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A "Aurora Negra" destas três mulheres chegou finalmente: "Aquilo que achas que eu sou não existe"

Este artigo tem mais de 3 anos

Cleo Tavares, Isabél Zuaa e Nádia Yracema tomam conta do Teatro Nacional D. Maria II. Um espaço onde, finalmente, decidem o que fazer com as suas histórias e corpos.

"Aurora Negra" é o espectáculo vencedor da segunda edição da Bolsa de Criação Amélia Rey Colaço
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"Aurora Negra" é o espectáculo vencedor da segunda edição da Bolsa de Criação Amélia Rey Colaço

Filipe Ferreira

"Aurora Negra" é o espectáculo vencedor da segunda edição da Bolsa de Criação Amélia Rey Colaço

Filipe Ferreira

Um rosto por identificar, construído em arame, ocupa o centro da parede ao fundo do palco. E logo aqui a possibilidade de leitura se espraia no infinito: quantos rostos ali fariam sentido? quanto arame prendeu, ao longo da história, rostos anónimos a quem roubaram a voz? O prólogo traz-nos um ritual de origem africana, uma dança balançada, uma memória da infância. Aurora Negra é uma criação de Cleo Tavares, Isabél Zuaa e Nádia Yracema, projeto que venceu a segunda edição da Bolsa Amélia Rey Colaço — uma bolsa de criação que visa apoiar jovens artistas ou companhias emergentes e que é uma iniciativa do Teatro Nacional D. Maria II, do Centro Cultural Vila Flor, d’O Espaço do Tempo e do Teatro Viriato — e que agora se estreia no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, esta quinta-feira, dia 3 de setembro.

Falamos de três atrizes e criadoras negras e que há muito partilham amizade e anseios. Cleo e Naná (alcunha de Nádia Yracema) fizeram o Conservatório juntas, numa altura em que Isabél Zuaa, mais velha, já rodava filmes no Brasil e fazia parte do circuito artístico português. “Conhecíamos a Isabél de nome, era a nossa estrela, era a nossa referência, às vezes dizemos isto a brincar, mas não deixa de ser verdade, era a mulher negra que estava no Brasil a fazer filmes, era a nossa inspiração. Havia essa vontade de trabalhar com outras mulheres negras, sem dúvida”, explica Nádia.

E essa vontade está na base deste espectáculo, que começou a ser pensado há 4 anos, muito antes da candidatura a esta bolsa. “Somos seres individuais e múltiplos, no entanto há questões que nos permeiam dentro dos contextos que habitamos, esses entre-lugares, esse lugar artístico que às vezes reflete muito uma sociedade com os seus dogmas e complexidades. De repente, encontrar essa irmandade em Portugal e ser acolhida pela Cleo e pela Naná, foi muito importante. O síndrome da ‘preta única’ nos espaços de privilégio artístico é muito complexo, sentir que ali estão as minhas sistahs e que não correspondemos a nenhum estereótipo sobre a nossa imagem intelectual e física faz toda a diferença. Porque isso é uma luta, é uma luta ainda ter que dizer: ‘aquilo que achas que sou, esse preconceito que tens sobre a minha existência, está errado, não existe, porque eu não sou assim’. No fundo, ninguém tem de esperar nada de ninguém”, afirma Isabél Zuaa.

Noutros espectáculos tivemos que doar as nossas histórias, mas desta vez somos as protagonistas e escolhemos como é que as usamos", diz Cleo Tavares

Filipe Ferreira

Um espaço que Cleo Tavares define como um “safe place”, lugar seguro onde o olhar basta para explicar o que se sente em relação a um acontecimento. Como Nádia Yracema desabafa, “não é preciso ser professora”, porque há quem passe a vida a ter de educar pensamentos. Tudo isso é cansativo. E aqui existe menos, sobretudo em cena, para onde transpõem um desejo muito primário: o que é que cada uma quer dizer.

“A vontade de falarmos de nós de uma forma não objetificada, com auto-estima, de sermos protagonistas e anfitriãs da nossa história. Queríamos fazer um espectáculo onde contássemos a nossa história sem constrangimentos e sem esses preconceitos que existem sobre a nossa história e os nossos corpos. Se para outros pode ser uma coisa muito óbvia, para nós foi uma conquista poder fazer essa pesquisa. Este é um projeto que sempre tivemos vontade de fazer e agora encontrámos as condições para o fazer”, admite Isabél Zuaa.

Assim sendo, é natural que aqui a autobiografia tenha lugar de destaque, sobretudo porque agora podem dizer palavras que as representam efetivamente. É claro que aos seus enredos se juntam outros fatores, palavras de gente que admiram, imagens de outras pessoas. Para adensar ainda esta Aurora Negra, a ficção rouba, ou pelo menos tenta roubar, o lugar à realidade. Confundem-se, enganam o espectador, sentam-se ao seu lado e sussurram dúvidas que nem sempre precisam de ser respondidas.

A zona mais narrativa do espectáculo prende-se com um encontro com D. Maria II, uma rainha que não nasceu na Europa (mas sim no Brasil) e que assim pode ser mais sensível ou pode melhor relacionar-se com a história destas três artistas: Naná nasceu em Angola, Cleo em Cabo Verde e Isabél nasceu em Portugal, mas tem pai guineense e mãe angolana. No fundo, o que fazem, é propor uma aliança a uma mulher com poder. Daí navegam para outros estuários, para a casa que encontraram neste país e já agora neste palco, para um casting que por certo se relaciona com aquilo que vivem enquanto atrizes negras, onde há, inúmeras vezes, uma expectativa sobre o que já viveram os seus corpos, uma ideia de utilização dos mesmos, o cliché da escrava, da trabalhadora a dias, da auxiliar de educação, da cozinheira, da ama.

“Noutros espectáculos tivemos que doar as nossas histórias, mas desta vez somos as protagonistas e escolhemos como é que as usamos. Não é igual quando alguém me convida para fazer um espectáculo e já tem um olhar sobre mim”, argumenta Cleo.

Mais para o final, um manifesto, uma zona onde contam as suas conquistas, onde apresentam as suas reivindicações a D. Maria II, onde são livres. Pelo meio, tempo ainda para um espectáculo dentro do espectáculo, inspirado nas divas negras, de Diana Ross a Josephine Baker. Há também um ecrã, onde se projetam imagens de várias artistas negras, porque afinal, não estão sozinhas naquele palco: “É uma reação àquela coisa de não existirmos como artistas, de não conhecerem artistas negras com qualidade. Nós conhecemos”, explica Isabél. “Esta Aurora nunca podia ser só nossa”, remata Cleo Tavares.

Aurora Negra está em cena na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, de 3 a 13 de setembro. Quarta e sábado às 19h30; quinta e sexta às 21h30; domingo às 16h30

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