Cinco jogos, quatro vitórias, um empate, dois marcos históricos nos encontros oficiais. Portugal e Croácia são duas das seleções europeias de maior renome olhando para os resultados nas últimas grandes competições desde 2016, entre a conquista do Europeu de 2016 e da Liga das Nações de 2019 por Portugal e a final do Mundial perdida em 2018 pela Croácia. Pode-se gostar mais de um estilo e menos de outro mas são duas equipas que juntam alguns dos melhores jogadores da atualidade, que têm uma ideia de jogo muito própria e que merecem um respeito crescente por parte dos adversários diretos e não só. No entanto, e entre eles, não existia essa questão do ser mais para P ou para C: o P ganhava quase sempre. E os balcânicos estão associados a momentos de relevo do futebol nacional.

Em 1996, na última jornada da fase de grupos do Campeonato da Europa em Inglaterra, a geração de Figo, Paulo Sousa, Vítor Baía, Rui Costa, João Pinto ou Fernando Couto, então comandada por António Oliveira, tinha o seu primeiro grande teste numa competição maior contra uma Croácia de sonho que mesmo a começar com Suker, Boban ou Boksic no banco (já estava apurada) tinha ainda em campo Jarni, Prosinecki ou Vlaovic. Um teste que superou com distinção, numa exibição de gala que acabou em 3-0. Duas décadas depois, nos oitavos do Europeu de França, a Croácia voltava a chegar melhor, mais forte e a prometer altos voos na competição mas foi Portugal a levar de novo a melhor, no prolongamento, num encontro ainda hoje recordado por Fernando Santos.

“Foi um jogo enorme de qualidade estratégica e de grande nível individual com duas equipas fortíssimas. Quem ganhasse esse jogo teria fortes hipóteses de ser campeão da Europa mas isso já foi há quatro anos. Agora são jogos e com jogadores diferentes. Tivemos de analisar jogos realizados há mais de dez meses, o que não deixa de ser estranho. A Croácia é vice-campeã do mundo, uma equipa poderosa e com jogadores de grandíssima qualidade, mas Portugal tem qualidade para vencer”, comentou o selecionador sobre essa partida em Lens decidida a três minutos do final por Ricardo Quaresma. Alguns jogadores mantêm-se, outros foram surgindo com o tempo, mas esse triunfo foi mais do que um passo vital para chegar à final do Euro – foi um triunfo “à Fernando Santos”.

Portugal teve uma espécie de período de ouro que teve como génese essa participação no Europeu de 1996 e que se começou a solidificar a partir de 2000. Nem sempre as campanhas em fases finais correram bem, como aconteceu nos Mundiais de 2002, 2010 ou 2014, mas por mérito próprio a Seleção cresceu e colou-se às principais formações europeias com uma perceção geral de uma equipa que jogava muito, que conquistava adeptos do futebol mas que ganhava pouco ou nada. Sobretudo a partir de 2016, o período de ouro manteve-se mas com outras características: quando dava para jogar bem, jogava-se; quando não dá para jogar mais, joga-se o que se pode. De forma muito pragmática, Portugal pode não ser visto como a máquina do futebol bonito de antigamente mas tornou-se uma máquina competitiva. Pode não ganhar sempre mas é das equipas mais complicadas de bater e as raríssimas derrotas em encontros oficiais com o Engenheiro no comando são a parte prática dessa nova versão.

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Com algumas novidades entre os convocados mas mantendo a base da equipa dos últimos anos, era nesse ponto que Fernando Santos mais apontava para esta estreia na Liga das Nações, sabendo ainda que Ronaldo, o capitão e a principal referência, tinha treinado de forma condicionada nos últimos dias e que poderia ficar de fora do encontro no Dragão – o que se confirmou e foi uma baixa de peso, tanto como as ausências de Modric e Rakitic do meio-campo croata, neste caso não por lesão mas pelo pedido de dispensas destes encontros por coincidirem com um período que para muitos destes jogadores era de pré-temporada mas que para outros era quase colado ao final da época anterior ou mesmo já com o ano 2020/21 a decorrer. O calendário nesta altura ainda constitui uma espécie de enigma que só em campo consegue ser decifrado, até pelas questões físicas que também iria arrastar.

