Há um ano, a meio de agosto de 2019, as expectativas já estavam nos píncaros. João Félix tinha-se tornado o jogador português mais valioso de sempre, tinha reforçado uma equipa do Atl. Madrid construída para voltar às conquistas e tinha impressionado ainda na pré-temporada. O avançar do calendário, mesmo antes da interrupção provocada pela pandemia, travou todo o entusiasmo. Um ano depois e na reta final da época mais atípica de sempre, João Félix marcou seis golos na liga espanhola e outros dois na Liga dos Campeões, falhou vários jogos por lesões e deixou quase tudo por provar. Esta quinta-feira, em Lisboa, tinha a oportunidade de começar uma espécie de redenção.

Numa reviravolta algo premonitória, pelo menos para o jovem português, João Félix disputava a final eight da Liga dos Campeões na cidade que deixou há pouco mais de um ano. Mais do que isso, João Félix estava hospedado no Benfica Campus, no Seixal, o local onde viveu nos últimos anos e a escola de formação em que é apresentado e citado como o principal exemplo. Mas em entrevista ao jornal Marca, durante esta semana, garantiu que voltar a Portugal não representava uma pressão extra. “Existem outros jogadores portugueses na Liga dos Campeões e o Atl. Madrid não é uma equipa portuguesa. Mas claro que os adeptos me vão apoiar. Estive naquela cidade durante cinco anos e sei que me vão ajudar no meu regresso”, disse Félix, acrescentando mais à frente que não se sente intimidado pelo fato de se estar estrear numa fase tão adiantada da competição.

“Se a equipa fosse toda muito jovem, talvez [tivesse influência], mas acho que um, dois ou três jogadores é ok. Acho que os jogadores mais novos, muitas vezes, jogam com mais liberdade, como se estivessem na escola. Jogar na Liga dos Campeões é um ponto alto para qualquer um, por isso, para mim, estar nos quartos de final aos 20 anos é muito bom e vou aproveitar. É a Liga dos Campeões. Se não nos divertirmos a jogar, então qual é objetivo?”, atirou o jovem português que, apesar de tudo, começava esta quarta-feira no banco de suplentes do Atl. Madrid contra o RB Leipzig, que não perdia há seis jogos seguidos na Champions.

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No Estádio José Alvalade — o regresso de João Félix à Luz ficava adiado para a fase seguinte, em caso de apuramento –, os espanhóis defrontavam o RB Leipzig nos quartos de final da Liga dos Campeões mais de cinco meses depois de terem eliminado o campeão europeu Liverpool em pleno Anfield na ronda anterior. No encontro entre duas equipas que terminaram as respetivas ligas dentro de campo, colchoneros e alemães garantiram ambos o terceiro lugar do Campeonato, renovando a presença na Champions na próxima época. E tanto uns como outros estavam desprovidos de soluções ofensivas por questões diretamente relacionadas com a pandemia — ainda que o problema do RB Leipzig fosse substancialmente maior do que o do Atl. Madrid.

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Se Simeone não tinha Correa porque o argentino testou positivo para a Covid-19 antes da viagem para Lisboa (e Vrsaljko, mas o croata está lesionado e não é opção regular), Julian Nagelsmann já não contava com Timo Werner, a grande referência ofensiva da equipa nos últimos anos. O avançado alemão assinou com o Chelsea antes ainda de a Bundesliga terminar e optou por já não estar com a equipa na fase final da Liga dos Campeões para se juntar desde logo as trabalhos da formação de Frank Lampard. Esta quarta-feira, em Alvalade, o RB Leipzig estava onde nunca tinha estado na principal competição europeia mas não tinha Werner para engrossar o sonho. Do outro lado, o Atl. Madrid assentava na eliminação do Liverpool para olhar de frente para a possibilidade de conquistar finalmente o troféu — e vingar, na Luz, a final perdida em Lisboa em 2014 depois de um golo cruel de Sergio Ramos nos descontos.

