São poucos os poetas portugueses com sucesso nos mercados em língua estrangeira e esta é uma realidade bem conhecida para António Miguel Neto e João Ruivo, da editora Lisbon Poets&Co. Mas eles preferiram ser a montanha que vai a Maomé e não o contrário. Não esperam que o público estrangeiro descubra a poesia portuguesa, eles fazem livros de alta qualidade bilingues, traduzidos sempre por académicos nativos na língua de chegada e prefaciados por um especialista naquele autor e com uma capa ilustrada por um artista português.

Acaba de chegar às livrarias, museus, giftshops e fundações a mais recente aventura desta pequena editora, criada em 2015, que já tem vinte livros em catálogo, em edições que vão do espanhol ao chinês, passando pelo inglês e japonês, e que vende cinco mil exemplares de livros de poetas como Cesário Verde, Camilo Pessanha, Florbela Espanca, Mário de Sá Carneiro ou Pessoa e heterónimos. Um dos mais recentes é Luís de Camões — A Global Poet for Today, um trabalho conjunto de Tom Earl, da Universidade de Oxford, Hélder Macedo, do King’s College, que assina o prefácio, e ilustrações de André Carrilho. Esta obra bilingue junta poemas da lírica e da épica, procurando dar uma visão global da obra camoniana.

O Observador falou com António Miguel Neto sobre um dos fundadores desta pequena editora de sucesso, destinada a vender poesia portuguesa aos turistas que nos visitam, que descobriu que “há muitos que não vêm só em busca de sol e esplanadas mas vêm também para conhecer a cultura portuguesa. Temos também um número interessante de visitantes que não querem levar apenas um íman para frigorífico ou comprar relógios de luxo na Avenida da Liberdade”.

“Há o turista que tem algum poder de compra. Os livros custam cerca de 20 euros, têm capa e papel de qualidade, têm ilustrações e são feitos pelos maiores especialistas na área. Estamos a publicar livros, como o caso do Camilo Pessanha, que não tinham uma edição em Portugal com aparato crítico há muitos anos. Fomos ao Brasil buscar os maiores especialistas em Pessanha, Paulo Franchetti, para organizar a edição, que foi depois traduzida para inglês por Jeffrey Childs e para espanhol Jerónimo Pizarro e Maria Matta. O prefácio ficou a cargo da professora Helena Buescu. Portanto,  orgulhamo-nos  de ser uma empresa que faz uma triangulação; vai buscar conhecimento às universidades, faz os livros, distribuí e está a contribuir para a divulgação da cultura portuguesa sem ter qualquer tipo de apoio”, afirmou António Miguel Neto.

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Dos poetas de Lisboa para o mundo

Miguel e João Ruivo vêm de um curso de Relações internacionais. Miguel foi durante dez anos editor da revista Raia e fundou uma pequena chancela, a  Escritório Editora. Foi em 2015, quando já estávamos em pleno boom turístico em Lisboa,  que João Ruivo teve a ideia de traduzir alguns poetas ligados a Lisboa. Em conversa com Miguel nasceu então a ideia de lançar um livro-projeto que até hoje já vendeu mais de vinte mil exemplares, o Poetas de Lisboa, que junta poetas de alguma forma ligados à cidade: Pessoa, claro, Camões, Mário de Sá-Carneiro, Cesário Verde e Florbela Espanca, numa edição bilingue português/inglês com capa ilustrada já por André Carrilho. Para além das livrarias e apostaram em colocar o livro à venda em museus, monumentos históricos, lojas como A Vida Portuguesa ou a Bairro Arte, o CCB ou Serralves.

