O Governo apresentou esta terça-feira numa cerimónia pública, com pompa a circunstância, a nova aplicação de rastreamento de contactos próximos de doentes com Covid-19 mas sem que ela estivesse a funcionar em todo o território nacional, como era suposto. Na Madeira e nos Açores o sistema de registo de dados é diferente e não havia um código associado a quem recebe um resultado positivo, pelo que era impossível fazer o registo para que os contactos mais próximos fossem imediatamente notificados. Na Madeira continua a não haver este código, segundo o Governo Regional. Nos Açores, a situação foi resolvida depois das perguntas do Observador.

As dúvidas surgiram nas regiões autónomas quando a app foi lançada nas lojas dos sistemas Android e iOS, na sexta-feira passada. É possível descarregá-la, mas para que funcione, a Stayaway Covid precisa de um código concreto que até esta terça-feira ninguém sabia qual era e por uma razão: tanto nos Açores como na Madeira, não existia tal dado, segundo disseram ambos os governos regionais quando questionados pelo Observador.

O funcionamento da app depende do código e foi o próprio primeiro-ministro que o explicou na apresentação no Instituto Superior de Engenharia do Porto: “Eu só posso dar o alerta se um médico que detetou que estou positivo me der um código e só com esse código é que posso inserir” o diagnóstico na app. Esse código de doze dígitos tem uma validade de 24 horas e é dado num envelope fechado à pessoa infetada que pode, ou não, introduzi-lo na aplicação para lançar o alerta aos contactos com quem tenha estado nos últimos 14 dias durante mais de 15 minutos e a menos de dois metros de distância. Foi criado para evitar falsos alertas de positivos.

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Uma impossibilidade, nessa altura, nos Açores e Madeira. Pelo menos numa primeira fase, já que no primeiro contacto, esta terça-feira, a assessoria da secretaria regional de Saúde do Governo Regional explicou ao Observador que não existia um código associado aos positivos e que esses eram registados diretamente no Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), não existindo um código nessa altura.

No segundo telefonema, o Observador já foi informado que existiria uma reunião, naquele mesmo dia às 17 horas, sobre o assunto porque ainda “faltavam procedimentos”. Já ao final do dia, depois dessa reunião, era afirmado que a app estava a funcionar. Mas já existia código? A resposta do governo socialista veio por email: “Neste momento, todos os açorianos podem utilizar a aplicação StayAway Covid, tendo a Secretaria Regional da Saúde já definido os procedimentos, juntamente com os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, para emissão e comunicação do código que permitirá desencadear a notificação das pessoas que tenham estado em proximidade ao utilizador positivo para SARS-CoV-2″.

A Secretaria Regional da Saúde ainda acrescentou que o objetivo “é que a app seja utilizada pelo maior número de pessoas na Região com a maior brevidade, para melhor proteção da saúde pública”.

Já na Madeira, a resposta foi clara: “Neste momento não é gerado nenhum código para introduzir na aplicação”, disse fonte oficial do Governo liderado pelo PSD já esta quarta-feira. “Não existe um código atribuído aos casos positivos, porque o sistema coordenado pela Autoridade de Saúde Regional funciona de outra forma”, explicou ainda fonte oficial da Secretaria Regional da Saúde da Madeira. O Observador soube ainda, junto de fonte do Governo Regional da Madeira, que durante o processo de preparação da aplicação nunca foram contactados, nem a Autoridade de Saúde Regional, sobre o sistema usado ou sobre o funcionamento da badalada aplicação na região.

Por escrito, a mesma entidade detalhou que a Madeira tem uma “estratégia de contenção e prevenção da COVID-19” que “está sustentada em duas aplicações webs, com objetivos diferentes”. Tratam-se da Madeira Safe, que faz rastreio e vigilância de sintomas de todos os que visitam o arquipélago e da S-ALERT,  “destinada a fazer a gestão dos casos positivos notificados na Região Autónoma da Madeira com interligação ao Serviço Regional de Saúde”.

“Todos os casos positivos identificados na Região Autónoma da Madeira são notificados no SINAVE, afirma ainda o governo regional que, sobre a nova app apresentada por António Costa para todo o território nacional, acrescenta apenas que reconhece “a importância do desenvolvimento de soluções tecnológicas que auxiliem todos os intervenientes neste processo de contenção e de prevenção da COVID-19”.

As respostas mostram que no dia um da nova app, as regiões autónomas ainda não estavam preparadas para a poderem usar, na existência de casos positivos (nas últimas 24 horas registaram-se dois novos casos em cada uma das regiões autónomas, com a Madeira a somar 161 e os Açores 214 no total nas últimas 24 horas, segundo os dados da DGS). O Ministério da Saúde foi questionado pelo Observador logo na terça-feira de manhã sobre esta falha do sistema, mas até à publicação deste artigo continuava sem dar  resposta.

Na apresentação, no Porto, o primeiro-ministro regozijou-se com a existência de “mais uma ferramenta para interromper as cadeias de transmissão” no novo coronavírus  e que a aplicação surgia “num momento muito importante”, o regresso de férias e o regresso aos locais de trabalho e à escola. “Quanto mais os contactos, mais aumenta o risco de contágio”, disse António Costa assinalando ser “um dever cívico” descarregar a app e dar conta da situação de contágio através dela.

No início da semana, segundo dados do INESC TEC, entidade que coordena a app, a Stayaway Covid já contava com mais de 121 downloads nos sistemas operativos da Google e da Apple. A app foi desenvolvida pelo INESC TEC (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência), em colaboração com o Centro Nacional de Cibersegurança (CNCS) e com o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), a Keyruptive e a Ubirider. O projeto foi sendo acompanhado pelo Governo, através dos ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, da Economia e Transição Digital e da Saúde, entre alguns sobressaltos como o parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados, em junho passado. E não só.