Pouco tempo depois da chegada da pandemia de Covid-19 a Portugal e do cancelamento a longo prazo de algumas iniciativas começou a levantar-se a hipótese de o PCP cancelar a realização da tradicional rentrée este ano. Seria apenas a segunda vez, desde 1976 em que a Festa não se realizaria e a opção foi aguardar. O ‘ok’ final das autoridades de saúde só chegou na segunda-feira, com imposições que o PCP considerou mais exigentes que para os restantes eventos que têm decorrido, mas nem assim o partido deixou de acomodar as recomendações no plano de contingência. A Festa vai mesmo avante, além da polémica, tal como já ‘sobreviveu’ a muitas outras que se sucederam ao longo dos anos.

Logo em 1987, depois da décima festa seguida, a pouco mais de um mês das legislativas (que deram a primeira maioria absoluta a Cavaco Silva) os comunistas não conseguiram garantir o espaço para o Avante, no Alto da Ajuda, culpando o “conluio” entre “o presidente da Câmara Municipal de Lisboa e o Governo demitido de PSD” que, afirmavam, não apresentou “razões válidas” que justificassem a recusa da cedência dos terrenos para a realização da iniciativa. Terá sido, aliás, depois deste contratempo que o PCP terá decidido avançar para a compra da Quinta da Atalaia, no Seixal, onde se realiza o Avante desde 1990. Mas a opção de realizar o evento em terreno próprio não foi suficiente para impedir que se criem polémicas em torno da realização da iniciativa.

Comunicado do Comité Central do PCP em 1987.

Da presença das FARC à exclusão do livro de Luaty Beirão

Em 2006, a polémica estalou quando foi noticiada a presença de elementos das FARC na Festa. As notícias obrigaram a uma série de explicações do então ministro da Administração Interna, António Costa, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e levaram a um pedido de esclarecimentos do embaixador colombiano, Plínio Apuleyo Mendoza, ao Governo português. A reação do secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, refletia já posição do partido em relação à organização. Esclarecendo que “naturalmente” tinha convidado “o partido comunista colombiano e a revista ‘Resistência’”, Jerónimo de Sousa até admitiu que “o PCP não usaria” os métodos utilizados pelas FARC, mas manifestou “grande solidariedade” para com as FARC. Isto porque, dizia na altura o secretário-geral citado pelo jornal Público, que “a maior violação dos direitos humanos é impedir que um povo tenha direito à sua soberania, à sua liberdade”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Dois anos depois, em 2008, uma controvérsia semelhante foi iniciada pelo então vereador socialista da Câmara do Seixal, José Assis, que manifestou o seu descontentamento pela presença de uma delegação das FARC novamente na festa do Avante. Ao contrário do sucedido em 2006, o PCP desmentiu, em comunicado, as alegações de Assis classificando-as de “inqualificável invenção”.

Mais recentemente, em 2018, a editora Tinta da China acusou o PCP de censurar o livro de Luaty Beirão. A editora fez a habitual seleção de livros para colocar à venda no espaço dedicado aos livros na Festa do Avante e o livro de Luaty Beirão — um relato da prisão — foi, segundo a editora, o único a ser excluído pelos comunistas.

Bárbara Bulhosa, editora da Tinta da China, denunciou o caso através da sua página oficial de Facebook tecendo duras críticas ao PCP. “Acabo de saber que da lista de livros que selecionámos para estarem na Festa do Avante foi retirado o diário de prisão do Luaty Beirão, com o argumento de que incomodaria os camaradas do MPLA que irão à Festa. É uma tristeza verificar que para o PCP os presos políticos continuam a ter nacionalidade, e que os que interessam são só os nossos, durante o Estado Novo”, escreveu a editora.

Editora Tinta da China acusa PCP de censurar livro de Luaty Beirão para não incomodar “amigos do MPLA”

Questionado na altura pelo Observador, o PCP recusou ter qualquer responsabilidade sobre esta decisão. Numa resposta enviada por escrito,os comunistas explicam que a venda de livros na Festa do Avante “é da responsabilidade da Editora ‘Página a Página’, que assume os seus próprios critérios e opções editoriais quer quanto às editoras convidadas quer quanto aos títulos à venda”. Assim, o PCP rejeitava qualquer responsabilidade na decisão editorial de não aceitar que o livro de Luaty Beirão tenha sido colocado à venda na festa da rentrée comunista. “O PCP rejeita assim as operações difamatórias vindas de quem sem crédito se move pelo preconceito e o mais primário anticomunismo”, concluem os comunistas.

Na mesma ocasião, Luaty Beirão respondia por escrito ao Observador que “desejava felicidades ao PCP” e que torcia para que o partido conseguisse “convencer a juventude sujeita a outro tipo de opressões distintas das que existiam há 100 anos, que a ortodoxia de então continua a ser adequada para as lutas de hoje e que possam alargar a sua base de apoio”.

As queixas de agressões em plena Festa

É talvez o caso mais conhecido, pelos piores motivos, ocorrido na Quinta da Atalaia. Em 2015, o semanário Expresso avançava que a PSP tinha recebido quatro queixas-crime contra seguranças da Festa do “Avante!” e que a Polícia Judiciária estava a investigar dois dos casos mais graves. As alegadas vítimas denunciavam atos de agressão, roubo e sequestro durante a Festa do Avante.

Uma das vítimas, um ativista de esquerda espanhol, terá relatado às autoridades a agressão de que foi alvo da parte de um grupo de “homens com uma farda azul escura com a palavra ‘apoio’ escrita nas costas”. Manuel, de 34, estava a beijar um rapaz quando foi abordado por três homens que lhe terão dito “que tinham de ir embora dali” porque o que estavam a fazer era “proibido”.

Ao questionar qual era a lei em Portugal que “impedia o amor”, o espanhol terá sido fechado dentro de uma carrinha e levado “socos e pontapés”. Uma vez fora do recinto, decidiu tentar tirar fotografias aos seguranças com o telemóvel. Mas eles aperceberam-se e voltaram a enfiar Manuel dentro da mesma carrinha. Vendaram-lhe os olhos e apertaram-lhe o pescoço com uma corda enquanto lhe “chamavam maricas”.

Agressões e sequestro na Festa do Avante

Em resposta à reportagem publicada no Expresso, o gabinete de imprensa da Festa do Avante publicou um comunicado no site do PCP em que acusa o semanário de ter inserido “na edição uma peça provocatória e difamatória” em que se registam “critérios e operações que procuram diminuir a dimensão política, cultural e de convívio” da Festa.

Reafirmando o que já tinha sido dito em resposta às perguntas colocadas pelo jornal, nomeadamente que as situações referidas “não correspondem à prática, às orientações e aos princípios que norteiam a atuação dos membros do Partido na Festa do Avante”, o gabinete de imprensa frisou que, ao longo dos anos, se têm repetido “processos recorrentes de falsificação e difamação” a propósito do festival da Quinta da Atalaia.

À data, a situação motivou várias organizações LGBT a pedir ao PCP que apresentasse um pedido de desculpas às vítimas. Com o aumento da pressão mediática o PCP acabou por reconhecer que tinha havido “incidentes”: “A verdadeira razão do incidente que conduziu à saída das pessoas do recinto da Festa teve origem num ato de sexo oral em pleno espaço público”.

Um dos agredidos, em entrevista ao jornal i desmentiu a versão do PCP e acusou o partido de “lançar mentiras para tapar uma agressão homofóbica”. Não é conhecido o desfecho de nenhuma das queixas apresentadas contra os militantes/simpatizantes do partido que faziam a segurança na edição de 2015.