Um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), que envolveu mais de 2.900 crianças, concluiu que aquelas que são provenientes de contextos socioeconómicos desfavorecidos apresentam, aos 7 e 10 anos, alterações biológicas menos favoráveis.

Numa publicação no seu site, o ISPUP avança esta quarta-feira que o estudo, publicado na revista Preventive Medicine, pretendia avaliar se “as condições socioeconómicas ao nascimento poderiam influenciar alguns marcadores da saúde cardiometabólica das crianças”, nomeadamente, ao nível da pressão arterial, perímetro abdominal e Índice de Massa Corporal (IMC).

Nesse sentido, os investigadores usaram informação de mais de 2.900 crianças provenientes da coorte Geração XXI, um estudo longitudinal que, desde 2005, segue cerca de 8.600 participantes que nasceram nas maternidades públicas da Área Metropolitana do Porto.

Para avaliar a hipótese colocada, os investigadores analisaram marcadores biológicos, aos 7 e 10 anos, como o IMC, perímetro abdominal, pressão arterial sistólica e diastólica, percentagem de massa magra, triglicerídeos e glicose.

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Paralelamente, o grupo analisou a escolaridade, ocupação dos pais e o rendimento do agregado familiar, por forma a fazer a caracterização do contexto socioeconómico da criança.

Citada na publicação, Sara Soares, primeira autora do estudo, afirma que o intuito era avaliar se, por pertencerem a contextos socioeconómicos mais desfavorecidos, estas crianças apresentavam “alterações nestes marcadores cardiometabólicos”.

Segundo o ISPUP, o estudo mostrou que as crianças que têm pais menos escolarizados, com ocupações profissionais menos diferenciadas ou que auferem rendimentos mais baixos apresentam, aos 7 e 10 anos, “um IMC, perímetro abdominal e pressão arterial sistólica mais elevados”.

Por outro lado, as crianças cujos pais são mais escolarizados, têm profissões mais diferenciadas e rendimentos mais altos apresentam aos 10 anos “níveis mais elevados de HDL (o chamado colesterol bom) em comparação com crianças de famílias menos favorecidas”.

Para Sara Soares, os resultados indicam que “o ambiente socioeconómico em que a criança nasce parece condicionar alterações biológicas já na infância“. “Ainda que isto não queira necessariamente dizer que as crianças irão desenvolver doenças mais tarde na vida, o estudo parece mostrar que as que provêm de contextos mais desfavorecidos podem estar a crescer numa trajetória de saúde menos favorável”, refere.

O instituto da Universidade do Porto acrescenta ainda que, num outro estudo, ao avaliarem o estatuto socioeconómico e os níveis de inflamação de mais de 2.500 crianças aos 4, 7 e 10 anos, os investigadores concluíram que as crianças que nascem em contextos mais desfavorecidos “apresentam níveis de proteína C-reativa – marcador inflamatório indicador de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares – mais altos aos 10 anos”.

“Desconhece-se se este processo de inflamação pode ser revertido durante a adolescência e até na idade adulta, mas percebemos que o estatuto socioeconómico dos pais provoca, logo nos primeiros 10 anos de vida, alterações biológicas nos filhos. Assim, as crianças de contextos menos favorecidos parecem estar a crescer numa trajetória de saúde menos favorável”, considera Sara Soares.

Na publicação, a investigadora refere ainda que, face às evidencias encontradas, é importante reduzir as desigualdades socioeconómicas para prevenir as desigualdades em saúde.

“Com estes dois estudos, percebemos que as diferenças no estatuto socioeconómico das famílias se podem estar a traduzir em desigualdades na saúde das crianças, e que tal pode estar a acontecer já desde a infância”, conclui.