Com Félix e também Morata no banco, Simeone lançava Herrera no onze inicial, ao lado de Saúl, enquanto que Diego Costa e Marcos Llorente eram os elementos mais adiantados, apoiados por Ferreira Carrasco e Koke mais perto dos corredores. Do outro lado, Nagelsmann colocava Poulsen como a referência ofensiva e o avançado dinamarquês atuava com a criatividade de Dani Olmo, Nkunku e Sabitzer uns metros atrás. De forma previsível, foi o RB Leipzig a agarrar a iniciativa da partida — algo permitido pelo Atl. Madrid, que prefere sempre ter as linhas mais recuadas e uma pressão pouco elevada para depois explorar a velocidade e a profundidade no meio-campo adversário. Na primeira parte, os alemães tiveram mais bola e mais presença no último terço dos espanhóis mas acabou por ser a equipa de Simeone, nas esporádicas vezes em que se aproximou da baliza de Gulácsi, a causar mais perigo.

A melhor oportunidade foi de Carrasco, que forçou o guarda-redes húngaro a uma defesa apertada depois de uma combinação com Renan Lodi na ala (13′), mas os colchoneros ficaram perto do golo em dois lances de bola parada, com cabeceamentos perigosos de Savic e Giménez em que a defesa alemã se mostrou demasiado permissiva. Do outro lado, e apesar da maior percentagem de posse de bola e do controlo global das ocorrências, o RB Leipzig parecia algo impaciente na hora do último passe e não tinha capacidade para chegar a zonas de finalização depois de rendilhar o jogo à entrada da grande área.

O Atl. Madrid teve períodos em que aliviou ligeiramente a pressão adversária e reduziu o ritmo da partida, assente nessa ausência de pragmatismo dos alemães, mas perdia a bola muito rápido e não conseguia sair de forma apoiada. Na ida para o intervalo, ainda sem golos e num jogo com pouca baliza, restava principalmente a ideia de que os espanhóis apostavam quase unicamente no corredor esquerdo para atacar, onde o bom entendimento entre Carrasco e Lodi servia de propulsor para todos os lances ofensivos da equipa.

Na segunda parte e sem que nenhum dos treinadores tivesse feito qualquer alteração ao intervalo, o RB Leipzig só precisou de cinco minutos para abrir o marcador através de uma jogada brilhante. Os alemães movimentaram a posse de bola da esquerda para a direita com passes rápidos e objetivos e descobriram espaço no corredor, onde Sabitzer apareceu a cruzar ligeiramente para trás; Dani Olmo, um de vários jogadores da equipa que apareceram dentro da grande área, surgiu ao primeiro poste a desviar de cabeça e bateu Oblak (50′). Simeone reagiu com a entrada de João Félix para o lugar de Herrera e o jogador português foi para as costas de Costa e Llorente, como uma espécie de ’10’ com muita liberdade para aparecer tanto na faixa central como mais perto das alas.

Félix entrou muito bem na partida e mexeu com o jogo, oferecendo novas soluções e sendo capaz de uma criatividade que nenhum dos elementos mais adiantados do Atl. Madrid tinha tido então. O jovem português soltou Diego Costa e Llorente e descobriu espaços entre as linhas defensivas do Atl. Madrid que ainda não tinham sido explorados, apoiado principalmente pela boa exibição de Carrasco na esquerda. Cerca de 10 minutos depois de entrar e numa das vezes consecutivas em que desequilibrou no último terço, Félix foi lançado em profundidade por Lodi e acabou tombado em falta por Klostermann na grande área. Na conversão da grande penalidade, o português assumiu, marcou e empatou a partida, relançando a eliminatória (71′).

Nagelsmann lançou Tyler Adams, Simeone trocou Diego Costa por Morata e acabou por ser o norte-americano a resolver a partida, tornando-se mais um herói improvável desta final eight da Liga dos Campeões. O Atl. Madrid teve mais bola e foi mais perigoso nos últimos minutos mas Tyler Adams apareceu à entrada da grande área, depois de um cruzamento atrasado de Angeliño, e rematou à baliza — a bola desviou em Savic e enganou Oblak (88′), colocando o RB Leipzig nas meias-finais.

Os alemães continuam a fazer história e vão disputar a meia-final com o PSG, juntando-se nessa partida duas equipas que nunca disputaram uma final da Liga dos Campeões. Já o Atl. Madrid voltou a falhar o objetivo europeu, foi traído pela eficácia alemã nos últimos instantes e sai da liga milionária pela porta pequena depois de ter eliminado o Liverpool. João Félix quis jogar como se estivesse na escola e conseguiu — mas o dono da bola, na pessoa de Tyler Adams, apareceu e acabou com a brincadeira. O jogador português voltou a Lisboa, passou pelo Seixal e por Alvalade mas falhou o regresso à Luz, onde na temporada passada se mostrou à Europa.