Portugal repatriou nesta sexta-feira 264 portugueses da Venezuela, quase metade deles oriundos da Madeira, que tinham ficado retidos no país devido à pandemia do novo coronavírus. Estes portugueses foram repatriados num voo organizado por Portugal, que transportou ainda outros 100 cidadãos de outras nacionalidades, principalmente europeus.

O voo, o segundo organizado por Portugal, operado pela companhia aérea portuguesa Hifly, descolou do Aeroporto Internacional Simón Bolívar de Maiquetía (28 quilómetros a norte de Caracas) pelas 20:39 de sexta-feira (01:39 de hoje em Lisboa) com destino à capital portuguesa.

“Neste voo vão 374 pessoas, 264 portugueses e desses portugueses cerca de 50% destinados à Madeira. Temos um grande número de italianos, também venezuelanos, espanhóis e coreanos”, disse o cônsul-geral de Portugal em Caracas.

O gabinete de Augusto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros, também divulgou via Twitter a confirmação da realização deste voo que transportou 372 passageiros, “nacionais portugueses e de outros países europeus”, lê-se.

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Em declarações à agência Lusa, Licínio Bingre do Amaral explicou que o processo para chegar até ao aeroporto foi longo e complicado, devido às restrições à circulação no âmbito das ações de prevenção e combate à covid-19. “Estava muito complicado devido aos controlos de segurança na autoestrada. Nós [diplomatas] demorámos uma hora e meia a chegar e não sei como fizeram algumas pessoas. Umas chegaram muito cedo, mas todas demoraram muito tempo a chegar ao aeroporto”, explicou.

O diplomata disse ainda que a maior parte dos passageiros lusitanos “querem regressar a Portugal” e que “continua a haver muita gente, com bilhetes de avião [comprados] que vieram e não puderam voltar”. “Também há casos de saúde, de pessoas que estão a fazer tratamento oncológico e outros mais complicados, que aqui [na Venezuela] não têm condições e têm residência em Portugal e vão para Portugal”, acrescentou.

“No caso de Portugal no [primeiro] voo que tivemos e agora com este não temos tido problemas junto das autoridades, deram-nos apoio e as coisas correram bem”, frisou ainda o diplomata. “Espero que o espaço aéreo abra em breve, para que muitas das pessoas que ainda estão cá, possam regressar tranquilamente a Portugal nos voos normais”, desabafou.

Por outro lado, recordou que os consulados-gerais de Portugal em Caracas e em Valência, estão a trabalhar, que “basta contactar por e-mail” para ser feita uma marcação. O diplomata recomendou aos lusitanos que cumpram a quarentena porque “em termos de saúde neste momento é muito importante porque aparentemente o pico (de contágios) na Venezuela será agora”. Por outro lado, explicou que ainda não há pessoas em lista de espera que justifique a organização de outro voo.

Desde março e incluindo o voo de hoje, 530 portugueses foram repatriados da Venezuela, 181 deles em 13 de junho, num voo organizado por Portugal. Pelo menos 85 portugueses regressaram a Portugal noutros voos organizados pela União Europeia, Espanha e França.

Na Venezuela estão confirmados 18.574 casos de pessoas infetadas e 164 mortes associadas ao novo coronavírus. Estão também dados como recuperados 10.666 pacientes. O país está desde 13 de março em estado de alerta, o que permite ao executivo decretar “decisões drásticas” para combater a pandemia. Os voos nacionais e internacionais estão restringidos até 12 de agosto, estando a população impedida de circular entre as distintas regiões do país.

“Se é para morrer de fome na Venezuela, eu morro em Portugal”

Reencontrar-se com a família, fazer tratamento médico e viver em Portugal foram alguns motivos apontados por alguns dos 264 portugueses repatriados da Venezuela para regressarem ao país no voo de sexta-feira organizado por Lisboa.

Para os lusos, Portugal representa segurança e estabilidade, ao contrário do país de acolhimento, a Venezuela, que continuam a “amar”, mas onde lhes falta a “esperança”.

Há 65 anos, Francisco Ferreira, natural do Campanário, Madeira, emigrou para a Venezuela onde, dois anos depois quase perdia a vida nos acontecimentos que levaram à queda da ditadura de Marco Pérez Jiménez (presidiu o país entre 1953 e 1958) e hoje acredita que o melhor é regressar. “Fui comerciante no Mercado de Coche [o maior de Caracas] durante 45 anos, mas há cinco anos reformei-me porque o mercado [economicamente] ia muito mal”, explica à agência Lusa. Com a bagagem na mão, desabafa: “agora a necessidade obriga-me a emigrar para o mesmo sítio de onde eu vim há 65 anos. Se é para morrer de fome na Venezuela, eu morro em Portugal”. E recorda: “em 1967 quando derrocaram Pérez Jiménez quase me mataram e graças a Deus estou vivo por um milagre”. “Eu amo muito a Venezuela, é o país mais belo do mundo. A sua gente é boa. Mas chegaram uns criminosos a mandar, que nunca mais deixarão o poder. Eu não tenho esperança e é por isso que vou embora”, frisa.

José Adelino dos Santos Marques, comerciante, era outro português ansioso por chegar a Portugal. “Sou comerciante e estou aqui porque a covid-19 prejudicou-nos a todos. Vou porque consegui este voo. Tive um acidente, no dia 14 de maio. Uns funcionários do Governo chocaram forte contra o meu carro. Estou mal (…), não posso caminhar e vou a Portugal me operar”, disse. Natural da Maia, Porto, agradece ao Governo português por este ter organizado o voo. “Não podia continuar aqui porque ninguém se pode operar aqui, os hospitais não servem e as clínicas tampouco. E agora com a covid-19 na Venezuela isto é um perigo. Em Portugal, pelo que temos visto está um pouco melhor”, disse.

Sónia de Pita, doméstica, viajou para a Venezuela, em novembro de 2019 e previa regressar em maio, mas não pôde devido à pandemia. Na Venezuela, afirma, consegue-se muito poucos remédios, mas alegra-se porque “trouxe quase todos os medicamentos de lá [de Portugal], e lá pagava uma ‘tontería’ [valor simbólico] pelos medicamentos”, explica à Agência Lusa. Agradece à embaixada, à agência de viagens e diz que “tudo caminhou bem, com uma pandemia, é muito o que se conseguiu fazer”. O marido, Jorge Pita, comerciante, meteu-se na conversa e explica que casaram em 1977, que comprou casa há dois anos e que decidiu ir viver definitivamente para Portugal. “Na Madeira, há muita segurança com relação à covid-19. O funcionamento hospitalar é uma maravilha. Muita gente que vive em Portugal não se dá de conta disso e alguns teriam que viajar ao estrangeiro para dar-se de conta de que aquilo [lá] é bom”, disse.

Para a Madeira vai também Arturo Calderón, um venezuelano, radicado há três anos naquela região autónoma, que em fevereiro viajou para a Venezuela por motivos comerciais e “foi apanhado pela pandemia”. “Graças a este voo, estou saindo para poder ver a minha família de novo, para nos reencontrarmos. Conheço muitas pessoas que estão presas aqui e não podem sair, porque não há voos, todo o espaço aéreo está fechado”, disse este comerciante. Calderón, agradece à agência de viagens, ao Centro Português de Caracas e ao consulado “que deu uma mão para obter todas as autorizações e poder chegar ao voo”.