Trinta e oito. 38. Achtunddreissig. Há vários números que poderiam ser destacados na final da Liga dos Campeões ligados a Kingsley Coman. O um, por ter sido a surpresa no onze inicial de Hansi Flick. O 45, quando caiu na área e ficou a pedir grande penalidade. O 59, quando apontou o único golo do encontro. A esse propósito o oito, o número de golos ao longo da temporada. Ou mesmo o três, os golos só na Liga dos Campeões. O 62, quando ficou próximo de aumentar o marcador. O 68, quando foi substituído por Perisic. Mas é aquele 38 que diz tudo porque o francês fez esta temporada um total de 38 jogos. Um recorde na carreira como sénior. E essa foi uma vitória.

Coman deu uma lição de vida sem Kherer ao futebol e uma lição para a vida ao PSG (a crónica da vitória do Bayern na Champions)

Quando em dezembro de 2018 se colocou a hipótese de voltar a ser operado ao tornozelo, Coman admitiu tudo. E tudo é mesmo trocar de vida, fazer qualquer outra coisa, não estar em sofrimento constante com aquele medo de deixar de poder fazer o que mais gosta. “Não vou fazer mais nenhuma operação, estou farto disso. Se o meu pé não foi feito para esta vida, então mais vale procurar uma outra vida e outro trabalho, anónimo. Está a ser um ano muito difícil. Caiu-me tudo quando me lesionei a primeira vez, para mim foi o fim do mundo, e só espero não voltar a passar por isso. Espero não ter de reviver tudo aquilo que passei, já chega isso. Se acontecer uma terceira vez… É sinal que não sou feito para este nível”, assumiu. Esta noite, aos 24 anos, virou a página da melhor forma.

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Filho de pais nascidos em Guadalupe, Coman nasceu e cresceu nos subúrbios de Paris, tendo começado a jogar no modesto US Sénart-Moissy com apenas seis anos, antes de rumar ao PSG, o clube do pai – que até foi o principal cérebro da ideia, fazendo chegar aos scouts do campeão francês todas as informações necessárias. “É talentoso, completo e muito inteligente. A forma como lê o jogo e a sua técnica acima da média fazem dele um jogador formidável. Já não tem nada para fazer nos Sub-17, subiu aos Sub-19 e é o melhor”, comentou na altura o selecionador Sub-17 de França, Patrick Gonfalone. Ainda hoje o jogador admite que é adepto dos parisienses.

Em fevereiro de 2013, o extremo tornou-se o mais novo de sempre a estrear-se pelo PSG; em agosto, e apesar de estar em termos oficiais na equipa B, substituiu Lavezzi na Supertaça frente ao Bordéus no Gabão, conquistando o seu segundo título depois da Ligue 1, que voltaria a ganhar em 2013/14 após mais duas participações no conjunto principal. Tinha tudo para afirmar-se no Parque dos Príncipes mas, em final de contrato, acabou por aceitar uma proposta da Juventus, onde se sagrou campeão e pediu depois para sair, por querer mais minutos. E não teve medo em ser cedido ao poderoso Bayern, mesmo sabendo que seria um risco na carreira.

Em dois anos por empréstimo e três como jogador dos bávaros, levava cinco Campeonatos, três Taças e mais três Supertaças. Mesmo entre lesões, algumas que o afastaram vários meses dos relvados, nunca foi colocado parte e nunca foi questionado em relação ao seu valor. Essa fé de nomes como Pep Guardiola, Heynckes, Kovak ou Flick empurrou também o gaulês para a noite de glória, após um caminho feito à base da superação como a história que lhe valeu o nome de Kingsley. “Um dia estava a ler o jornal e vi um artigo sobre embarcações clandestinas que tentavam vir para a Europa mas queriam atirar alguns para a água. Um desses sobreviventes chamava-se Kingsley e essa história tocou-me. Falei com a minha mulher e ela gostou”, contou em entrevista o pai.

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Esta noite, Coman tornou-se apenas o segundo jogador a marcar em finais da Champions a equipas do seu país (antes havia apenas Morata, pela Juventus contra o Barcelona) e o nono francês a marcar também numa final da Liga milionária, sucedendo a Benzema e… Zidane. Mas existe uma outra estatística ainda mais impressionante: em 193 jogos como sénior, Coman ganhou 20 troféus, numa média impressionante de um título por cada 9.65 jogos. O facto de ter sido formado no PSG, onde entrou com oito anos, e ter este currículo não passou ao lado.

“Ganhar a Champions é uma sensação extraordinária, uma grande felicidade. Estou um pouco triste pelo PSG, admito. Realizaram uma caminhada extraordinária e devemos respeitar o que fizeram. Tentámos colocar muita pressão durante o jogo, eles apostaram em contra-ataques. O mais importante era não sofrermos golos e conseguimos. Foi uma grande final”, comentou o internacional à RMC no final do jogo.