88, 87, 82. Nas últimas três temporadas, ou seja, desde que Sérgio Conceição chegou ao Dragão, o FC Porto ultrapassou sempre a fasquia dos 80 pontos no Campeonato. Campeão duas vezes, segundo classificado pelo meio, o treinador saiu vencedor da época mais atípica de que há memória e está no auge da preparação da próxima, onde o objetivo é reconquistar a Liga e chegar o mais longe possível na Liga dos Campeões.

Depois de perder Casillas, Éder Militão, Felipe, Herrera, Brahimi e Óliver no verão passado, Sérgio Conceição está a ter uma janela de transferências bem mais tranquila, sem a necessidade de substituir diretamente titulares — Alex Telles, Corona, Danilo e Otávio, os quatro elementos instrumentais que foram associados a eventuais saídas ao longo da época, devem manter-se no plantel e segurar a espinha dorsal da equipa. Todos os que estão a entrar, como refere o treinador, são para fazer “pequenos ajustes”. Na primeira grande entrevista depois do final da temporada, ao jornal O Jogo, o técnico falou sobre as diferenças entre os últimos três anos, os casos mais polémicos com os jogadores sul-americanos e Nakajima e aquilo que diz ser a ausência de reconhecimento à qualidade do futebol praticado pelo FC Porto.

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“Não podemos esquecer que foram três épocas em que ultrapassámos sempre os 80 pontos”, começa por dizer, assumindo depois que a equipa teve “algumas dificuldades” no início de 2019/20 que acabaram por culminar na eliminação ainda precoce da Liga dos Campeões. “Houve muita gente a chegar em cima da hora, o que vai entroncar naquilo que eu acho sobre o facto de o futebol português estar cada vez pior, enfrentando uma décalage para o futebol das equipas das principais ligas cada vez maior”, acrescentou, terminando em seguida o assunto ao referir que os últimos três anos foram “de sucesso”.

A posse de bola “objetiva” e o “detalhe” nos treinos

O FC Porto terminou a Liga como a equipa com maior percentagem de posse de bola mas é muitas vezes acusado de oferecer esse fator do jogo ao adversário. Sérgio Conceição diz que não é assim — que apenas gosta de ter a bola “de forma mais objetiva”. “De olhos na baliza do adversário. O impacto físico no jogo é extremamente importante no futebol moderno, cada vez mais se nota a intensidade e velocidade das equipas que têm sucesso. A capacidade que têm de provocar o erro no adversário (…) Quando olhamos para uma equipa, não podemos catalogá-la pelo que nos chama mais a atenção (…) Temos uma posse objetiva”, detalhou o treinador, que foi depois questionado sobre o exemplo do golo que os dragões marcaram em Alvalade ao Sporting, em que Corona realizou um passe de 50 metros que descobriu Marega.

“Vai ao encontro do que trabalhamos aqui no treino, ao que é pedido: trabalhar o detalhe. Depois, sobram 10% para perceber onde é que o adversário tem fragilidades e como é que nós, com os jogadores disponíveis, podemos ferir estrategicamente o adversário”, acrescentou, dissertando depois sobre aquilo que diz ser a ausência de reconhecimento desses lances de maior qualidade do FC Porto. “Lembro-me de que, há alguns anos, no Benfica — e estou a falar no Benfica não é por provincianismo ou pequenez — era muito realçado esse facto (…) Sou pragmático, mas gosto da beleza do futebol. Basta ver golos que fizemos nestes três anos. Há alguns de uma qualidade fabulosa e golos feitos de uma forma mais elaborada, mais cuidada, outros de forma mais direta”, sublinha, revelando depois que dedica “unidades de treino a essas situações de bolas paradas, ofensivas e defensivas”.

Sporting CP v FC Porto - Liga NOS

O golo de Marega em Alvalade, em que Corona assistiu o maliano com um passe de 50 metros, é para Sérgio Conceição um dos exemplos da objetividade que a equipa trabalha nos treinos

O caso dos sul-americanos, o episódio com Nakajima e Taremi, um “jogador refinado”

Para além de esclarecer que “não há exigência deste ou daquele” por parte do treinador — “as coisas fazem-se em conjunto” com o presidente, garante –, Sérgio Conceição defende que “o futebol português deve ser inteligente e criativo nos jogadores que contrata” e explica que um dos “segredos” para manter a dedicação do plantel é “ter sempre o grupo no red line, altamente motivado”. Sobre os casos mais polémicos da temporada, a festa dos jogadores sul-americanos e a ausência de Nakajima dos treinos durante a retoma, o técnico indica que tudo foi resolvido com “disciplina”.

“Ganhar o Campeonato tem a ver com essa disciplina e não abdicar dos princípios que temos aqui em função da importância dos jogadores para ganhar um Campeonato (…) Não basta ter contrato com o FC Porto, é preciso sentir”, começa por dizer, abordando depois cada um dos episódios. “Acredito que o incidente com esses jogadores [Uribe, Luis Díaz e Marchesín] foi mais pela falta de conhecimento de uma realidade completamente diferente, do Campeonato, da forma como se vivem as coisas, do que por maldade ou por gostar da noite. Ninguém faz uma festa e publicita nas redes sociais querendo prejudicar-se. Foi mais inocente do que maldoso”, diz. O caso de Nakajima, contudo, é diferente.

O caso Nakajima e a estrutura do FC Porto

“Um dos princípios básicos de qualquer clube é haver esse compromisso. O Nakajima vem de uma cultura totalmente diferente (…) Achei que foi muito mau para o grupo de trabalho e ele teve de resolver com o grupo. A seguir, entrei eu para decidir o que fazer. Ele sentiu que não esteve bem. Foi um momento difícil para todo o mundo e continua a ser, porque isto ainda não acabou”, revelou Conceição, explicando depois que o jogador voltou à equipa porque os colegas fizeram “muita força” e garantindo que não tem “dúvida nenhuma” de que o caso do japonês se explica com essa “falta de sentimento”.

Na entrevista, o treinador do FC Porto diz ainda que “há muito pouca qualidade nos nossos comentadores”, refere que já conversou com Danilo sobre a possibilidade de o capitão dos dragões ser cada vez “mais ‘8’ do que ‘6’” e defende que o Benfica precisa de se reforçar mais porque não foi campeão. Sobre o mercado de transferências, precisamente, sublinha a importância de um “canal direto com o presidente” mas desabafa que esta fase do verão o “chateia”, porque “existem mais empresários do que jogadores” e “são cascas de banana por todo o lado”.

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Sobre as contratações já realizadas — Cláudio Ramos, Carraça, Zaidu e Taremi –, o técnico abordou principalmente as duas mais recentes e desfez-se em elogios ao avançado iraniano, garantindo também que o antigo lateral do Santa Clara tem “margem para crescer e evoluir”. “Taremi é um jogador refinado e, pelo que vi, em cima da linha defensiva, é um avançado de equipa grande porque descobre espaços onde é difícil encontrá-los. Só jogadores altamente refinados é que o conseguem fazer (…) É muito humilde, respeitador do que o treinador pretende, do trabalho coletivo”, disse Conceição sobre o internacional pelo Irão.

E por fim, como não podia deixar de ser: Sérgio Conceição vai renovar contrato? “Tenho contrato por mais um ano. Vamos ver daqui a uns tempos o que vai acontecer (…) Os contratos nunca foram, desde que cheguei aqui com 16 anos, um problema para mim nem para o presidente (…) O presidente vai ler esta entrevista de certeza, ainda para mais agora que foi operado às cataratas e vê melhor”, concluiu, em jeito de brincadeira, o técnico dos dragões.

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