Carlos Guimarães Pinto, economista, ex-presidente da Iniciativa Liberal, e Susana Peralta, também economista, professora da Nova SBE, são os convidados do segundo debate da série “Portugal: é desta?”, conduzido por José Manuel Fernandes e Paulo Ferreira na Rádio Observador. Pode ouvir esta quarta-feira depois das notícias das 11h00, com repetição depois das 21h00, ou aqui em podcast.

Da “mineração de guito europeu” ao papel do Estado

Numa coisa estão de acordo. Se, de facto, é desta que o país conseguirá dar um salto de desenvolvimento e prosperidade – o que, logo à partida, já merece grande cepticismo – não será com este documento entregue por António Costa Silva ao Governo que lá chegaremos. Susana Peralta e Carlos Guimarães Pinto partem de uma primeira avaliação comum ao documento mas vão chegar a destinos diferentes.

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Para a economista e professora na Nova SBE, “não é certamente este documento que nos vai levar a esse fim”. Porquê? “É um documento muito difícil de ler que repete muitas vezes as mesmas ideias. Para plano estratégico preferia um documento mais conciso. É um plano que quer ir a todas, fala de tudo. É uma coleção de ideias muito genéricas”.

O economista e ex-presidente da Iniciativa Liberal ironiza: “Quem lê fica com a ideia de que o país precisa é de um desenvolvimento inovador das competências estratégicas necessárias para a promoção de um novo paradigma da aposta na aceleração… Ou seja, não diz absolutamente nada”.

Para Susana Peralta, o pecado original poderá estar na forma como se chegou a esta visão para a próxima década. “Mas também não havia forma de não ser generalista. Uma pessoa sozinha, por muito competente que seja, não consegue. Em Espanha, Pedro Sánchez colocou 100 pessoas a trabalhar num documento do género. O custo de escrever um documento tão abrangente é que depois não se detalha nada, nunca se diz exatamente qual é o caminho para nada”, afirma a economista.

Já Carlos Guimarães Pinto olha para todo este processo e para a “pipa de massa” que aí vem da Europa para concluir que o país não perdeu a capacidade para encontrar recursos lá fora. Depois das especiarias da Índia e do ouro do Brasil, “agora é com os fundos europeus. A indústria de minério de ‘guito’ europeu tem sido um enorme sucesso no país em todas as crises, mas isto não resolve nada. Antes pelo contrário, isso cria um problema. Temos demasiados recursos dedicados a inventar formas de ir buscar dinheiro europeu em vez de termos os nossos melhores recursos dedicados a criar formas de aumentar a produtividade, aumentar o crescimento económico”, defende.

Então e o Estado, que papel deve ter em todo este processo? Susana Peralta defende que é incontornável um papel essencial. “Primeiro porque, neste momento, a nossa economia está largamente estatizada com o confinamento e a paragem de atividade de imensas empresas. É o Estado que está a suportar uma parte desses custos. Depois, como vamos receber esse dinheiro temos de ter um plano feito pelo Estado para apresentar à Comissão Europeia. Por fim, se quisermos alinhar com as ideias da Comissão Europeia para a economia verde, descarbonização e digitalização isso exige investimento massivo em infraestruturas e esse é um esforço de investimento que só o Estado é que pode fazer, defende. Ainda assim, “isso não impede que o Estado se concentre no que é essencial”.

Já Carlos Guimarães Pinto reserva ao Estado um protagonismo muito menor porque “o Estado falha nas suas funções essenciais”. Um exemplo: “O Estado demora meses a entregar um cartão de cidadão. E é este mesmo Estado, gerido pelas mesmas pessoas e com as mesmas burocracias, que acha que irá conseguir dirigir toda uma economia. Estamos a brincar? Isto é absolutamente ridículo.”.

Se vamos falar de prioridades, “antes de o Estado se meter nestas coisas devíamos ter um sistema de Justiça a funcionar, um sistema de Saúde que funciona, um sistema de Ensino que dá as mesmas oportunidades a um miúdo que nasça na Amadora ou Castelo Branco em relação a outro que nasça no centro de Lisboa. Quando cumprir estas funções básicas, então pode vir e meter-se no que os privados podem ou não fazer”, defende o economista.

Tudo ponderado, Guimarães Pinto não tem dúvidas: “O que faria? O que faço com qualquer programa de propaganda política: ignorá-lo”

Susana Peralta, pelo contrário, reservou algum tempo nas férias para participar na discussão pública do documento: “Reagi com mais três colegas e submetemos um documento curto a sugerir prioridade a quatro dimensões: transição energética, apoio aos rendimentos de pessoas mais desfavorecidas, transparência e corrupção e ética na utilização de dados”.

Os debates “Portugal: é desta?” prosseguem até ao fim da semana na Rádio Observador, sempre às 11h15 e repetição às 21h15. Esta quinta-feira José Manuel Fernandes, publisher do Observador, e Paulo Ferreira, membro do painel das Manhãs 360 da Rádio Observador, apresentador do programa Tempestade Perfeita e nosso comentador de Economia, conduzem o debate entre Daniel Bessa e Fernando Alexandre. E na sexta-feira teremos João Faria e Henrique Pereira dos Santos.