O presidente executivo do Novo Banco considera que as dúvidas e suspeitas que rodeiam algumas das operações de vendas de ativos “são falsas polémicas” criadas em cima de operações que “foram feitas ao melhor preço, num sistema competitivo, foram anunciadas na altura e foram selecionados o melhor preço e concorrente”.

Houve perdas? Sim, assume, mas António Ramalho atribui os prejuízos ao facto dos ativos não estarem corretamente avaliados no balanço. “Não foram vendas a desconto”, afirmou esta quarta-feira em conferência de imprensa.

Um dia depois de ter sido entregue a auditoria independente à gestão do Novo Banco, o presidente executivo não quis entrar em detalhes sobre o documento mas defendeu que deve ser público, desde que não ponha em causa os princípios do sigilo bancário. E revelou que está a trabalhar com o Banco de Portugal nesse sentido. O gestor afirmou ainda que o trabalho realizado pela Deloitte, e entregue esta terça-feira ao Governo, não terá encontrado grandes problemas na gestão do pós-resolução do Banco Espírito Santo (BES).

Já no final da conferência de imprensa, António Ramalho — que preside ao banco desde 2016 — afirmou que o tempo do silêncio já lá vai. Deixou uma palavra de agradecimento ao seu conselho de administração que aceitou ser bombeiro para apagar um fogo que estava a lavrar com intensidade e de forma perigosa. E um lamento.

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“Custa-me que, por vezes, que a comunicação social, os comentadores e os políticos se esqueçam (do fogo) e venham verificar qual é a conta da água. Nós não nos esquecemos e vamos continuar a apagar o incêndio, sobretudo porque também sabemos ter sido fogo posto”.

Minutos depois, o Bloco de Esquerda anunciou que vai propor uma comissão parlamentar de inquérito à gestão do Novo Banco.

BE vai avançar com Comissão de Inquérito à venda e gestão do Novo Banco

Polémicas começaram quando Centeno e Costa se desentenderam sobre injeção no Novo Banco

António Ramalho situou o aparecimento das “falsas polémicas”  em maio, no seguimento das divergências dentro do Governo — entre Mário Centeno (então ministro das Finanças e atual governador do Banco de Portugal) e António Costa — sobre o timing da autorização ao empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução que permitiu realizar a injeção financeira prevista este ano na instituição.

Na sua apresentação inicial, o gestor realçou que desde 2017 estava previsto um conjunto de suportes de capitalização ao banco (de até quase 4.000 milhões de euros) “que não têm nenhuma novidade” e até estavam publicados no boletim da Comissão Europeia. “Não me sinto no centro de qualquer furacão, estava previsto desde 2017 e estava em todos os cenários. Os 4000 milhões de euros (perdas registadas entre 2014 e 2018) já aconteceram, a auditoria é sobre o que aconteceu”, fazendo referência ao comunicado do Ministério das Finanças  segundo o qual as perdas foram geradas por operações decididas no tempo do BES/GES.

Segundo dados revelados na conferência, “das perdas, mais de 95% são originadas por perdas antes de 2014, não há um único crédito, um único novo nome que tenha sido concedido posteriormente à resolução”.

Os compromissos de venda rápida de ativos problemáticos negociados com a Comissão Europeia foram assumidos pelo Estado português. “E se esses compromissos não forem cumpridos, o banco tem de reduzir a participação e despedir pessoas”, avisou. Entre as condições que empurraram o Novo Banco para alienações aceleradas, António Ramalho referiu o prazo de dois anos dado aos bancos para venderem ativos que não têm a ver com a sua atividade bancária — sobretudo imóveis. E deu o exemplo: se não tivessem alienado imóveis em carteira teriam de vender 5 imóveis por dia durante 20 anos para desfazer-se do portefólio.

Remetendo sempre para o comunicado das Finanças, António Ramalho sinalizou pelo que sabe (o Novo Banco teve acesso a auditoria), que ficou demonstrado que os grandes problemas vieram antes da resolução. A auditoria não terá indicado grandes problemas nos pós-resolução e os que houver certamente serão resolvidos”. E desvalorizou assim a hipótese dos resultados desta auditoria serem utilizados para travar futuras injeções ao abrigo do mecanismo de capital contingente.

“Não vão encontrar nada de muito relevante ou emocionante”, foi referindo em resposta a perguntas sobre o que encontrou e recomendou a Deloitte em relação à gestão feita já depois da resolução e, em particular, já após a venda à Lone Star.

Novo Banco vai manter estratégia para recuperar balanço

O presidente executivo afirmou ainda que o banco irá manter a estratégia de limpeza do balanço até 2021 negociada entre Portugal e a Comissão Europeia com “os necessários ajustamentos”. E considerou que a suspensão da venda de ativos protegidos pelo mecanismo de capital contingente deixa de ter efeito depois de estar entregue a auditoria. O banco não tem prevista a alienação de mais carteiras de imóveis, as vendas particulares não foram travadas, mas quer alienar mais créditos, uma operação que terá de ser coordenada com o Fundo de Resolução porque se tratam de ativos que estão protegidos das perdas.

António Ramalho detalhou ainda os contornos de algumas das operações que suscitaram mais reações e que passam pela venda de carteiras de créditos e imóveis e por participações financeiras como a seguradora GNB.

Somos seguramente o banco mais escrutinado em Portugal, por diversos órgãos. Já esgotamos todas as auditoras de primeiro nível, a Price, a EY e a Deloitte (a KPMG foi a auditora do BES)”. E reafirmou que não foram feitas alienações de ativos a partes interessadas (relacionadas com o acionista Lone Star) e que todas as transações realizadas com ativos protegidos pelo mecanismo de capital contingente, e cujas perdas motivarem injeções públicas, foram autorizadas pelo Fundo de Resolução.

O Novo Banco tem também colaborado com o Ministério Público no quadro da investigação às operações BES/GES. Fora o inquérito criminal que já deu origem à uma acusação de vários crimes a antigos gestores, o Ministério Público está ainda a avaliar informação sobre a venda de imóveis e outros ativos abaixo do valor de balanço, o que originou perdas, algumas das quais cobertas com fundos públicos. E agora recebeu a auditoria da Deloitte remetida pelo Ministério das Finanças.