A Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC) organizará a Volta a Portugal “possível” no contexto da pandemia de Covid-19, com Delmino Pereira a prometer que tudo fará para que a prova aconteça, mas a reconhecer que há fatores impossíveis de controlar.

“O que podemos garantir é que vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para conseguir organizar a Volta a Portugal ‘edição especial 2020’. O resto… de facto, há fatores que não são possíveis de controlar, especialmente esta doença, a sua instabilidade. É a maior dificuldade de todas as dificuldades, porque não nos permite planear, não nos permite dizer com segurança aquilo que é o nosso grande objetivo, que é, efetivamente, organizar a Volta”, reconheceu o presidente da FPC.

Em entrevista à agência Lusa, Delmino Pereira apontou uma eventual evolução negativa da pandemia em território nacional — com um ‘boom’ de casos na ‘véspera’ da prova, remarcada entre 27 de setembro e 5 de agosto — como “o principal” fator que obrigaria a federação a “desmontar a Volta”.

“Espero que seja apenas esse, que os outros seja possível dominá-los”, desabafou. Entre esses fatores, o mais premente parecem ser as autarquias, pelo que a FPC já iniciou a missão de explicar “porta a porta, caso a caso”, que medidas vai implementar para organizar a principal corrida do calendário nacional “com as normas definidas pela Direção-Geral da Saúde (DGS)”, e quais são os constrangimentos inerentes a uma “edição especial”, condicionada pela pandemia.

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Apesar do trabalho junto das autarquias estar ainda “numa abordagem inicial”, Delmino Pereira perspetiva que a edição especial da Volta a Portugal será muito semelhante à 82.ª edição, que deveria ir para a estrada entre 29 de julho e 9 de agosto e foi adiada, embora admita que, caso os municípios continuem renitentes quanto à passagem da caravana, possa ter de abdicar de etapas míticas, como a da Torre ou da Senhora da Graça.

“Faremos a Volta que for possível. É uma corrida, deve ter o seu equilíbrio, o seu espaço de montanha, plano, para contrarrelogistas. Deve ser uma prova com cabeça, tronco e membros. Faremos tudo o que for possível, mas temos ainda muitas subidas em Portugal para descobrir. Terá, forçosamente, de ser uma Volta a Portugal mais ou menos como aquilo que conhecemos”, esclareceu.

“Aqui, o fator mais importante, é que a Volta a Portugal é um evento de interesse nacional. É um evento que interessa ao nosso país. Precisamos de trazer para a rua outros eventos que venham dar um pouco de alento à nossa sociedade, e a Volta pode ser esse evento especial e pode ser um evento que ajuda a economia em época mais baixa. Pode ser um evento que venha dar colorido, venha promover o orgulho nacional, o espírito da superação, de resistência, da nossa obrigação e da nossa capacidade de ultrapassar uma doença que, neste momento, não estamos a conseguir ultrapassar”, destacou.

Notando que a sociedade está “completamente exausta”, o presidente da FPC acredita que é preciso “oferecer um pouco de emoção e alegria e até de energia positiva à população”, e “nada melhor do que ver um pelotão a passar” para consegui-lo, uma convicção que transmitiu quer ao Governo, quer ao Presidente da República.

“Nessa altura, haverá menos pessoas na rua, não haverá tanto calor, muitas pessoas já estarão a trabalhar. Iremos fazer uma prova responsável, mas, efetivamente, temos de continuar a viver. Foi esse o desafio (transmitido às autoridades nacionais) e é uma característica reconhecida por toda a sociedade, e também pelo Presidente da República, a importância de termos um evento com esta dimensão, que nos motive, e nos faça encarar o futuro com mais esperança”, pontuou, esperando que a Volta atinja “esse estatuto” pela voz de Marcelo Rebelo de Sousa.

Delmino Pereira negou ainda qualquer diferendo com a Podium, dizendo perceber que a concessão da Volta a Portugal tem “uma lógica comercial”, que num contexto de pandemia, perante “circunstâncias especiais e as “muitas regras que a DGS” impôs, “não era possível executar”, uma realidade que levou a FPC a avançar para organizar a corrida nas novas datas.

“Por isso, tivemos de avançar para uma solução alternativa e penso que vamos arranjar uma solução boa para todos”, acrescentou, referindo que as situações que levaram a empresa a não conseguir organizar a prova este ano são “perfeitamente compreensíveis e aceitáveis”.

“São circunstâncias que teremos de aceitar, porque são de natureza contratual”, rematou.

Risco na Volta não está “reduzido a zero”, mas está “bastante controlado”

O presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo defende que o risco de organizar a Volta a Portugal não está “reduzido a zero” relativamente à Covid-19, mas estará “bastante controlado” se for para a estrada a 27 de setembro.

Delmino Pereira reconheceu que só será possível organizar a Volta a Portugal se houver um equilíbrio entre o desejo de salvaguardar o futuro profissional do pelotão e o de proteger a saúde dos ciclistas e da população em geral.

“Vejo que, efetivamente, não temos risco reduzido a zero, mas temos o risco bastante controlado. E a Volta a Portugal nesta altura do ano será um evento controlado, até porque vamos ter a experiência de outras provas que, entretanto, recomeçaram e, portanto, com certeza, teremos o processo mais aperfeiçoado, e será uma boa operação para os municípios, para as regiões”, sustentou.

“A crueldade desta doença é esta: de um momento para o outro, tudo pode mudar. É preciso perceber isto. Todos nós temos de ter humildade: temos de fazer tudo ao nosso alcance para que corra bem, mas a verdade é que de um momento para o outro tudo pode correr mal”, ressalvou, ao admitir que o pelotão ficou abalado pelo adiamento do Troféu Joaquim Agostinho, apenas quatro dias antes do arranque, devido a um caso positivo de Covid-19 entre a organização da prova.

Embora confesse temer “tudo”, inclusive um cenário semelhante ao vivido na Volta aos Emirados Árabes Unidos, cancelada a duas etapas do final, devido a casos de Covid-19, Delmino Pereira acredita que, dado o plano desenhado pela FPC e ‘carimbado’ pela DGS, essa eventualidade está “minimamente salvaguardada”.

“Estão a ser tomadas medidas para que uma situação a essa dimensão não aconteça”, completou, esclarecendo que, caso haja um caso de infeção entre os ciclistas participantes na Volta a Portugal, dificilmente a corrida será suspensa.

“Tem muita a ver com a convivência onde os atletas estão incluídos, principalmente nas equipas. Isto será sempre também uma decisão de entidade local de saúde e da DGS, mas, à partida, todo este rasto de contágio fica muito direcionado no próprio grupo e na própria equipa. À partida, a situação está a seguir um protocolo que não é de propagação no pelotão, mas dentro do próprio grupo”, indicou.

De acordo com o plano de contingência para a realização da Volta a Portugal, os ciclistas terão de ser monitorizados pelas equipas médicas, com distanciamento físico assegurado e a não existência de concentrações superiores a 20 pessoas, além de outras medidas, como o estabelecimento de coortes (bolhas, de forma a estarem separadas) para cada equipa, sendo que o pelotão não deverá partilhar hotéis. “As equipas são as primeiras a ter um comportamento irrepreensível, ao nível de evitar os contágios, e, portanto, esta questão, neste momento, é um risco que vamos ter de correr, sendo que será, claramente, um risco controlado”, reiterou o dirigente federativo.