O primeiro-ministro de Cabo Verde afirmou esta segunda-feira que o arquipélago “apreciou muito” a moratória aprovada por Portugal ao pagamento da dívida cabo-verdiana, devido às consequências económicas da pandemia de Covid-19, mas pede que se faça mais.

Em entrevista à agência Lusa, Ulisses Correia e Silva recordou que “uma parte importante da dívida bilateral” do país “é com Portugal, a grande maioria empréstimos comerciais bonificados pelo Governo português”, daí a importância da moratória, até final do ano, anunciada em agosto por Lisboa. “Apreciamos muito. Pode fazer mais, no quadro multilateral de alívio da divida externa, cujo modelo e condições ainda não estão definidos e dependem de credores e de abordagem concertada entre países”, afirmou Ulisses Correia e Silva.

O Governo português concedeu uma moratória, até 31 de dezembro de 2020, sobre os empréstimos diretos concedidos a Cabo Verde e a São Tomé e Príncipe, segundo um comunicado conjunto dos ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Finanças, divulgado no início de agosto. Segundo o executivo, “a adoção desta medida de suspensão do pagamento de capital e juros vai determinar uma negociação, até setembro próximo, de acordos de moratória” com os dois países africanos de língua oficial portuguesa e o “estabelecimento de novo plano e condições de empréstimos”. Esta moratória integra o “quadro de medidas de mitigação dos impactos económicos, sociais e sanitários provocados pela pandemia de Covid-19”, refere-se ainda na nota.

A medida do executivo liderado por António Costa responde ao repto lançado pelo Clube de Paris, entidade criada informalmente em 1956 para apoiar países em dificuldades económicas, e pelo G20, grupo das 20 maiores economias do mundo, “a todos os credores bilaterais oficiais e privados, para uma mobilização mundial no apoio aos países menos desenvolvidos, através da ‘Iniciativa de suspensão do serviço de dívida'”, acrescenta-se na nota.

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O vice-primeiro-ministro de Cabo Verde, Olavo Correia, defendeu no final de julho uma “reconversão” da dívida de 600 milhões de euros a Portugal em “investimentos estratégicos” no arquipélago, em “condições” que sejam “do interesse” de ambos os países. A posição foi assumida por Olavo Correia, que é também ministro das Finanças, tendo sublinhado que Portugal “é um parceiro estratégico”.

“É o maior credor da dívida externa cabo-verdiana, entre financiamento bilateral e operações com a banca estamos a falar de aproximadamente de 600 milhões de euros”, reconheceu o governante, acrescentando que a abordagem, no futuro, passa pela “reconversão dessa dívida em investimentos estratégicos nos mais diversos domínios”.

“Do digital, à transformação agrícola, das energias renováveis, da educação, da transformação de Cabo Verde enquanto país plataforma, mas também a inclusão social e da promoção da qualificação das instituições. Uma reconversão em condições que poderão ser do interesse de Cabo Verde e de Portugal”, sublinhou Olavo Correia.

Cabo Verde vive já uma crise económica provocada pela pandemia de Covid-19, com o setor do turismo, que garante 25% do Produto Interno Bruto (PIB), parado desde março. Para colmatar a falta de receitas fiscais e face ao aumento das despesas com prestações sociais e cuidados de saúde, o Governo anunciou que já negociou moratórias para o pagamento da dívida do país.

A dívida externa de Cabo Verde ronda atualmente os 1,6 mil milhões de euros, com a previsão de chegar aos 150% do PIB em 2021, devido aos efeitos da pandemia de Covid-19.

Cabo Verde regista um acumulado de 4.330 casos de Covid-19 diagnosticados desde 19 de março, com 42 mortes associados à doença.

Pandemia não coloca em causa eleições autárquicas de outubro em Cabo Verde

O primeiro-ministro cabo-verdiano afirmou esta segunda-feira que a realização das eleições autárquicas no próximo mês não está em causa com a pandemia de Covid-19 e garante que já em outubro será obrigatório o uso de máscara na via pública. Assumiu, por isso, que essa medida, preventiva à transmissão da doença, é para avançar: “Sim. Em outubro, com a retoma da atividade parlamentar. Estamos a criar as condições para tal”.

Questionado sobre a ameaça da pandemia às eleições autárquicas de 25 de outubro face às dezenas de casos de Covid-19 que diariamente são diagnosticados no arquipélago, o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, afirmou que a votação vai mesmo acontecer. “Serão realizadas com as devidas precauções. Por outro lado, não é previsível que a epidemia se agrave ao ponto de ficar descontrolada. Antes pelo contrário”, afirmou o primeiro-ministro.

Ulisses Correia e Silva acrescentou que “normas sanitárias específicas” serão emitidas pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), “com o suporte” da Direção Nacional de Saúde, “para as ações de campanha eleitoral e da organização do processo até ao dia da votação”.

“Não estão em causa. Têm data marcada e serão realizadas”, enfatizou.

A Lusa noticiou em 02 de setembro que a CNE de Cabo Verde e a Direção Nacional de Saúde vão definir um plano de contingência eleitoral para as eleições autárquicas de 25 de outubro, mas o direito de voto antecipado para os doentes com covid-19 em isolamento está garantido.

A posição consta de uma deliberação aprovada por maioria no plenário da CNE, que refere que as duas entidades “já deram início ao processo de preparação de um Plano de Contingência Eleitoral”.

