Trinta e um movimentos da sociedade civil, entre os quais 13 portugueses, apresentaram uma queixa na Comissão Europeia contra o “lobbying mineiro” no projeto MIREU, sobre o setor mineiro, considerando que os objetivos do financiamento público atribuído foram negligenciados.

O projeto europeu MIREU estabelece uma rede de regiões mineiras e metalúrgicas em toda a Europa e tem como objetivo assegurar a distribuição sustentada e sustentável de matérias-primas minerais na União Europeia e promover o investimento, inovação e crescimento no setor. Os grupos da sociedade civil pertencem a sete países: Bósnia, Finlândia, Grécia, Irlanda, Portugal, Eslováquia e Espanha.

Numa declaração divulgada esta terça-feira, os movimentos solicitam à União Europeia (UE) uma revisão do projeto de investigação “MIREU” sobre a aceitação social da mineração e da metalurgia nas regiões europeias, por suspeitarem que o projeto está a negligenciar os objetivos do financiamento público que lhe foi atribuído.

O MIREU foi criado com o propósito de estudar os constrangimentos sociais da exploração mineira na UE através do envolvimento das comunidades afetadas e do público.

As associações consideram que o projeto carece de credibilidade, tendo em conta a predominância de relatórios de pesquisa elaborados em grande parte por profissionais e entidades ligados à indústria mineira, que defendem uma forte reindustrialização da Europa.

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Nik Völker, da organização MiningWatch Portugal e coautor da declaração, refere que o MIREU recebeu milhões, inclusive para estudar a aceitação social da mineração na Europa e que dois dos requisitos era a realização destas análises por sociólogos e envolvendo as comunidades afetadas e alerta que não foi isso que aconteceu.

“Não podemos aceitar que relatórios que orientarão futuras políticas públicas da UE, sejam elaborados de forma aleatória por uma equipa de investigadores de escolas mineiras, organizações de ‘lobbying’, consultores da indústria e institutos geológicos”, frisou.

O consórcio do projeto, liderado pelo Instituto Geológico da Finlândia, reúne participantes de 14 países europeus, incluindo a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL) e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo.

Um dos objetivos foi um levantamento sobre a aceitação pública para a publicação “EU Raw Materials Scoreboard”, prevista para finais de 2020.

Os movimentos signatários da declaração defendem que a pesquisa não garantiu o envolvimento da sociedade civil, nem foi conduzida segundo a abordagem multi-disciplinar especificada pelo concurso da UE. Em vez disso, criticam, o trabalho foi feito na ausência das comunidades afetadas, o que levou mais a uma consolidação dos pressupostos já existentes do que a conclusões sólidas sobre a falta de aceitação pública de projetos industriais de elevado impacte.

Em Portugal, adiantam os signatários da queixa, a FCT/UNL recolheu dados sobre os conflitos em torno dos projetos mineiros em Montalegre, na Serra da Argemela e em Aljustrel, baseados meramente numa análise de imprensa e redes sociais, não cumprindo o requisito de um envolvimento das comunidades afetadas. Além disso, adiantam, ficou de fora o projeto de mineração em Covas do Barroso, Boticas, que além de ser atualmente o mais concreto em Portugal conta também com uma forte contestação por parte da população.

Segundo a coautora da queixa, Susanna Myllylä, professora finlandesa de Políticas Ambientais na University of Eastern Finland e doutorada em Economia, “uma economia robusta e responsável do ponto de vista climático deve assentar numa vitalidade e biodiversidade sustentáveis das comunidades e em torno delas”.

“O mapeamento passivo da oposição sem estabelecer um diálogo, não é uma abordagem científica. Em suma, este projeto não passa de um exemplo da urgência de um debate público em torno da amalgamação de projetos de investigação financiados pela UE com atores da indústria cujos interesses entram frequentemente em conflito com os direitos civis”, frisou.

Face à descarbonização prevista para as próximas décadas, associada a uma elevada procura de metais, a Comissão Europeia financia um grande número de projetos e consórcios público-privados a fim de assegurar abastecimento suficiente de matérias-primas.

Devido a utilizações conflituosas dos territórios e a preocupações ambientais sobre projetos mineiros, esta iniciativa não é, aparentemente, muito bem-vinda em diversas áreas rurais dos países europeus mais periféricos.

O MIREU deveria conduzir uma investigação independente sobre estas preocupações, mas segundo os movimentos da sociedade civil, alegadamente falhou o seu propósito, contribuindo assim para uma desconfiança já instalada na sociedade, tanto em relação à UE como à investigação científica.

Os movimentos cívicos e associações portugueses, signatários desta queixa formal, são: Associação Guardiões da Serra da Estrela, Associação Montalegre Com Vida, Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso, Corema – Associação de Defesa do Património, Em Defesa da Serra da Peneda e do Soajo, Movimento ContraMineração Beira Serra, Movimento de Defesa do Ambiente e Património do Alto-Minho, Movimento Não às Minas – Montalegre, Movimento SOS Serra d’Arga, Movimento SOS Terras do Cávado, Petição Pela Preservação da Serra da Argemela, Associação Povo e Natureza do Barroso, e SOS Serra da Cabreira.