Os prejuízos de 436 milhões de dólares que a Farfetch registou de abril a junho, quatro vezes mais do que no mesmo período de 2019, “não são preocupantes” para a empresa, diz ao Observador Luís Teixeira, o responsável pelas operações da loja online de moda de luxo, um dia após a apresentação de resultados. Até porque, explica, o volume de negócios da empresa liderada por José Neves subiu 48% para 721,3 milhões de dólares, enquanto que as receitas dispararam 74% durante os meses de confinamento na maioria dos países, totalizando 365 milhões de dólares.

Os resultados “superaram as expectativas“, adianta Luís Teixeira, “num contexto global muito adverso para o mundo e para economia global, mas principalmente para a indústria de luxo“, que deverá contrair entre 20% e 35% este ano, segundo a consultora Bain & Company. Ainda assim, houve “desafios”, como as restrições verificadas temporariamente nos canais de entrega. “Mas com tudo aquilo que construímos ao longo de 12 anos, seja em termos de tecnologia, plataforma de serviços e principalmente com a equipa fantástica que temos, conseguimos ultrapassar.”

Receitas da Farfetch disparam 74% com o confinamento. Prejuízos mais do que quadruplicam

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O EBITDA [isto é, os lucros antes de juros, impostos, depreciações e amortizações] ajustado melhorou face ao segundo trimestre de 2019 — passou de 37,576 milhões negativos para 25,175 milhões de dólares negativos. “Estes resultados são sinónimo de muito rigor e foco no nosso compromisso de 2021, que é a rentabilidade ao nível do EBITDA“, afirma Luís Teixeira. Esse objetivo já tinha sido anunciado em fevereiro por Elliot Jordan, o responsável financeiro da empresa cotada na bolsa de Nova Iorque. E mantém-se.

Apesar da melhoria do EBITDA, os prejuízos agravaram-se e mais do que quadruplicaram. Quais as razões? Por um lado, a compensação, em ações, que a empresa dá aos trabalhadores e que vão sendo distribuídas por algum tempo — a rubrica “pagamentos com base em ações” (share-based payments) atingiu os 62 milhões de dólares. Além disso, foram feitas aquisições no ano passado — como a compra da New Guards, plataforma de marcas de design, por 675 milhões de dólares –, e que trazem depreciações e amortizações de cerca de 52 milhões.

Os prejuízos também subiram porque a Farfetch fez novas rondas de financiamento, no primeiro semestre, com a emissão de senior convertible notes (obrigações convertíveis em ações). Ou seja, ao procurar esse financiamento, a empresa acordou que, caso houvesse conversão, esta seria feita conforme um dado número de ações que seriam recebidas pelos investidores.

Isso faz com que, quando as ações sobem, do ponto de vista contabilístico, a Farfetch tem de fazer refletir essa responsabilidade nas suas contas – ou seja, caso seja necessário converter a dívida em ações, a empresa teria, em teoria, de as comprar a um preço mais elevado. As ações da empresa valiam 7 dólares no início do segundo trimestre mas, no final de junho, tinham subido para 17 dólares. E continuam a subir, pelo menos até agora, no início do terceiro trimestre.

“Se nós hoje fossemos buscar o mesmo financiamento, teríamos de emitir menos ações do que as que demos. E isso tem de aparecer em alguma linha dos resultados porque, a partir do momento em que é feita uma reavaliação da liability [responsabilidade] que está ao nível do balanço, é quase como uma imparidade”, explica. Uma imparidade que, contabilisticamente, deixa a empresa ‘no limbo’ por não saber quanto vão subir as ações.

Isto é o resultado da valorização da empresa“, diz Luís Teixeira, para quem o valor dos prejuízos “não é preocupante”.

Mais meio milhão de clientes

De abril a junho, a Farfetch ganhou meio milhão de novos clientes, enquanto que a indústria de luxo contraía durante os meses de confinamento. “De uma forma geral, o mercado está a comprar menos. O que estamos a observar é que há uma aceleração da penetração do online para a moda de luxo que, no ano passado, foi de cerca de 12%. As estimativas hoje apontam para que já esteja bem acima dos 20%”, aponta o responsável. As vendas na plataforma digital da Farfetch subiram 34% no segundo trimestre.

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Embora o mercado chinês, “um dos principais mercados da Farfetch”, tenha sido o primeiro a contrair, foi também “o primeiro a sair dos lockdowns, com crescimentos acelerados e, desde então, tem continuado a crescer”.

Luís Teixeira refere ainda que a Farfetch “ganhou quota de mercado à concorrência“, devido ao facto de ter “um modelo distribuído que nos permite servir os clientes de várias formas e formas alternativas”. Ou seja, a grande maioria dos artigos estão disponíveis em mais do que um ponto de stock. “Obviamente que [com a pandemia] houve disrupções pontuais, mas que não afetaram de forma material a nossa operação.

No próximo trimestre, a empresa de moda de luxo estima crescer na plataforma digital entre 40 e 45% e o EBITDA será, segundo preveem, “na pior das hipóteses, igual ao do segundo trimestre, e no caminho para o break-even [momento a partir do qual o negócio passa a ser rentável]”. No entanto, frisa Luís Teixeira, a “Covid-19 pode, de um momento para o outro, alterar tudo”.

Colaboradores podem escolher se ficam em teletrabalho até ao final do ano

Não houve qualquer despedimento em função da pandemia“, diz Luís Teixeira. “Com o crescimento da empresa, continuamos a recrutar, obviamente, de forma comedida e com cautela, tendo em conta a situação que vivemos. Mas continuamos a ser uma empresa a querer crescer e em crescimento.”

Quase 90% dos colaboradores estão em teletrabalho, mas o dia-a-dia da empresa “não é afetado”. Para quem não pudesse teletrabalhar, a Farfetch manteve as condições salariais e ofereceu formação.  Apenas um escritório, em Portugal, continuou sempre aberto — o de Guimarães, que é um centro de produção, para onde vão os artigos que têm de ser fotografados para a plataforma. “Esse centro nunca pode parar.” Foi, no entanto, feita uma “adaptação para respeitarmos todas as normas de segurança”.

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Em julho, alguns escritórios começaram a reabrir para quem quisesse regressar às instalações, mas tendo em conta as regras de lotação. Pelo menos até ao final do ano, os trabalhadores vão poder escolher se ficam em teletrabalho, ou regressam aos escritórios.