Não é exagerado dizer que há muito tempo que não se via Luís Filipe Vieira tão feliz. Depois de uma temporada difícil e esvaziada de objetivos, em que a retoma acabou por sacrificar um treinador que acabou a época anterior com o rótulo de salvador, Luís Filipe Vieira tem andado cabisbaixo. Entre o anúncio da saída de Bruno Lage, o Campeonato desperdiçado para o FC Porto, a Taça perdida para o mesmo rival e a antecipadamente complexa corrida eleitoral, Vieira não tem tido muitos motivos para sorrir. Mas esta segunda-feira, no Seixal, Vieira sorriu, riu, deu gargalhadas e cumprimentou os convidados. Afinal, tinha acabado de apresentar aquele que sempre foi o seu eleito desde que assumiu que tinha chegado ao fim um ciclo: Jorge Jesus.

“Só uma pessoa e um clube é que me podiam convencer a sair do Brasil”. Jorge Jesus apresentado como novo treinador do Benfica

“Vamos arrasar, vamos arrasar”, repetiu Vieira enquanto cumprimentava antigos e atuais jogadores, antigos e atuais elementos da estrutura e outros convidados da apresentação oficial de Jorge Jesus como novo treinador do Benfica. O mote tinha dado precisamente pelo técnico: “Vamos fazer uma grande equipa. Vamos arrasar”, disse Jesus, numa das últimas respostas aos jornalistas, numa frase que ecoou claramente na cabeça do presidente encarnado. Entre cumprimentos a Pimenta Machado, antigo presidente do V. Guimarães e amigo de Jesus, e brincadeiras com Pietra, que vai manter-se como treinador adjunto, o abraço mais intenso estava guardado para outra pessoa – Eliseu, um dos antigos jogadores de Jesus que compareceu na apresentação. A par de Eliseu, também Artur Moraes e Júlio César estiveram presentes, assim como os cinco atuais capitães do Benfica, que formavam a fila da frente da plateia (Jardel, André Almeida, Pizzi, Rúben Dias e Samaris).

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Essa foi, aliás, a dinâmica que ficou patente durante toda a apresentação: não esquecer o passado a olhar para o presente e pensar o futuro. Jorge Jesus garantiu que não regressou ao Benfica para se reformar, que só quis assinar por dois anos quando Vieira tinha proposto quatro inicialmente (e chegou a pedir só um ano de vínculo), mas fez questão de vincar tudo aquilo que conquistou na primeira passagem pelo clube. Não que fosse propriamente preciso – a ladear o púlpito onde falaram Vieira e Rui Costa, para além do treinador, estavam os dez troféus que Jesus ganhou na Luz de 2009 a 2015, entre três Campeonatos, uma Taça de Portugal, cinco Taças da Liga e uma Supertaça, para além de ficarem assinaladas as duas finais da Liga Europa perdidas. Além disso, e antes da conferência de imprensa propriamente dita, foi transmitido um vídeo que juntava alguns dos melhores momentos dos seis anos do técnico no Benfica e recordava a primeira apresentação, em 2009, também com a presença de Vieira e Rui Costa. Na BTV, Jonas e Siqueira recordaram os tempos na Luz com o treinador.

Mas não era essa a única semelhança entre uma e outra apresentação. Com 11 anos de diferença, Jorge Jesus vestiu-se exatamente da mesma maneira: fato escuro, camisa branca, gravata vermelha. Falou, sublinhou a vontade de ganhar por ser isso aquilo a que está “habituado”, lembrou o Flamengo mas não quis comentar o substituto que estava a ser apresentado à mesma hora (Domènec Torrent, que disse pensar o jogo como o antecessor), explicou que é agora “conhecido em todo o mundo”, posou para a fotografia da praxe com Vieira e Costa desceu da espécie de palco montado em cima do relvado sintético. Cumprimentou Luisão, que vai integrar a estrutura encarnada como diretor técnico, dirigiu-se depois aos cinco capitães e movimentou-se pelas filas mais recuadas, onde estavam alguns convidados (Júlio António ou Carlos Janela, além de vários vices da Direção) e o advogado Luís Miguel Henrique, antes também de acenar aos jornalistas.

À porta do Seixal, além dos aplausos aos jogadores que passaram, saltava à vista a camisola com o nome de Jesus. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

E se dentro do Campus do Seixal o sentimento era de felicidade e tranquilidade, com jazz a tocar antes e depois da apresentação, num ambiente que fazia lembrar um coffee break no lobby de um qualquer hotel, cá fora a sensação era de expectativa. Alguns adeptos, cerca de três dezenas, aguardaram pela entrada dos principais nomes que marcaram presença no evento, com Luisão e o suíço Haris Seferovic a serem os mais aplaudidos. Entre conversas indiscriminadas sobre o regresso do treinador e as opções dos antecessores – “aquilo não é só pôr avançados lá para dentro!”, ouvia-se –, saltava à vista uma camisola: nas costas, ao invés do nome de um jogador, lia-se Jesus. O número, esse, era o 33, o 33.º. O Campeonato conquistado pelo Benfica, em 2014, e o título que deu início ao tetracampeonato alcançado já com Rui Vitória e com Jorge Jesus no rival Sporting.

E se Luisão foi confirmado como diretor técnico e Pietra vai manter-se como treinador adjunto, a equipa de Jorge Jesus no Benfica foi entretanto confirmada pelo clube à CMVM. O técnico traz consigo os adjuntos João de Deus e Tiago Oliveira, aos quais se junta então Pietra, e mantém os preparadores físicos Mário Monteiro e Márcio Sampaio e os vídeoanalistas Rodrigo Araújo e Gil Henriques. Fernando Ferreira permanece enquanto treinador de guarda-redes e acolhe na equipa Paulo Lopes, antigo guardião encarnado que estava até agora na equipa B. Evandro Mota, mental coach que trabalha com Jorge Jesus há vários anos, também regressa ao Benfica.

Três continentes, 17 troféus e um salário dez vezes superior: as diferenças do Jesus de 2009 para o Jesus de 2020

Por conhecer fica ainda o futuro de Tiago Pinto, até aqui diretor-geral encarnado, que algumas notícias colocaram na rota de uma promoção a administrador da SAD ou numa outra função no clube não tão ligada ao futebol. Uma ideia que, tendo em conta o discurso de Jorge Jesus, parece ter perdido sustentação: o treinador mencionou o nome de Tiago Pinto diversas vezes, incluindo para abordar as conversas sobre o plantel da próxima temporada, dando a ideia de que o diretor-geral vai permanecer nas funções que ocupa desde 2017.

Entre a camisola com o nome do treinador nas costas e o número 2022 alusivo ao final do contrato (que se chegou a apontar ser de três anos), a presença de antigos e atuais jogadores, o jazz antes e depois das declarações, Jorge Jesus foi novamente apresentado no Benfica. Disse que quer ganhar, que quer unir, que quer dar alegrias. E uma, pelo menos, já deu – porque há muito tempo que não se via Luís Filipe Vieira tão feliz.