A Jornada Principal, que se tem manifestado contra o aterro de Sobrado, Valongo, vai submeter ao tribunal uma ação popular a pedir a nulidade das licenças do equipamento, adiantaram esta quarta-feira os porta-vozes da associação numa vigília protesto no Porto.

“O aterro está a 300 metros de uma escola e a 200 de casas. As consequências na saúde pública são visíveis. Estamos saturados do jogo do empurra. Não queremos ser outro São Pedro da Cova. Vamos até às últimas consequências”, disse Marisol Marques, membro da Jornada Principal, associação que marcou para esta tarde uma vigília protesto em frente às instalações da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N).

E ir até às “últimas consequências” é uma expressão já com vários passos delineados pela associação, como contou aos jornalistas Diogo Pastor que é também membro do um dos elementos do movimento Unidos pelo fim do aterro no concelho de Valongo – Juntos por Sobrado: “No primeiro dia útil de setembro entregamos uma ação popular no tribunal administrativo. Já temos mais de 10.000 assinaturas [na petição pública que pede o encerramento do aterro], mas vamos chegar às 20.000 e, se nada fizerem a nível nacional, vamos ao Parlamento Europeu”.

Diogo e Marisol são duas das cerca de duas dezenas de pessoas que prometem ficar esta quarta-feira quatro horas diante da CCDR-N com caixa negras a simbolizar um enterro, vela acesas, camisolas pretas em sinal de luto e faixas onde se lê por exemplo “Fim do amianto e dos biodegradáveis em Sobrado” ou “Não fiques calado, diz não ao aterro”.

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Chegaram por volta das 18:00 e prometem não arredar pé até às 22:00. Pouco antes da 19:00 entregaram na receção da CCDR-N uma carta aberta que já tinham difundido de manhã, na qual acusaram a tutela de “falta de zelo” e de “sacudir a água do capote”, reiterando críticas à Revivalongo, empresa que gere o aterro, a qual acusam de depositar resíduos “sem tratamento prévio”.

“Como é possível as entidades reguladoras de saúde ignorarem as constantes denúncias da população de Sobrado? Como é possível a Tutela renovar repentinamente as licenças da Recivalongo até 2026, ignorando o parecer desfavorável do Município de Valongo e a forte contestação da população? Como é possível a tutela compactuar com o negócio da importação de resíduos em que a única finalidade era o depósito em aterro sem qualquer tipo de tratamento?” – são as questões formuladas pela associação.

Em reação a esta carta, esta tarde, a Recivalongo em nota escrita enviada à agência Lusa negou a existência de incumprimentos na gestão do aterro de Sobrado e convidou a Jornada Principal “a apresentar provas daquilo que afirma”.

“Mais provas? Querem mais provas. Não tem de ser a população a apresentar provas, tem de ser a empresa a mostrá-las e tem de ser o Governo a fiscalizar”, reagiu Diogo Pastor. Já Marisol Marques acrescenta: “Se não estivessem preocupados, tinham autorizado a associação a fazerem parte da comissão de acompanhamento que foi criada e não o permitiram”.

Em causa um aterro localizado em Sobrado, freguesia do concelho de Valongo, no distrito do Porto que tem sido alvo de grande contestação pela população local que, entre outras iniciativas, realizou já um buzinão com viaturas decoradas com faixas pretas e frases a pedir ao ministro o encerramento da estrutura.

“João Pedro não tenhas medo, encerra o aterro” ou “João Pedro não tens solução, pede a demissão” – são alguns dos gritos de ordem que vão ecoando junto á entrada da CCDR-N, local escolhido por causa daquilo que a associação diz ser um “jogo do empurra” entre o ministério do Ambiente tutelado por João Pedro Matos Fernandes e a comissão regional.

A 19 de julho, à margem de uma cerimónia em Matosinhos, Matos Fernandes anunciou que o aterro de Sobrado estava a ser inspecionado pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT).

Ainda sobre a inspeção, que tinha sido pedida, no dia 09 de junho, pelo presidente da câmara de Valongo, José Manuel Ribeiro, na sequência de “resultados preocupantes” de investigação europeia, Matos Fernandes disse a 30 de julho que as “conclusões foram enviadas à CCDR-N”, admitindo que essas obrigavam a “impor limitações ao funcionamento do aterro”.

Já a 31 de julho, CCDR-N informou ter notificado a Recivalongo para alterar os termos das licenças de depósito de resíduos líquidos e aquosos e de construção que contenham amianto.

Esta quarta-feira, a propósito desta vigília e da carta aberta enviada à tutela pela associação, a Lusa solicitou esclarecimentos à CCDR-N que contou ter tido conhecimento da iniciativa via comunicação social, lamentando a falta de contacto da Jornada Principal e recordou que o relatório da IGAMAOT “está em curso”, razão pela qual não existiria “para já” nada mais a dizer”.

Já junto do Ministério do Ambiente não foi possível até ao momento obter um comentário.

Questionada sobre o porquê de ter decidido marcar o protesto para esta hora e sem contactar a CCDR-N, os porta-vozes da associação responderam ais jornalistas que “já conhecem a argumentação” da comissão, a qual, frisaram, “não convence sobrado” e recordaram que são pessoas com compromissos de trabalho o que os obriga a ponderar os horários das suas iniciativas.

Vasco Silva é morador em Sobrado a cerca de 800 metros do aterro. Esta tarde é um dos que, além de camisola negra, enverga coladas ao corpo fotografias de membros do corpo com picadas e vermelhões, os quais diz terem sido provocados pelo aterro de Sobrado. “Está em causa a saúde pública e nós não nos vendemos”, frisou.

A associação Jornada Principal também já pediu audiências ao Presidente da República, aguardando resposta “há cerca de mês e meio”.

Outra das exigências da associação é a requalificação do espaço porque, vão repetindo a quem passa e perante as câmaras, “recusam ser um São Pedro da Cova número dois”.