O Tribunal de Recurso timorense considerou inconstitucional uma proposta de decreto-lei do governo relativa ao regime jurídico da vigilância epidemiológica e sanitária a aplicar na resposta à Covid-19 depois do fim do estado de emergência.

A decisão do Tribunal de Recurso respondeu a um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade pedida pelo Presidente, Francisco Guterres Lu-Olo, ao decreto aprovado a 17 de junho pelo governo. O coletivo de juízes considerou que o decreto-lei em causa “pretende legislar sobre matéria da competência do Parlamento Nacional” sem que apresente qualquer autorização do órgão.

Em causa estavam várias medidas no campo epidemiológico e sanitário que permitem manter vigilância acrescida à Covid-19, especialmente nas fronteiras do país, depois do fim do atual estado de emergência. As medidas implicam restrições a direitos, liberdades e garantias que “só podem ser feitas por lei, lei parlamentar ou por decreto-lei devidamente autorizado“, segundo o tribunal.

Na prática, tratava-se de uma tentativa do governo manter grande parte das medidas que aplicava no estado de emergência, nomeadamente no que toca a fecho de fronteiras e quarentena obrigatória, mas sem as autorizações conferidas pelo estado de exceção.

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O tribunal questionou aspetos como o “internamento ou tratamento compulsivo” proposto no diploma que “não define ou regulamento o modo como se concretizará” essa aplicação. “O decreto-lei não contém garantias do gozo dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos”, refere-se no acórdão.

No pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade — que a Presidência da República não tinha revelado publicamente ter pedido —, Francisco Guterres Lu-Olo notou que o governo “não pode concretizar medidas restritivas dos direitos, liberdades e garantias fundamentais”, já que a competência para o fazer cabe ao parlamento.

“O alcance destas medidas e desde logo os seus pressupostos (…) têm implicações constitucionais e legais que não podem deixar de ser consideradas com a maior cautela”, considerou.

Em resposta ao tribunal, o primeiro-ministro, Taur Matan Ruak, argumentou que “o conteúdo da liberdade de cada um não pode incluir a faculdade de contagiar outros, de colocar em risco a sua vida, a sua integridade física e a sua saúde, assim como o equilíbrio geral da sociedade que se rompe, inevitavelmente, em situações de surtos epidémicos”.

O diploma visava “oferecer às autoridades de vigilância epidemiológica e sanitária um leque de medidas adequado à proteção e promoção da saúde pública, quer em tempos de normalidade quer em circunstâncias de emergência, sem prejuízo do regime especial dos estados de exceção constitucional”, explicou o governo em comunicado. Trata-se, referiu o executivo, de garantir os “mecanismos de proteção da saúde pública, procurando evitar e neutralizar riscos de disseminação e alastramento de doenças na população”.

Timor-Leste está atualmente sem casos ativos de Covid-19 — depois de um máximo de 24 —, terminou o terceiro mês de estado de emergência a 27 de junho, mas continua praticamente fechado, especialmente no que toca a ligações aéreas.

Presidente timorense veta decreto sobre vigilância epidemiológica e sanitária

Em comunicado divulgado esta segunda-feira, a Presidência da República explicou que o chefe de Estado, Francisco Guterres Lu-Olo, vetou o decreto na sexta-feira, remetendo o texto ao governo para “ser reformulado em conformidade com o acórdão do Tribunal de Recurso”.

O Presidente da República considera fundamental que o Governo promova e adote as medidas necessárias à proteção e garantia da saúde pública, tendo em conta as circunstâncias de risco sério a que o nosso país está sujeito em face da evolução da pandemia da Covid-19”, refere-se no comunicado.

“O Governo afirmou que era necessário haver uma mais completa regulação normativa das medidas de proteção e promoção da saúde pública no domínio específico das doenças infetocontagiosas”, recorda-se no comunicado da Presidência.

Francisco Guterres Lu-Olo questionou em particular os artigos referentes a questões como a vigilância de contactos na comunidade — “indefinição da medida de restrição social” -, a “vigilância sanitária ordinária de tratamento compulsivo” e a “vigilância sanitária extraordinária”.

Questionou ainda aspetos como confinamento domiciliário compulsório restrito a áreas afetadas; confinamento compulsório de grupos de pessoas a locais, edifícios ou meios de transporte; cercas sanitárias; requisição de bens, estabelecimentos, serviços e profissionais de saúde, declaração de grave emergência de saúde pública e “medida de restrição de circulação rodoviária que pode acompanhar confinamento e cercas sanitárias”.

O Presidente da República argumentou que as referidas medidas estabelecem restrições aos direitos, liberdades e garantias fundamentais das pessoas e estas matérias são matérias dentro da competência legislativa do Parlamento Nacional e por isso o Governo não pode legislar sobre restrições aos direitos, liberdades e garantias fundamentais”, refere-se no comunicado.