Depois da edição para inglês, seguiram-se outras e a obra Lisbon Poets já está vertida em espanhol, alemão, francês, italiano, cada uma com cinco mil exemplares de tiragem inicial. O sucesso foi tão grande que a editora está já a trabalhar numa outros livros com poetas ligados a outras cidades e regiões do país. Para já, estão para sair os poetas do Porto, de Coimbra e do Alentejo. Normalmente, a primeira edição é em inglês e depois noutras línguas. “Tudo depende de encontrarmos os tradutores certos. Agora, por exemplo, andamos à procura de um tradutor para Camões em italiano e em francês e vamos lançar, pela primeira vez em língua inglesa, a obra completa de Cesário Verde. Como é que é possível que Cesário não esteja integralmente traduzido para inglês?”, pergunta espantado o editor.

O genial Camilo Pessanha, foi traduzido para espanhol e inglês, mas esta edição espera ter também muitos leitores portugueses

Sobre os apoios dados pelo Instituto Camões, António Miguel Neto revela que está a ser levada a cabo uma mudança de política: “Em vez de eles subsidiarem apenas editoras estrangeiras vão passar a subsidiar também editoras portuguesas, como a nossa, que traduzem e organizam a obra cá e distribuem no estrangeiro”.

Esse é o grande passo que a Lisbon Poets&co sonha dar: distribuir os livros nos países da língua de chegada e não apenas vendê-los aos turistas que vêm a Portugal. Para já, conseguiram primeiros resultados em Macau, onde já têm instituições que os recebem, nomeadamente com Clepsydra  de Camilo Pessanha e a edição para chinês do livro que Adolfo Casais Monteiro fez da poesia de Fernando Pessoa, que permanece um clássico. “Esse foi um risco absoluto”, reconheceu, “e só fizemos uma edição de mil exemplares, mas estava a vender bem até começar a pandemia” que, desabafa, “veio introduzir aqui uma grande dose de insegurança porque ninguém sabe como vão ser as coisas a partir de agora”.

O volume que Adolfo Casais Monteiro fez para nos dar a conhecer a grandeza da poesia de Pessoa foi agora traduzido para italiano, francês e chinês e tem o posfácio/ensaio de Eduardo Lourenço

“Sabemos que a poesia vende pouquíssimo, que era preciso dar a volta ao livro, torná-lo um objeto bonito, que tem um valor acrescentado, que é também uma boa oferta, que não tem medo de compatibilizar poesia e negócio”, afirmou o editor. No inicio deste ano, já tinham feito sair a Mensagem de Fernando Pessoa em três línguas e com ilustrações de Fatinha Ramos, mas a preocupação de Miguel Neto e João Ruivo é “fazerem boas edições, porque Portugal continua a não ter boas edições dos seus maiores poetas”, dizem.

“O nosso objetivo não é vender papel a incautos, por isso uma boa parte do nosso investimento vai para os tradutores, os organizadores. Há ainda os direitos de autor que estamos a negociar. Miguel Neto que, além de editar, gosta de “pôr as mãos na massa” — criou um livro infanto-juvenil destinado a dar a conhecer Fernando Pessoa e os heterónimos. Chama-se O Chapéu de Poeta de Fernando Pessoa. Para já, tem edição em português/inglês e espanhol, francês e alemão, as ilustrações são de André Carrilho, mas a proposta é que dentro do chapéu do Pessoa se ilustrem os seus poemas ou que cada leitor se aventure e escreva também poemas ou histórias inspirada pelo poeta português.

Este é o primeiro livro infantil da editora, mas há outros a serem projetados. Aqui a ideia é dar a conhecer o conceito de heterónimo

Outro dos investimentos da editora está na criação de uma linguagem gráfica original: “Gostamos muitos do traço do André Carrilho, mas queremos trabalhar com mais ilustradores”, explicou o editor, que recentemente surgiu a ideia de traduzir A Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro, para hebraico por causa do crescimento de visitantes judeus, mas ainda é apenas uma ideia. “O nosso objetivo também é termos livros com mais grafismo como a Mensagem e agora como o Camões, que para além da capa, têm ilustrações no interior que redimensionam a leitura do livro.”