“Ausências? O que marca os jogos são as equipas e o coletivo, depois os artistas dão o toque de qualidade que pode decidir algumas coisas. São duas equipas com qualidade e vão demonstrá-lo com um bom espetáculo mas claro que os jogadores de grande qualidade fazem sempre falta. Ninguém espera que nesta primeira fase da Liga das Nações as coisas sejam boas mas queremos ganhar. Os jogadores têm um espírito fantástico, adoram estar na Seleção e isso é fundamental. Vão ter a alegria e motivação para fazer um grande jogo e conseguir vitória”, atirava antes do jogo Fernando Santos, quase que invocando a máquina competitiva criada para entrar a ganhar no grupo. Ganhou essa aposta mas teve outro bónus: Portugal fez uma das melhores exibições nos últimos cinco anos.

Com Bruno Fernandes a jogar mais à frente de Danilo e João Moutinho pelo corredor central e as três unidades da frente muito móveis (Bernardo Silva, João Félix e Diogo Jota) mas jogando mais por dentro para as constantes subidas de João Cancelo e Raphael Guerreiro pelas laterais, até foi Vlaovic a deixar o primeiro sinal de perigo logo no segundo minuto para grande defesa de Anthony Lopes (titular pela primeira vez em jogos oficiais) mas Portugal começou a ganhar o jogo ainda antes de ter começado pela estratégia com que abordou esta estreia na Liga das Nações frente à Croácia. E até mesmo nos primeiros 15 minutos, em que houve apenas um remate de Danilo por cima após grande combinação coletiva (5′) e outro de Bruno Fernandes para defesa segura de Livakovic (9′), já se começava a perceber que a Seleção estava em campo para resolver e não deixar que o jogo se  resolvesse.

Com zonas de pressão bem feitas, com muito maior agressividade nas recuperações e nas segundas bolas, com mais intensidade com e sem posse, Portugal tomou conta do encontro e podia ter chegado ao intervalo já a golear porque quase todas as tentativas a partir daí ou foram travadas pelo inspirado Livakovic, ou bateram no poste (e foram três) ou resultaram em golo. João Félix abriu as hostilidades no tiro ao ferro com um remate de pé esquerdo na área após assistência de Diogo Jota (23′); Diogo Jota cabeceou bem após cruzamento de Bruno Fernandes mas teve a mesma sorte (27′); Raphael Guerreiro foi também lá à frente juntar-se aos prémios da pontaria a mais numa bola ainda desviada pelo guarda-redes croata (34′). Faltava o momento para premiar a grande exibição dos comandados de Fernando Santos e esse acabou por aparecer pela inspiração individual de João Cancelo, que puxou a bola para dentro num movimento tradicional e rematou colocado de pé esquerdo para o 1-0 (41′).

Numa análise mais óbvia, a mobilidade foi o segredo do ataque de Portugal para superar a ausência de Cristiano Ronaldo e, em paralelo, de um jogador mais posicional de referência. No entanto, não foi apenas por isso que a Seleção conseguiu fazer uma exibição em cheio: por um lado, a coesão de Danilo e Moutinho a secar as saídas dos jogadores mais criativos dos balcânicos “inclinou” o campo para apenas uma baliza; por outro, e talvez no ponto mais importante, a incorporação de Cancelo e Raphael nas ações ofensivas criou os desequilíbrios numéricos e posicionais que a Croácia nunca conseguiu travar. Sem CR, surgiu outro “CR”. E golos, bolas ao poste e assistências à parte, foram os laterais que deram asas para os atacantes brilharem, em especial Diogo Jota, outro estreante como titular na Seleção e que teve uma segunda parte diabólica no Dragão de onde saiu para o Wolves.

Logo a abrir o segundo tempo, Raphael Guerreiro encontrou o espaço entre linhas para desmarcar o avançado que joga na Premier League, Jota puxou para dentro e rematou sem hipóteses para o 2-0 naquele que foi o seu primeiro golo de sempre pela Seleção A (58′). Pouco depois, e num encontro que manteve a tendência de domínio total dos visitados, foi João Félix a fazer o movimento inverso, a ficar para trás em vez de ir para dentro quando Bernardo Silva estava em posição de cruzamento e a rematar rasteiro para o 3-0, naquele que foi também o golo 1 pela equipa principal de Portugal (70′). Só mesmo as substituições conseguiram abrandar o ritmo intenso que Portugal não abdicava de dar mas, entre várias tentativas de Diogo Jota ao lado ou para defesa de Livakovic, até quando a Croácia conseguiu reduzir por Petkovic numa boa combinação ofensiva iniciada em Perisic (90+1′) ainda houve tempo para André Silva fixar a goleada em 4-1 à boca da baliza, após desvio inicial de Pepe (90+4+).