O plano “tem em vista, no essencial, estabelecer regras sanitárias para a fase de propaganda e campanha eleitoral e a salvaguarda do direito do voto antecipado por parte dos doentes internados”, lê-se na deliberação.

Segundo o calendário eleitoral para as Eleições Gerais dos Titulares dos Órgãos Municipais de 25 de outubro, definido pela CNE, os partidos políticos, coligações e grupos de cidadãos podem começar a campanha eleitoral em 08 de outubro, no 17.º dia anterior ao designado para as eleições.

“Pela própria natureza do processo eleitoral, alguns atos inseridos nesse processo são suscetíveis de gerar aglomerações de pessoas”, acrescenta-se na deliberação, reconhecendo que “não é possível prever qual será a situação epidemiológica do país na data marcada para a realização das eleições”. Este ano, devido à pandemia do novo coronavírus, a campanha para as eleições autárquicas vai decorrer sem ações porta a porta ou apertos de mãos, conforme disse em junho o primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, como medida de prevenção da doença. A campanha eleitoral para as autárquicas decorre até às ooh do dia 23 de outubro.

As últimas autárquicas aconteceram em 4 de setembro de 2016. Nesta votação são escolhidos os autarcas dos 22 municípios de Cabo Verde. Há quatro anos, o MpD venceu com os seus próprios candidatos 18 das 22 câmaras municipais, mais cinco do que nas autárquicas de 2012, enquanto o PAICV ganhou duas e outras duas foram conquistadas por independentes.

Cabo Verde não entra na “novela” da extradição de alegado testa-de-ferro de Maduro

O primeiro-ministro cabo-verdiano afirmou esta segunda-feira que a decisão sobre a extradição do empresário colombiano Alex Saab, que os Estados Unidos consideram testa-de-ferro do Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, compete à Justiça, recusando participar na “novela” envolvendo o caso.

“O Governo de Cabo Verde e os tribunais de Cabo Verde não são pressionáveis”, começou por afirmar o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, em entrevista à agência Lusa, questionado sobre os contornos deste processo, que colocaram Cabo Verde no centro de uma disputa internacional entre os Estados Unidos e a Venezuela. “Este caso está a ser transformado numa novela na comunicação social, com cartas, artigos, declarações, tentando levá-lo para o campo político ‘tout court’ [simplesmente]. O Governo de Cabo Verde faz questão de não entrar no elenco da novela”, acrescentou.

Alex Saab, 48 anos, foi detido em 12 de junho pela Interpol e pelas autoridades cabo-verdianas, durante uma escala técnica no Aeroporto Internacional Amílcar Cabral, na ilha do Sal, com base num mandado de captura internacional emitido pelos Estados Unidos da América (EUA), que o consideram um testa-de-ferro do Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Entretanto, o Tribunal da Relação do Barlavento, na ilha de São Vicente, a quem competia a decisão de extradição formalmente requerida pelos Estados Unidos, aprovou esse pedido em 31 de julho, mas a defesa de Saab recorreu para o Supremo Tribunal do país. Durante a fase administrativa do processo de extradição, antes de seguir para decisão judicial, o Governo cabo-verdiano, através do Ministério da Justiça, autorizou esse pedido com base num parecer da Procuradoria-Geral da República.

Ulisses Correia e Silva garante que a posição do Governo é inequívoca: “O caso está entregue à Justiça e é a Justiça que deve decidir em última instância”.

Os Estados Unidos acusam Alex Saab de ter branqueado 350 milhões de dólares para pagar atos de corrupção do Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, através do sistema financeiro norte-americano, enquanto a defesa do empresário colombiano, que inclui o escritório de advogados do ex-juiz espanhol Baltasar Garzón, afirma que este viajava com passaporte diplomático, enquanto “enviado especial” do Governo da Venezuela e que por isso a detenção foi ilegal. A defesa insiste ainda que Cabo Verde está a ceder à pressão dos Estados Unidos neste processo.

No início de setembro, Alex Saab denunciou em carta citada pelo El Mundo que “os Estados Unidos têm quatro empregados naturais de Cabo Verde” que o estão a torturar na prisão onde está detido, no arquipélago. “Os Estados Unidos têm quatro empregados que entram na minha cela todas as noites e me espancam para que faça declarações falsas contra [Nicolás] Maduro”, de acordo com a carta enviada por Saab. “Sou um enviado especial da Venezuela à Rússia e ao Irão, tenho imunidade diplomática e exijo a minha libertação”, insiste o empresário colombiano. Alex Saab afirma que “o objetivo destes criminosos”, os alegados quatro homens que o torturam, é que “assine a sua extradição voluntária para os Estados Unidos”, assim como que faça declarações falsas contra Maduro.

Por outro lado, em agosto foi noticiado nos Estados Unidos que dois responsáveis cabo-verdianos viajaram para Caracas como emissários do Governo e reuniram-se com o Presidente Nicolás Maduro, para abordar o processo de Alex Saab.

O Governo cabo-verdiano desmentiu esta versão, negando que tivesse enviado qualquer missão à Venezuela e dias depois afastou do cargo de presidente do conselho de administração da empresa pública de medicamentos Emprofac, Fernando Gil Évora, um dos dois cabo-verdianos que viajaram para Caracas, alegando “violação dos deveres inerentes ao gestor público e desvio da finalidade das funções”, tendo a Procuradoria aberto uma investigação a este caso.