quando deveriam existir 491 camas — a Comissão Nacional para os Cuidados Paliativos indica que a rede deve ter entre 40 a 50 camas por milhão de habitantes.

Em março deste ano, o CDS instou o Governo a reforçar, de forma “urgente”, o número de camas e de equipas destes cuidados, considerando “ser da maior pertinência e urgência” que sejam tomadas “medidas concretas e eficazes para assegurar o acesso a cuidados paliativos a todos os doentes que deles necessitam”.

Durante a audição, a ministra da Saúde indicou que o Governo tem apostado em “equipas consultoras” de cuidados paliativos, que se deslocam aos locais onde estão os doentes que precisem destes cuidados.

Ainda em termos de números, Marta Temido sublinhou que, atualmente, existem 44 equipas interhospitalares de suporte de cuidados paliativos, quando deveria haver uma por hospital, e que estão em funcionamento 27 equipas comunitárias, quando deveriam ser 54 equipas nos Agrupamentos Centros de Saúde (ACES). Relativamente às equipas comunitárias, a responsável pela pasta da Saúde indicou que, nesta legislatura, foram criadas mais quatro equipas: no ACES Maia/Valongo, no ACES Espinho/Gaia, no ACES Gaia e no ACES Almada-Seixal — todas elas criadas em 2019. Foi também criada uma equipa no ACES de Gondomar, mas que não está em funcionamento.

Este ano, o nosso investimento nesta área envolveria a criação de 10 equipas comunitárias”, afirmou Marta Temido, acrescentando que está prevista a criação de mais seis equipas: na Unidade Local de Saúde (ULS) do Norte Alentejano, na ULS de Castelo Branco, no ACES do Baixo Vouga, no ACES do Cavado, no ACES Lisboa Norte e no ACES de Lisboa Ocidental.

A responsável pela pasta da Saúde indicou ainda que, em Portugal, há apenas 59 médicos com competência em Medicina Paliativa e que, entre 1 de janeiro e maio de 2020, foram atendidos sete mil utentes em unidades de cuidados paliativos.

Segundo a ministra, o Governo está a trabalhar nas instalações de cuidados paliativos no IPO de Lisboa, sendo que já estão no terreno as equipas interhospitalares pediátricas especializadas: uma no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, uma no Centro Hospitalar de Lisboa Central, uma outra em Coimbra e mais uma no Hospital de São João, no Porto.

“Não lançaremos novas PPP”

Já no final da audição, tanto a ministra da Saúde como a secretária de Estado Adjunta e da Saúde, Jamila Madeira, abordaram a questão da nova parceria público-privada (PPP) do Hospital de Cascais, a propósito de um requerimento do Bloco de Esquerda e do PCP.

Marta Temido afirmou que, tal como está previsto na Nova Lei de Bases da Saúde, o Governo só recorre a estas parcerias em “situação de necessidade fundamentada”. No entanto, os processos que estavam em curso à entrada da regulamentação da Nova Lei de Bases da Saúde “correram os seus trâmites”, tendo sido precisamente esse o caso do Hospital de Cascais.

Não nos arrependemos das opções que tomamos, reafirmamo-las. Elas são absolutamente claras no nosso programa de Governo: não lançaremos novas PPP e não é por uma questão ideológica, é pelo que aprendemos neste processo.”

O Hospital de Cascais será gerido pela Lusíadas Saúde, em regime de parceria público-privada (PPP) até 2021, depois de uma prorrogação por mais três anos do contrato que terminaria em 2018. Em maio deste ano, o Governo aprovou o lançamento de uma nova PPP para a gestão e prestação de cuidados de saúde no Hospital de Cascais.

Marta Temido recordou os aspetos “relacionados com a gestão clínica” que foram revistos no novo concurso. São eles um alargamento do “perfil assistencial”, com a inclusão de novas especialidades; a integração da atividade de psiquiatria comunitária na prestação de cuidados de saúde e a criação do Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência; e o alargamento da área influência do hospital, passando a abranger a população do concelho de Sintra, que hoje em dia pertencem à área de influência do Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra), podendo assim aliviar a pressão sobre este hospital.

Segundo uma resolução do Conselho de Ministros, publicada em Diário da República a 24 de abril, esta nova PPP tem como teto máximo uma despesa 859,6 milhões de euros, que será repartida entre 2022 e 2029.

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