Com público mas limitado devido à pandemia. Com os melhores mas sem se perceber o efeito que a longa paragem vai ter. Com um prémio para o vencedor de meio milhão de libras (cerca de 550 mil euros) mas sem se saber qual será o impacto económico direto e indireto da competição. Com transmissão televisiva mas sem ser capaz de prever o reflexo do hiato que houve nas grandes competições da modalidade. O Crucible Theatre, em Sheffield, recebe a partir desta sexta-feira e até 16 de agosto o Campeonato do Mundo de snooker, a primeira grande prova deste tipo a regressar entre as dezenas e dezenas de adiamentos e cancelamentos dos últimos meses, entre vários “mas” e protestos de alguns jogadores como Ronnie O’Sullivan, que preferia ter adiado um pouco mais a competição.

“Desafio alguém que tenha mantido distância das pessoas durante quatro meses a dizer, ‘Pois, agora tens de ir para uma sala cheia de pessoas’. A menos que tenhas um desejo de morrer e algumas pessoas têm-no de várias formas e simplesmente não querem saber. Mas se és uma das pessoas que se preocupa com a sua saúde e estás a levar isto a sério, imagino como te sentes. Seria estranho entrar numa sala com dez pessoas que não conheço e já o fiz. Não me senti confortável”, disse em declarações citadas pela BBC. Talvez tenham de começar a testar multidões em alguma fase e já ouvi pessoas a dizer que estão a tratar um evento de snooker como ‘ratos de laboratório’ porque tens de começar por algum lado, então começa-se pelos jogadores de snooker. Pagas menos seguro do Anthony Hamilton que do Lewis Hamilton”, criticou, aludindo também aos problemas de asma do jogadores inglês.

Mas o Mundial vai mesmo avançar e os melhores estão lá quase todos. Judd Trump, inglês que se sagrou campeão mundial do ano passado. Mark Williams, galês que foi vencedor em 2018 que chega como terceiro melhor do ranking. Stuart Bingham, inglês que conquistou a prova de forma surpreendente em 2015. O’Sullivan, inglês que é pentacampeão mundial (2001, 2004, 2008, 2012 e 2013) e uma das figuras mais carismáticas de sempre da modalidade. John Higgins, escocês que se sagrou campeão em 2007 (ao contrário de Graeme Dott, vencedor em 2006 que caiu agora na qualificação). Neil Robertson, atual número 2 do mundo que teve o seu momento de consagração em 2010. E é no meio destes “tubarões” que figuram na lista dos campeões da última década que aparece Mark Selby, inglês que surge no sétimo lugar do ranking e que ganhou em 2014, 2016 e 2017.

Antigo número 1 do ranking mundial durante vários meses, que teve em 2016 aquele que descreveu como o melhor ano da sua vida não só pelo triunfo no Campeonato do Mundo mas também pela vitória do clube da sua cidade e pelo qual torce, o Leicester, na Premier League, Selby começou até no pool antes de passar para o snooker, com nove anos. O irmão do antigo jogador Willie Thorne, Malcolm, reconheceu o potencial que tinha e levou-o para o seu clube, com treinos a seguir às aulas. Com 16 anos, e depois da morte do pai, David, vítima de cancro, enveredou pelo profissionalismo deixando de lado a escola sem terminar o ensino secundário e, pouco mais de duas décadas depois, com dezenas de vitórias internacionais e prémios na ordem dos seis milhões de euros, provou que foi uma aposta com tanto de arriscada como de ganha. Mas o inglês quer ainda mais nesta fase da carreira.

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“Em termos gerais, fomos um dos primeiros desportos a voltarem em direto à TV, mesmo sem público voltámos primeiro do que o futebol. Toda a gente estava a chorar por desporto depois de meses de total paragem e foi bom para nós. Preparação diferente? À parte do lado mais mental e das preocupações, não houve nada que tenha feito de muito diferente. A parte física e os treinos foram diferentes apenas porque não podemos estar com tanta gente nem competir em provas internacionais. Normalmente, antes do Mundial, tento fazer o máximo de jogos possível com jogadores do Tour, agora preparei-me mais sozinho, joguei apenas com um ou dois”, começou por comentar o tricampeão mundial em declarações ao Eurosport, na antecâmara do arranque da prova.

“Ganhar o quarto Campeonato do Mundo seria fantástico. Tenho a sensação que atingi tudo o que queria atingir na modalidade e mais um bocado mas continuo a jogar porque continuo a gostar de competir. Ganhar um quarto Mundial é um dos meus grandes objetivos, claramente. E se não for este ano, ainda tenho algum tempo para continuar a tentar”, destacou Mark Selby.

Ao contrário de O’Sullivan, e apesar de todas as precauções, o inglês mostra-se satisfeito com o regresso do público e fala também do regresso às rotinas habituais. “Quando jogámos dois torneios em Milton Keynes à porta fechada, no primeiro já estávamos habituados porque costuma ser assim mas no segundo foi difícil, porque estamos habituados a casa cheia. Sei que agora não haverá muita gente, dizem que serão 150 a 200, talvez 100 em cada um dos lados, mas alguns são melhores do que nenhum. Espero que este seja o início para o que virá no futuro e que será ter cada vez mais gente. Durante a pandemia fiquei em Leicester, a dar aulas à minha filha em casa e se o snooker não correr bem, posso tentar ser professor. Ainda agora o David Gilbert, com quem joguei na semana passada, estava a dizer algo do género ‘Durante as primeira semanas, só queria sair de casa mas, de repente, já lhe custa imenso chegar a casa e depois sair’. Voltam a ganhar-se os hábitos mas é tudo estranho”, comentou.

“Depois do Mundial, e até ao final da época, tenho de ir vendo torneio a torneio o que vou ou não jogar porque as restrições estão um pouco menos severas mas depois chega o inverno, fala-se numa segunda vaga e com este vírus não podemos pensar muito a longo prazo. Normalmente vamos à China seis a sete vezes por ano mas isso foi empurrado para 2021. Penso que com isso o calendário ficará mais restrito a torneios mais em Inglaterra. Gostava de jogar na China no próximo ano mas ninguém sabe se será possível”, concluiu.